A tempestade começou com um tuíte da ministra das Relações Exteriores do Canadá, Chrystia Freeland, na semana passada, expressando preocupação com a recente prisão de um ativista dos direitos das mulheres na Arábia Saudita, que tem parentes no Canadá, e pedindo sua libertação.
Dias depois, a Embaixada do Canadá na Arábia Saudita divulgou o comunicado do Ministério das Relações Exteriores pedindo a libertação dos defensores dos direitos das mulheres em sua conta no Twitter, em árabe, garantindo que seria mais lido pelos sauditas.
Na segunda-feira, o governo saudita respondeu com fúria. O Ministério das Relações Exteriores disse que as críticas canadenses eram uma "flagrante interferência nos assuntos internos do reino, contra normas internacionais básicas e todos os protocolos internacionais" e "uma afronta inaceitável às leis e processos judiciais do Reino".
O embaixador canadense foi ordenado a sair do país em 24 horas. Os sauditas suspenderam acordos de comércio e investimentos entre os dois países. A mídia local informou que os programas de intercâmbio educacional seriam suspensos - afetando 12 mil estudantes sauditas que estudam com bolsas de estudo patrocinadas pelo governo saudita no Canadá. E a companhia aérea nacional da Arábia Saudita informou que está suspendendo os voos para o Canadá, a partir do dia 13.
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Não foi a primeira vez que o reino - uma monarquia absolutista - foi repreendido por violações dos direitos humanos, ou que o Canadá criticou o país por prender ativistas. Mas sob Mohammed Bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, o país está reagindo com maior vigor às críticas que vêm de fora.
As críticas do Canadá destacaram a atual repressão da Arábia Saudita contra dissidentes, incluindo um grupo de proeminentes ativistas que fizeram campanha para suspender a proibição de mulheres serem motoristas e outros direitos.
Os promotores sauditas acusaram algumas das mulheres de terem contato suspeito com grupos estrangeiros não identificados. Grupos de defesa dos direitos humanos especularam que o objetivo da campanha é enviar uma mensagem de que a liderança saudita não tolerará qualquer indício de ativismo político.
Mudança de enfoque
A troca de acusações destacou a política externa cada vez mais assertiva da Arábia Saudita sob o príncipe herdeiro Mohammed. Apesar de ter sido elogiado por “sacudir” o reino, tentando diversificar sua economia e aliviar algumas restrições sociais, ele também ajudou a colocar a Arábia Saudita em conflitos estrangeiros - incluindo uma guerra civil no Iêmen e uma rivalidade com o vizinho Catar - que o reino tem dificuldades para sair.
O país tem dito que sua intervenção no Iêmen é necessária, depois que um grupo rebelde aliado ao Irã, rival regional da Arábia Saudita, derrubou o governo iemenita. Em um episódio intrigante em novembro, as autoridades sauditas detiveram o primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, e obrigaram-no a renunciar ao cargo (mais tarde, ele recuperou a posição).
Segundo Fawaz Gerges, professor de política do Oriente Médio na London School of Economics:
Temos visto, há algum tempo, que a política externa saudita tornou-se mais assertiva e enérgica.
Vários países da Europa sentiram as consequências da nova assertividade da Arábia Saudita nos últimos anos. Entre eles, estão a Suécia e a Alemanha. Em 2015, o reino retirou temporariamente seu embaixador na Suécia depois que esta destacou a prisão e o julgamento do escritor Raif Badawi como um exemplo de fracasso em relação aos direitos humanos.
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Na Alemanha, o então ministro das Relações Exteriores Sigmar Gabriel disse que a Europa "não poderia tolerar o aventureirismo que se espalhou por lá", em declarações que foram amplamente interpretadas como críticas à intervenção militar da Arábia Saudita no Iêmen.
A Arábia Saudita criticou Gabriel por aquilo que considerou "observações vergonhosas e injustificadas", e depois convocou o seu embaixador, no mesmo padrão que se desenrolou na Suécia. No começo do ano, funcionários alemães confirmaram para vários meios de comunicação que a Arábia Saudita, discretamente, colocou empresas alemãs em listas negras como resultado das críticas em um raro caso de retaliação econômica.
"Está se tornando um padrão. Nos últimos três anos, a liderança saudita está se tornando mais imprevisível, mais volátil", disse Kristian Ulrichsen, membro do centro de estudos sobre o Oriente Médio do Rice University's Baker Institute.
A decisão saudita de enfrentar o Canadá tem lógica, disse Ulrichsen. "Ele envia uma mensagem para outros que pensam em criticá-la, como vários países europeus têm feito em relação ao Iêmen", disse.
Enfrentamento
Mais duas ativistas foram presas na semana passada, segundo a Human Rights Watch. Uma das mulheres, Nassima al-Sadah, disputou eleições locais e fez campanha pela abolição das chamadas leis de tutela, que exigem que as mulheres busquem a aprovação de um parente do sexo masculino para viajar ou se casar.
A outra, Samar Badawi, recebeu o Prêmio Internacional Mulheres de Coragem da Secretaria de Estado dos EUA e é a irmã do blogueiro dissidente Raif Badawi. Este foi condenado a mil chicotadas e 10 anos de prisão na Arábia Saudita por "insultar o Islã por meio de canais eletrônicos". A esposa, Ensaf Haidar, e os três filhos se tornaram cidadãos canadenses no Dia do Canadá, no mês passado, e vivem em Quebec.
Impactos
A Arábia Saudita é o segundo maior mercado de exportação do Canadá na região do Golfo Pérsico. As exportações canadenses para o reino superaram US$ 1,07 bilhão em 2017, segundo dados do Statistics Canada. São principalmente de veículos e equipamentos militares, fruto de uma parceria firmada entre os dois países em 2014.
O acordo firmado pelo então primeiro-ministro Stephen Harper foi duramente criticado por grupos de direitos civis, que o classificaram como pouco transparente. Eles levantaram preocupações de que as armas seriam usadas para cometer abusos dos direitos humanos.
Justin Trudeau, o sucessor de Harper, aprovou o acordo em 2016, quando seu governo começou a emitir as licenças de exportação, argumentando que ele não tinha opção a não ser respeitar os contratos assinados pelo governo anterior.
Freeland disse, em fevereiro, que a investigação de seu departamento sobre relatos de que a Arábia Saudita usaria armas fabricadas no Canadá para cometer violações de direitos humanos não revelou evidência conclusiva para apoiar essas alegações.
Em uma entrevista coletiva na segunda-feira em Vancouver, Freeland disse que os diplomatas do Canadá formularam "perguntas padrão" a seus colegas sauditas e estão "esperando por respostas sobre como a Arábia Saudita pretende seguir adiante com o relacionamento entre os dois países".
A ministra disse que sua mensagem aos estudantes sauditas é que eles são bem-vindos no Canadá e que "seria uma pena se eles fossem privados de tal oportunidade".
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