A médica Marilyn Singleton, moradora de Redondo Beach, Califórnia, diz que planeja ficar em seu estado natal, apesar de ver tantos outros partindo, inclusive outros médicos, em meio ao que ela considera um ambiente difícil para os negócios.
“Seria terrível se a Califórnia – ou como eles chamam aqui, Taxifornia – se tornasse um fenômeno nacional”, disse Singleton ao The Daily Signal. “Você tem o mesmo grupo de pessoas pagando por tudo”.
A Califórnia está perdendo uma cadeira no Congresso, de acordo com novos dados do Escritório do Censo dos EUA. Embora ainda seja o maior estado do país, a Califórnia tem perdido empresas e empregos para outros estados, como Texas e Flórida.
Mas mesmo com os problemas econômicos e populacionais do estado, o presidente dos EUA, Joe Biden, está propondo políticas semelhantes às promulgadas na Califórnia. Entre elas: uma lei para banir a prestação de serviço independente para aplicativos (que não têm vínculo empregatício com as plataformas), um aumento no salário mínimo federal, medidas para conter as mudanças climáticas e promessas de pré-escola e faculdade “gratuitas”.
No estado vizinho do Arizona, Carlos Ruiz, fundador da HT Metals, em Tucson, viu como seu estado se beneficiou com as empresas que fugiram da Califórnia.
“Com as leis de licenciamento e regulamentação, não acho que poderia ter iniciado meu negócio na Califórnia”, disse Ruiz ao The Daily Signal. “O Arizona sempre foi um ótimo lugar para começar um negócio. Se você eliminar a competição entre os estados por negócios e fazer com que todos sejam como a Califórnia, isso vai sufocar a criação de negócios. Isso cria uma barreira à entrada [no mercado] e sufoca o crescimento”.
Nem a Casa Branca nem o gabinete do governador da Califórnia, Gavin Newsom, responderam aos pedidos de comentários.
Aqui estão sete áreas principais nas quais a agenda de Biden, em grande parte, reflete as políticas aprovadas na Califórnia.
1. Plano de famílias americanas
Newsom, democrata, comentou "Plano das Famílias Americanas" de Biden.
“Bem aqui na Califórnia, nossos programas de estímulo proporcionaram redução de impostos para pequenas empresas e dinheiro no bolso para famílias em dificuldades, e expandimos os cuidados infantis e tornamos a faculdade comunitária gratuita”, disse Newsom na quarta-feira em um comunicado público. “Esses investimentos estratégicos, que são complementados pelo Plano de Famílias Americanas do presidente Biden, irão impulsionar a recuperação econômica equitativa da Califórnia e nos trazer de volta com força”.
A Califórnia, que já havia coberto o custo de um ano de faculdade comunitária, expandiu o benefício para dois anos em 2019.
Durante seus comentários em uma sessão conjunta do Congresso, Biden apresentou propostas semelhantes.
“Meu Plano de Famílias Americanas garante quatro anos adicionais de educação pública para todas as pessoas na América, começando o mais cedo possível”, disse Biden.
“A pesquisa mostra que quando uma criança vai para a escola – não para a creche – é muito mais provável que ela se gradue no ensino médio e vá para a faculdade depois do ensino médio. Quando você adiciona dois anos de faculdade comunitária gratuita em cima disso, você começa a mudar a dinâmica”.
2. Lei PRO
Durante seus comentários ao Congresso no fim do mês passado, Biden pediu aos legisladores “que aprovassem a Lei de Proteção ao Direito de Organização – a Lei PRO, na sigla em inglês – e a enviassem para minha mesa para que possamos apoiar o direito de sindicalização”.
A legislação apelidada de "PRO Act" essencialmente nacionalizaria uma lei da Califórnia conhecida como AB 5. No entanto, a medida da Califórnia não foi muito popular depois que o Legislativo a aprovou e o governador a sancionou.
Anteriormente, motoristas de serviços de carona, como Uber e Lyft, escritores, músicos e outros freelancers poderiam trabalhar para empresas sem serem considerados funcionários em tempo integral ou parcial.
A nova lei passou a exigir que os trabalhadores da Califórnia fossem considerados funcionários, reduzindo as oportunidades para os trabalhadores que queriam definir seus próprios horários.
Mas, em novembro, os eleitores do estado optaram por enfraquecer a lei significativamente – embora não a tenham descartado inteiramente – ao aprovar em referendo uma proposição para isentar empresas, como Uber, de classificar seus trabalhadores como empregados. Isso, porque lei californiana foi vista como prejudicial para freelancers e prestadores de serviço independentes por diminuir oportunidades de trabalho para esses profissionais.
A iniciativa do referendo alcançou motoristas do Uber e do Lyft, mas a lei ainda afeta a maioria dos outros trabalhadores de meio período ou autônomos na Califórnia.
“Se uma política for liberal demais para os eleitores da Califórnia, você pensaria que definitivamente não é algo para o resto do país”, disse Alfredo Ortiz, presidente da Job Creators Network, um grupo de defesa de pequenas empresas, ao The Daily Signal.
“Essa lei teve um impacto terrível sobre os freelancers e prestadores de serviço independentes”, disse Ortiz. “Até mesmo pessoas na indústria do cinema que costumavam conseguir empregos por contrato estão perdendo oportunidades”.
A Lei PRO apregoada por Biden proibiria o trabalho por contrato independente (sem vínculo empregatício) ou freelance. Organizações trabalhistas apoiam fortemente a legislação como meio de aumentar a filiação sindical.
O Freelancers Union estima que 1 em cada 3 trabalhadores nos Estados Unidos trabalha de forma independente, como contratado, freelancer ou prestando consultoria. Cerca de 10% dos trabalhadores desempenham trabalhos independentes como seu emprego principal.
Menos de 1 em cada 10 trabalhadores independentes preferiria um acordo de trabalho tradicional, de acordo com o Escritório de Estatísticas do Trabalho dos EUA.
Especificamente, a legislação federal ampliaria a definição de “empregado” prevista na Lei Nacional de Relações Trabalhistas. De acordo com a nova definição, um indivíduo que executa qualquer serviço – com algumas exceções – seria um funcionário em vez de um trabalhador independente.
A proposta também levanta preocupações sobre a invasão da privacidade dos trabalhadores, abolindo o direito ao voto secreto nas eleições sindicais e invalidando 27 leis estaduais de direito trabalhista contra a filiação sindical obrigatória.
“A Califórnia tem sido um desastre político, mas o presidente Biden parece vê-la como um sucesso”, disse Ortiz.
3. Salário mínimo de US$ 15/hora
Um aumento no salário mínimo federal teria consequências reais para os empregadores, disse Ruiz, que atualmente tem cinco funcionários em tempo integral.
“A Amazon pode pagar altos salários, mas nem todo negócio se compara à Amazon”, disse Ruiz.
Em 2016, a Califórnia se tornou o primeiro estado a adotar um salário mínimo de US$ 15 em todo o seu território, mas o salário integral não entrará em vigor até o próximo ano.
“Enquanto vocês pensam em enviar coisas para minha mesa, vamos aumentar o salário mínimo para US$ 15”, disse Biden ao Congresso. “Ninguém … trabalhando 40 horas por semana deve viver abaixo da linha da pobreza”.
O salário mínimo federal atual é de US$ 7,25 por hora, o que significa que um empregador não pode pagar a um empregado menos do que isso. Mais da metade dos estados, 29, impõe um salário mínimo superior ao federal, de acordo com a Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais.
Um estudo de 2019 da Universidade da Califórnia, em Riverside, previu problemas para restaurantes e funcionários do setor.
“O modelo sugere que haveria 30.000 empregos a menos no setor, de 2017 a 2022, como resultado do salário mínimo mais alto”, diz o estudo. “No período de 2013-2022, portanto, o número de novos empregos no setor de restaurantes aumentará em 120.000, mas teria crescido em 160.000”.
O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) estimou, em 2019, que aumentar o salário mínimo para US$ 15 por hora nacionalmente resultaria na perda de até 3,7 milhões de empregos:
De acordo com a estimativa média do CBO, com a opção de US$ 15, 1,3 milhão de trabalhadores que estariam empregados ficariam desempregados em uma semana média de 2025. (Isso equivaleria a uma redução de 0,8% no número de trabalhadores empregados). O CBO estima que há cerca de dois terços de chance de que a mudança no emprego fique entre cerca de zero e uma redução de 3,7 milhões de empregos.
4. Mudanças climáticas
Durante seus discurso ao Congresso, Biden também falou sobre impulsionar empregos "verdes" como uma política doméstica a ser colocada em prática ao mesmo tempo em que os EUA trabalham com outros países para reduzir as emissões, que é parte de sua política externa.
“Por muito tempo, deixamos de usar a palavra mais importante quando se trata de enfrentar a crise climática: empregos, empregos, empregos”, disse Biden. “Para mim, quando penso em mudanças climáticas, penso em empregos”.
No ano passado, Newsom assinou uma ordem executiva para proibir a venda de novos carros movidos a gasolina na Califórnia a partir de 2035. Vários municípios também promulgaram proibições de produtos movidos a gás natural, como churrasqueiras e até sistemas de aquecimento doméstico. Isso significaria, em teoria, zero emissões de dióxido de carbono de carros e caminhões.
Durante sua cúpula virtual do clima em 22 e 23 de abril, Biden disse que os Estados Unidos têm um “imperativo moral” de cortar as emissões de gases de efeito estufa em 50% dos níveis de 2005 até 2030 e em 100% até 2050.
5. Saúde e "opção pública"
Durante sua campanha para presidente, Biden falou sobre um seguro saúde controlado pelo governo que competiria com o mercado privado – apesar de não ter levantado a questão durante seus comentários ao Congresso. Biden usou essa proposta para se contrapor a outros candidatos democratas das primárias eleitorais de 2020, que pediram um plano de saúde público para todos os americanos – “Medicare for All”.
Ao falar para os congressistas, Biden defendeu a expansão do Obamacare, oficialmente conhecido como Lei de Cuidados Acessíveis.
“A Lei de Cuidados Acessíveis tem sido uma tábua de salvação para milhões de americanos, protegendo pessoas com doenças preexistentes, protegendo a saúde das mulheres”, disse Biden. “E a pandemia demonstrou o quanto, o quanto ela é necessária. Vamos reduzir as franquias para famílias trabalhadoras … na Lei de Cuidados Acessíveis”.
Newsom disse que a Califórnia já tem uma opção pública. “Temos uma opção pública, para que todos saibam”, disse Newsom em janeiro de 2020, ao anunciar a proposta de orçamento do estado. “Chama-se Covered California”.
A California Healthline, uma publicação que cobre o setor de saúde do estado, contestou essa afirmação. Segundo ela, o Covered California é uma série de empresas privadas que concorrem no mercado de seguros de saúde.
Peter Lee, diretor executivo do Covered California, escreveu um artigo defendendo a caracterização de “opção pública” pelo governador.
“Entre esses planos estão as operadoras de seguros em todo o estado que são sem fins lucrativos e com fins lucrativos; temos planos públicos como o L.A. Care e Valley Health Plan, que prestam contas localmente às suas comunidades; e operadoras regionais, como SHARP Health Plan, Western Health Advantage e Chinese Community Health Plan, que atendem a um número crescente de pessoas em suas áreas”, escreveu Lee no LinkedIn.
Singleton disse que este não é exatamente o caso, mas a médica apontou para a L.A. Care, que é administrada pelo Condado de Los Angeles, e concorre com outros planos no mercado de seguros do estado.
O programa Medicaid do estado – conhecido como Medi-Cal – tem cerca de 12 milhões de inscritos, de acordo com o Departamento de Serviços de Saúde da Califórnia.
“Na verdade, não temos uma opção pública estadual, mas há várias organizações que oferecem plano de saúde acessíveis e 21 opções de cobertura”, disse Singleton, a médica de Redondo Beach. “O Condado de Los Angeles tem o L.A. Care, que é quase uma opção pública. É operado pelo condado e concorre com planos privados. É muito fácil para Newsom dizer que temos uma opção pública, já que muitas pessoas estão no Medi-Cal”.
Mas para Singleton, a grande presença do Medi-Cal e de planos de saúde com taxa anual fixa e atendimento limitado (HMO) não é boa para os médicos nem para a escolha do paciente.
"Existem muitas, muitas pessoas no sistema Medicaid da Califórnia. Os pagamentos do Medicaid são muito baixos. Há muita burocracia. … A maior inscrição é em HMOs, cerca de 60% na Califórnia – o que é cerca de 30% no resto do país. É uma opção restritiva para os pacientes".
6. Grande força de trabalho
O poder sindical também é um grande problema na Califórnia por causa da influência dos sindicatos sobre as políticas governamentais, disse Singleton.
“Provavelmente o maior problema é que os sindicatos governam o estado”, disse a médica. “Agora [a vice-presidente] Kamala Harris está comandando uma força-tarefa para promover mais sindicatos”.
Biden anunciou esta semana que nomearia Harris, ex-senadora dos EUA e ex-procuradora-geral da Califórnia, como chefe da Força-Tarefa da Casa Branca para Organização e Empoderamento dos Trabalhadores. O objetivo da força-tarefa, disse ele, é reverter o declínio na filiação sindical nos Estados Unidos.
“A classe média construiu o país e os sindicatos construíram a classe média”, disse Biden em seu discurso ao Congresso.
7. Pessoal
A vice-presidente Kamala Harris pode ser a californiana mais proeminente no governo Biden, mas está longe de ser a única.
O último procurador-geral do estado, Xavier Becerra, é agora o secretário de saúde e serviços humanos de Biden.
Becerra era conhecido por ser um defensor do "Medicare for All". Ele também tentou forçar organizações pró-vida a postar anúncios de serviços de aborto e processou ativistas que investigavam as práticas da Planned Parenthood, o maior provedor de aborto do país.
O secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, é ex-procurador dos EUA no Distrito Central da Califórnia, nomeado para esse cargo pelo presidente Bill Clinton em 1998. A senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia, sugeriu a indicação de Mayorkas a Clinton. Ele começou a trabalhar no Gabinete do Procurador dos EUA para o Distrito Central como advogado assistente dos EUA em 1989.
A secretária do Tesouro, Janet Yellen, foi professora na Haas School of Business da Universidade da Califórnia, em Berkeley, de 1985 a 2006. Yellen passou uma temporada como professora assistente lá de 1980 a 1982. Antes de atuar como presidente do Federal Reserve dos EUA de 2014 a 2018, Yellen foi CEO do Federal Reserve Bank de San Francisco, de 2004 a 2010.
Biden nomeou Julie Su como vice-secretária do Trabalho. Su serviu como secretária da Agência de Desenvolvimento da Força de Trabalho da Califórnia desde 2019, quando Newsom a nomeou.
Durante sua gestão na Califórnia, Su supervisionou o Departamento de Desenvolvimento de Emprego (EDD), que pagou pelo menos US$ 11 bilhões e até US$ 31 bilhões em auxílio-desemprego para fraudadores – incluindo quadrilhas de crime organizado da Rússia, Nigéria e China –- durante a pandemia de Covid-19. O conselho editorial, de tendência tradicionalmente esquerdista, do Los Angeles Times observou em um editorial que a nomeação de Su para atuar como subsecretária do trabalho do governo Biden "vem com uma bagagem pesada", ao referir-se sobre o caso.
Durante sua audiência de confirmação, o jornal da Califórnia acrescentou: "Os senadores devem exigir que ela responda por seu papel no fiasco do EDD antes que ela possa desempenhar um papel chave na recuperação econômica do país".
*Fred Lucas é o principal correspondente para assuntos nacionais do The Daily Signal e um dos apresentadores do podcast "The Right Side of History". Lucas também é o autor de "Abuso de poder: Por dentro da campanha de três anos para acusar Donald Trump".