A política de separação de famílias imigrantes da administração Donald Trump causou revolta nos Estados Unidos e muitas críticas da imprensa internacional. Mas como bem lembrou o jornal Washington Post em editorial publicado nesta terça-feira (25), esta medida, que o governo americano foi forçado a abandonar, não chega nem perto do que vem ocorrendo no oeste da China. Na província de Xinjiang, milhares de menores das minorias étnicas uigur e kazakh estão sendo separados involuntariamente de suas famílias e enviados para orfanatos e internatos, onde são ensinados a abandonar suas línguas nativas e a fé muçulmana para adotarem o mandarim e o culto ao Partido Comunista.
Uma reportagem da Associated Press, publicada na semana passada, revelou que o governo chinês está construindo milhares do que chama de “escolas bilíngues”, onde crianças de minorias aprendem a falar mandarim e são punidas se conversarem em sua línguas nativas. Algumas destas escolas são internatos, que, segundo relatos de uigures, são obrigatórios para menores a partir de 5 anos. A China nega a existências de campos de reeducação e afirma que os orfanatos servem para ajudar crianças desamparadas, mas os uigures temem que o governo esteja usando isso para eliminar a identidade étnica das minorias do país. Segundo a reportagem, o governo chinês tem um orçamento de US$ 30 milhões para construir e expandir orfanatos neste ano.
“A administração Trump foi forçada a encerrar suas separações de famílias migrantes por processos e intensa publicidade. Mas não há um Estado de Direito em Xinjiang, e o regime fez o possível para reprimir a divulgação de sua repressão”, afirma o editorial do Washington Post.
Orfanatos e campos de reeducação para as minorias somam-se a outras barbaridades empregadas pelo governo chinês, como a censura e o projeto de vigilância dos cidadãos. Com o país em franca expansão comercial, o líder Xi Jinping quer consolidar a posição do país no centro de uma nova ordem econômica mundial que abrange mais da metade do globo, mas seu modelo de governo pode ser uma má influência para o resto do mundo. Selecionamos cinco textos que explicam por quê.
O governo da China tem intensificado a repressão às congregações cristãs da capital, Pequim, e de outras províncias do país. Os atos consistem em destruir cruzes, queimar Bíblias e fechar igrejas . Os fiéis são obrigados também a assinar documentos renunciando sua crença. O objetivo das ações é garantir a lealdade do povo chinês ao partido comunista, que é ateu, eliminando qualquer obstáculo a seu poder sobre a vida das pessoas. Pelas leis do país, celebrações religiosas apenas podem ser realizadas em congregações registradas junto às autoridades. Milhões de fiéis, entretanto, frequentam igrejas “clandestinas” ou cultos domésticos.
Um volume imenso da população uigur em Xinjiang, região oeste do país – bem como cazaques, quirguizes e outras minorias – está sendo detido para se submeter ao que o Estado chama de “transformação por meio da educação”. Milhares deles foram trancafiados em campos cercados de arame farpado, com superfícies antibomba, portas reforçadas e salas vigiadas, onde ficam por semanas ou meses, no que os críticos descrevem como uma lavagem cerebral, normalmente sem acusações criminais. Embora limitado à região de Xinjiang, este é o programa de internação mais abrangente do país desde a era Mao (1949-76).
Com milhões de câmeras e bilhões de linhas de código, a China está construindo um futuro autoritário de alta tecnologia. Pequim vem adotando tecnologias como reconhecimento facial e inteligência artificial para identificar e rastrear 1,4 bilhão de pessoas. O governo espera montar um sistema de vigilância nacional vasto e sem precedentes, com a ajuda crucial de sua próspera indústria de tecnologia.
Em algumas cidades, os planos começam a se tornar realidade: câmeras vasculham estações de trem atrás dos mais procurados do país, telas do tamanho de outdoors mostram os rostos dos pedestres imprudentes e listas de nomes de pessoas que não conseguem pagar suas dívidas. Esses esforços complementam outros sistemas que rastreiam o uso da internet e as comunicações, estadias em hotéis, viagens de trem e de avião e até mesmo as de carro em alguns lugares.
Há anos a ditadura chinesa exerce controle digital, com um sistema de filtros conhecido como o Grande Firewall, que permite às autoridades limitarem o que as pessoas veem online. Enquanto Xi Jinping reforça seu poder – em março deste ano, conseguiu que o parlamento chinês acabasse com limite para mandato de presidente – e intensifica a participação de seu país no cenário internacional, a China se sente mais confortável em adotar uma internet rigidamente controlada. As redes sociais mais conhecidas no mundo ocidental são proibidas por lá: na década passada, a China bloqueou o Google, o Facebook, o Twitter e o Instagram, assim como milhares de outros sites estrangeiros. Vários sites e plataformas surgiram no país, oferecendo as mesmas funções, mas seguindo a cartilha do governo chinês.
Pequim já se sentia satisfeita em bloquear o conteúdo de empresas estrangeiras de internet e em policiar as alternativas internas que surgiram para ocupar o lugar vago, mas agora está pressionando indivíduos ou solicitando que empresas cooperem com seus esforços de censura online. E parece que até a maior empresa de tecnologia do mundo vai entrar nessa. Com um plano chamado Dragonfly, a Google está testando uma versão censurada de seu mecanismo de busca para o mercado chinês. Embora esteja longe de lançar um site de busca na China, altos executivos da empresa defendem a exploração deste mercado. Em 2010, a Google saiu do país justamente por causa da censura imposta pelo governo.
Além de suas fronteiras, a China está construindo um império no século 21, no qual o comércio e os empréstimos pavimentam o caminho. Nessa onda, países –em geral, pobres – se aproveitam da promessa de projetos financiados pela China para melhorarem suas infraestruturas. Mas à medida que alguns vacilam e o custo do financiamento chinês aumenta, os supostos beneficiários começam a questionar o preço a pagar no longo prazo. Na Malásia, um dos maiores beneficiários do investimento chinês no Sudeste Asiático, o primeiro-ministro Mahathir Mohamad está retrocedendo. Expressando preocupações sobre as condições dos empréstimos e o uso de mão-de-obra chinesa que limitam os benefícios para a economia local, colocou bilhões de dólares em projetos ferroviários e de dutos em compasso de espera. O novo líder do país comparou os empréstimos chineses a uma nova versão do colonialismo, “porque os países pobres são incapazes de competir com os países ricos”.