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Do dia 8 de dezembro de 1965, há exatos 40 anos, a Igreja Católica estava em festa. Os trabalhos do Concílio Vaticano II tinham terminado no dia anterior, com a aprovação de quatro documentos. Ao fim da cerimônia que encerrou formalmente o concílio, o Papa Paulo VI (foto à direita) desceu do trono e deixou a tiara papal sobre o altar da Basílica de São Pedro. Nunca mais um pontífice usou a coroa de três camadas. O professor Mário Betiato, do curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica (PUCPR), classifica o gesto como "profético": "O Papa deixa de ser rei. Só Cristo é rei, o Papa é pastor."

Enquanto isso, dois artistas romanos terminavam a decoração de uma igreja dedicada a São Francisco de Assis. Um mural trazia, além do santo, figuras como Fidel Castro, Mao Tsé-Tung, Sophia Loren e Jacqueline Kennedy. Era esse o "aggiornamento" que João XXIII (também ele presente na pintura) pretendia para a barca de Pedro?

"Fizeram de Cristo um guerrilheiro, militante, um Che Guevara. Esse não era o Cristo do Vaticano II, mas um Cristo que criaram abusando do Vaticano II", diz o teólogo sobre os períodos de maior efervescência política na Igreja, na década de 80 – resultado da infiltração de idéias marxistas, segundo o professor Carlo Pioppi, da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma. Betiato, da PUCPR, compara estes católicos aos zelotes, grupo de judeus da época de Jesus que esperava um Messias que libertasse Israel dos romanos. "Como eles viram que a libertação de Cristo era outra, pediram para crucificá-lo dias depois de aclamá-lo. Da mesma forma, muito militante católico ligado à Teologia da Libertação acabou deixando a Igreja", descreve.

Fuga

A constituição Gaudium et Spes, último documento aprovado no Vaticano II, determinava: "a missão própria confiada por Cristo à sua Igreja não é de ordem política, econômica ou social: o fim que lhe propôs é, com efeito, de ordem religiosa", acrescentando que dessa dimensão deriva a atuação social da Igreja. Mas, para Betiato, o concílio apostou demais na missão política e esqueceu a espiritualidade. Como resultado, os católicos fugiram. "A Igreja fez a opção preferencial pelos pobres, e os pobres fizeram a opção preferencial pelos evangélicos", dispara. Os neo-pentecostais, argumenta Betiato, souberam capturar a alma das pessoas, que buscam na religião a solução para os problemas existenciais, e não políticos. "O teólogo Karl Rahner, que esteve no concílio, disse que a Igreja do século 21 ou será mística ou poderá acabar. Mas não sei se ela conseguirá trazer a mística de volta rapidamente", estima.

Outro fator que contribuiu para o êxodo dos católicos, para Betiato, é a contestação à moral sexual da Igreja. Em 1968, três anos depois do fim do concílio, Paulo VI assinou a encíclica Humanae Vitae, que condenava a contracepção artificial. "Esse tipo de dissidência vem de um fato mais psicológico ou sociológico que doutrinário: o voluntarismo individualista da sociedade ocidental das últimas décadas. O ego é colocado acima de tudo: eu quero, portanto eu tenho o direito. É o domínio do desejo", define dom José de Aquino Pereira, bispo emérito de São José do Rio Preto (SP).

Bispos e teólogos acreditam que a contestação aos ensinamentos da Igreja aumentou depois do Vaticano II, mas não culpam o concílio. "A crise instalou-se no pós-guerra. Seu reflexo viria com ou sem concílio", diz Betiato. Pioppi lembra que a rebeldia era um fenômeno global na década de 60. "A dissidência sempre esteve presente na Igreja. Como seria possível que ela não sentisse as grandes mudanças do mundo?", questiona o cardeal Serafim Fernandes de Araújo, de Belo Horizonte.

O sacerdócio também entrou em crise, constata Pioppi. "Desde o Vaticano II, o valor ontológico de todos os batizados é o mesmo. Antes, o sacramento da Ordem dava valor ontológico, para as famílias era uma bênção ter um filho padre", explica Betiato, para quem os problemas da mudança de paradigma arrastou tanto o melhor quanto o pior da Igreja pré-conciliar.

No entanto, o professor da PUCPR acredita que a crise não é de todo má. "A origem grega da palavra significa purificação, e houve outras situações semelhantes das quais a Igreja emergiu com força. Em uma crise, ou se foge, ou se administra, ou se enfrenta. O que vai determinar o futuro da Igreja é qual das escolhas ela fará", diz.

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