Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Segurança

A China está virando um imenso Big Brother para poder controlar sua população

Monitor mostra um vídeo em que um sistema de reconhecimento facial é aplicado | GILLES SABRIE/NYT
Monitor mostra um vídeo em que um sistema de reconhecimento facial é aplicado (Foto: GILLES SABRIE/NYT)

Na cidade chinesa de Zhengzhou, um policial usando óculos de reconhecimento facial avistou um contrabandista de heroína em uma estação de trem.

 Em Qingdao, uma cidade famosa por sua herança colonial alemã, câmeras alimentadas por inteligência artificial ajudaram a polícia a capturar duas dúzias de suspeitos de crimes em meio de um grande festival anual de cerveja. 

 Em Wuhu, um suspeito de assassinato foi identificado por uma câmera enquanto comprava comida de um vendedor de rua. 

Nossas convicções: ï»¿Os limites da ação do Estado

 Com milhões de câmeras e bilhões de linhas de código, a China está construindo um futuro autoritário de alta tecnologia. Pequim vem adotando tecnologias como reconhecimento facial e inteligência artificial para identificar e rastrear 1,4 bilhão de pessoas. O governo espera montar um sistema de vigilância nacional vasto e sem precedentes, com a ajuda crucial de sua próspera indústria de tecnologia. 

 "No passado, trabalhávamos com o instinto", diz Shan Jun, vice-chefe da polícia na estação ferroviária de Zhengzhou, onde o contrabandista de heroína foi capturado. "Se você não visse alguma coisa, perdia tudo." 

 Mais tecnologia, mais controle

O país está conseguindo reverter a visão mais comum da tecnologia como um grande incentivador da democracia, que traz mais liberdade e conecta as pessoas ao mundo. Na China, ela significa controle. 

 Em algumas cidades, as câmeras vasculham estações de trem atrás dos mais procurados do país. Telas do tamanho de outdoors mostram os rostos dos pedestres imprudentes e listas de nomes de pessoas que não conseguem pagar suas dívidas. Os leitores de reconhecimento facial protegem as entradas dos conjuntos residenciais. A China já tem cerca de 200 milhões de câmeras de segurança – quatro vezes mais do que os Estados Unidos. 

 Esses esforços complementam outros sistemas que rastreiam o uso da internet e as comunicações, estadias em hotéis, viagens de trem e de avião e até mesmo as de carro em alguns lugares. 

 Mesmo assim, as ambições chinesas superam suas habilidades. A tecnologia usada em uma estação de trem ou em uma faixa de pedestres pode não existir em outra cidade, ou mesmo no quarteirão seguinte. Ineficiências burocráticas impedem a criação de uma rede nacional. 

 Para o Partido Comunista, isso pode não ter importância. Longe de esconder seus esforços, as autoridades normalmente reafirmam e exageram suas capacidades. Na China, até mesmo a suposição de vigilância pode manter o povo na linha. 

 Alguns lugares estão mais avançados do que outros. Um software invasivo de vigilância em massa foi criado no Oeste do país para rastrear membros da minoria muçulmana uigur e mapear suas relações com amigos e familiares, segundo uma análise do New York Times.   

"Isso tem o potencial de ser uma maneira totalmente nova de o governo gerenciar a economia e a sociedade", afirma Martin Chorzempa, membro do Instituto Peterson de Economia Internacional. 

 "O objetivo é uma administração algorítmica", diz ele. 

 Nova estratégia

A nova estratégia de vigilância da China é baseada em uma ideia antiga: somente uma autoridade forte pode trazer ordem a um país turbulento. Mao Tsé-Tung levou essa filosofia a fins devastadores, quando seu governo autoritário provocou fome e depois a Revolução Cultural (1966-76). 

 Seus sucessores também desejavam a ordem, mas temiam as consequências de um governo totalitário. Eles conseguiram se entender de uma maneira diferente com o povo chinês. Em troca da impotência política, os chineses seriam deixados em paz e poderiam ficar ricos. 

 A estratégia funcionou. A censura e os poderes policiais continuaram fortes, mas o povo tem mais liberdade. Essa nova atitude ajudou a inaugurar décadas de um crescimento econômico vertiginoso. 

 Hoje, esse acordo informal está se desintegrando. A economia da China não está crescendo no mesmo ritmo. O país sofre de uma desigualdade severa. Depois de quatro décadas de salários mais gordos e melhores condições de vida, as pessoas hoje têm mais expectativas. 

 O principal líder chinês, Xi Jinping, está se mexendo para consolidar seu poder. Mudanças na lei do país vão permitir que ele governe por mais tempo do que qualquer outro líder desde Mao. Mas a ampla repressão à corrupção que Xi empreendeu é capaz de lhe render muitos inimigos. 

 Para se fortalecer, ele retornou às crenças em voga na era Mao sobre a importância do culto à personalidade e o papel do Partido Comunista na vida cotidiana. A tecnologia lhe dá o poder para fazer isso. 

 "A reforma e a abertura já fracassaram, mas ninguém se atreve a dizer", explica o historiador chinês Zhang Lifan, citando a política de quatro décadas da China pós-Mao:

O sistema atual criou uma segregação social e econômica grave. Agora, os governantes usam o dinheiro dos contribuintes para monitorar os próprios contribuintes.

Grande modernização 

Xi vem comandando uma grande modernização do estado de vigilância chinês. A China se tornou o maior mercado mundial de tecnologia de segurança, com analistas estimando que o país terá quase 300 milhões de câmeras instaladas até 2020. Os consumidores chineses comprarão mais de três quartos de todos os servidores projetados para escanear imagens de rostos, prevê a empresa de pesquisa IHS Markit. A polícia da China gastará mais US$ 30 bilhões nos próximos anos com tecnologia de investigação, de acordo com um especialista citado na mídia estatal. 

 Contratos do governo vêm alimentando a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias que rastreiam rostos, roupas e até mesmo a maneira de andar de uma pessoa. Aparelhos experimentais, como óculos de reconhecimento facial, também já começaram a ser usados. 

 As startups muitas vezes fazem questão de insistir que seus funcionários usem sua tecnologia. Em Xangai, uma empresa chamada Yitu levou essa ideia ao extremo. 

 Os salões de seus escritórios estão cheios de câmeras que analisam os rostos. Da mesa para a sala de descanso, os caminhos dos funcionários são rastreados em uma tela de televisão com linhas pontilhadas azuis. 

 Como o país gasta muito com vigilância, uma nova geração de startups vem surgindo para atender à demanda. 

 Empresas chinesas estão desenvolvendo aplicativos mundialmente competitivos de reconhecimento de imagem e voz. Em 2017, a Yitu ficou em primeiro lugar em um concurso aberto de algoritmos de reconhecimento facial organizado pelo Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional do governo dos Estados Unidos. Várias outras empresas chinesas também se saíram bem na competição. 

 Entre o governo e investidores ansiosos, as startups de vigilância têm acesso a muito dinheiro e a outros recursos. Em maio, a empresa de inteligência artificial SenseTime conseguiu US$620 milhões, o que fez com que fosse avaliada em cerca de US$ 4,5 bilhões. A Yitu levantou US$ 200 milhões em junho. Outra rival, a Megvii, recebeu US$ 460 milhões de investidores que incluem um fundo criado pela alta liderança da China e apoiado pelo Estado. 

Muitos desafios pela frente

 Para que a tecnologia seja eficaz, ela não precisa funcionar sempre. Por exemplo, os óculos de reconhecimento facial. Recentemente, a polícia da cidade central da China de Zhengzhou mostrou seus óculos em uma estação de trens de alta velocidade para a mídia estatal e outros veículos. Eles tiraram fotos de uma policial olhando por trás das lentes sombreadas. 

 Os óculos, porém, funcionam apenas se o alvo ficar parado por vários segundos. Eles têm sido mais usados para verificar identificações falsas dos viajantes. 

 O banco nacional de dados de indivíduos que a China sinalizou para vigiar – que inclui suspeitos de terrorismo, criminosos, traficantes, ativistas políticos e outros – possui de 20 a 30 milhões de pessoas, segundo um executivo de tecnologia que trabalha próximo ao governo. “É gente demais para a tecnologia de reconhecimento facial de hoje analisar”, diz ele, que pediu para não ser identificado,

 O sistema continua sendo mais uma colcha de retalhos digital do que uma rede tecnológica que tudo vê. Muitos arquivos ainda não são digitalizados e outros estão em planilhas incompatíveis, algo que não pode ser facilmente resolvido. Os sistemas, que a polícia espera que um dia sejam alimentados pela inteligência artificial, são atualmente dirigidos por equipes de pessoas que selecionam fotos e dados da maneira antiga. 

Ampla campanha

 Ainda assim, as autoridades chinesas, que em geral não falam nada sobre segurança, embarcaram em uma campanha para convencer as pessoas do país que um estado de segurança de alta tecnologia já está em vigor. 

As pessoas que fazem propaganda na China gostam de histórias nas quais o policial usa reconhecimento facial para identificar criminosos procurados em eventos. Um artigo no Diário do Povo, o jornal oficial do Partido Comunista, relatou uma série de prisões feitas com ajuda do reconhecimento facial em concertos da estrela do pop Jackie Cheung. A reportagem fazia referência a algumas das letras do cantor: "Você é uma rede ilimitada de amor que me prendeu com facilidade". 

 Em vários lugares, a estratégia vem funcionando. "A questão é que as pessoas não sabem se estão sendo monitoradas, e essa incerteza faz com que sejam mais obedientes", afirma Chorzempa, o pesquisador do Instituto Paterson. 

 

The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times. 

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.