No país mais populoso do mundo e onde surgiu a Covid-19, apenas 4.636 pessoas morreram da doença; para efeito de comparação, o Paraná acumula 40.667 mortes desde o início da pandemia.
Destas 4.636 mortes, 4.632 ocorreram até abril de 2020. Desde então, apenas mais quatro óbitos foram registrados, metade deles em 2021 inteiro. Pouco mais de 100 mil chineses tiveram Covid-19 desde que os primeiros casos foram registrados em Wuhan, enquanto o Paraná, com uma população mais de 120 vezes menor, já soma quase 1,6 milhão de infectados.
Parece inacreditável, mas estes são os dados oficiais da Covid-19 na China divulgados pelo governo do país – naturalmente, nenhum pesquisador sério considera que traduzam a realidade.
Em artigo publicado no fim de semana no site da revista Forbes, o pesquisador George Calhoun, do Instituto de Tecnologia Stevens, dos Estados Unidos, apontou que o índice de mortes por Covid-19 na China a cada 100 mil habitantes é “uma impossibilidade estatística, médica, biológica, política e econômica”.
As estatísticas oficiais da ditadura chinesa indicam 0,321 óbito pela doença a cada 100 mil pessoas desde o início da pandemia, enquanto nos Estados Unidos o índice é de 248 por 100 mil habitantes – quase 800 vezes maior.
Situações de subnotificação são comuns em momentos de epidemias e pandemias, e mesmo nos Estados Unidos a revista The Economist estimou que 30% das mortes por Covid-19 não entram nas estatísticas. Mas o caso chinês aparenta ser uma política de Estado.
Com base no mesmo modelo, que leva em conta fatores como demografia e alterações bruscas nas curvas de mortalidade (que permitem ter uma ideia melhor do número real de mortes pela Covid-19 em países onde a testagem é baixa), a Economist calculou que a taxa de mortalidade pela doença é subestimada em 17.000% na China e que o verdadeiro número de mortes pelo coronavírus no país estaria em torno de 1,7 milhão, mais que o dobro dos Estados Unidos, país que acumula o maior número oficial de óbitos em decorrência da Covid-19 (aproximadamente 825 mil).
A China alega que seus inacreditáveis índices durante a pandemia são resultado da sua política agressiva de Covid zero, que impõe severos lockdowns quando são verificados surtos da doença. O mais recente foi aplicado na cidade de Xian e é o maior desde o ocorrido em Wuhan no início de 2020: desde dezembro, mais de 13 milhões de pessoas estão confinadas em suas casas e há relatos de falta de comida e outros itens de primeira necessidade.
A ditadura chinesa aponta que essa política fez com que 97% das mortes por Covid-19 na China ficassem restritas a Hubei, província da qual Wuhan é capital.
No fim de semana, Li Yang, ex-cônsul geral da China no Rio de Janeiro e atualmente conselheiro do Departamento de Informação do Ministério das Relações Exteriores chinês, alfinetou o governo dos Estados Unidos ao retweetar uma mensagem de um partido de extrema esquerda americano que apontava que 415 mil pessoas morreram de Covid-19 nos EUA e apenas duas na China em 2021: “Os políticos americanos acreditam firmemente que devem se preocupar com o alegado problema dos direitos humanos na China!”.
Porém, um artigo de 2020, da revista Nature, já colocava em xeque o argumento da eficácia do isolamento de Wuhan, ao sugerir que, quando teve início o bloqueio da cidade, em 23 de janeiro daquele ano, a doença já se disseminava pelo país, devido à movimentação tradicional que ocorre na época do Ano Novo Chinês.
Na China, muitas pessoas viajam no período Chunyun, que dura cerca de 40 dias – apenas em 2019, foram quase 3 bilhões de viagens individuais. Em 2020, esse período durou de 10 de janeiro a 18 de fevereiro, coincidindo com a fase inicial da pandemia.
O primeiro caso de Covid-19 fora de Wuhan foi registrado em 17 de janeiro. No final de março, mais de 90% das cidades da China continental haviam registrado casos da doença, segundo a Nature, com a maioria das prefeituras confirmando os primeiros registros entre 23 e 26 de janeiro.
Calhoun argumentou que a China já é conhecida pela baixa confiabilidade dos seus dados econômicos e que se recusa a colaborar com investigações sobre as origens do Sars-CoV-2 – dessa forma, a subnotificação de mortes pela Covid-19, apesar de absurda, já seria algo esperado.
“Parece claro que, por volta de abril de 2020, Pequim decidiu parar de relatar a maioria das estatísticas relacionadas à Covid. A destruição, alteração ou supressão desses dados vitais é um problema não apenas para a China e seus cidadãos, mas para todo o mundo. Isso distorce nossa compreensão da Covid e da melhor maneira de responder a ela. Alimenta ansiedades geopolíticas. Acarreta graves consequências econômicas que só agora começam a aparecer”, lamentou o pesquisador.