A família de Eissa Ali deixou Raqqa, que foi a capital do território do Estado Islâmico por mais de três anos, depois que ele foi detido e espancado por jihadistas por jogar cartas.
Agora que as bombas pararam de cair e o grupo militante conhecido como EI se foi, eles chegaram em casa e viram que os dois últimos andares de sua residência não existiam mais. A maior parte do bairro havia desaparecido, destruída por ataques aéreos. Eles remendaram buracos nas paredes, limparam os escombros e voltaram para lá.
As pessoas estão tentando voltar às suas vidas. Todos ainda estão em estado de choque, tentando dar sentido à destruição. Os residentes ficaram contentes com o desaparecimento dos jihadistas. Mas não há dinheiro suficiente para reconstruir o local. Eles se perguntavam se havia necessidade de a coalizão liderada pelos EUA ter destruído a cidade. E não se sabe ao certo o que seria preciso para fechar as feridas deixadas pelo EI.
Destruição quase total
Mais de três mil edifícios foram destruídos e centenas de civis mortos depois que a coalizão jogou milhares de bombas na cidade para fazer o EI recuar. Tudo isso é parte de uma guerra civil muito maior na Síria, que dura mais de sete anos e já matou centenas de milhares de pessoas.
Visitamos a Praça Paradise, que costumava ser um próspero centro comercial. O local ficou famoso em 2014 quando o EI anunciou seu califado e espalhou imagens de seus combatentes comemorando com um desfile militar. Antes, ela era cheia de lojas e cafés. Já o grupo a usou para realizar execuções. Os prisioneiros eram decapitados na rua, suas cabeças empaladas em uma cerca de metal e seus corpos despejados na calçada logo abaixo.
Yasser Hamadihad, de sua lanchonete na praça, tinha um desagradável lugar na primeira fila do espetáculo de brutalidade. Agora, sua loja reabriu, mas o movimento está lento. Aqueles que voltaram têm pouco dinheiro para gastar.
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Mohammed Ali, que tem uma barbearia, foi pego fumando e por isso detido durante três dias e espancado. Proibiram-no de aparar barbas ou raspar as laterais do cabelo. Atualmente, o corte mais popular para as crianças é raspado nas laterais com listras marcadas.
Muitas pessoas voltaram, preferindo suas casas danificadas aos campos de refugiados. Mas há pouca ajuda externa para reconstrução.
À medida que as pessoas escavam os escombros, vão encontrando novos horrores. Abdul-Rahman Abdul-Kareem consegue sentir o terrível cheiro de um corpo em decomposição nos escombros da casa vizinha. Ele não sabe de quem é o corpo e não tem meios para desenterrá-lo.
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Um estádio de futebol todo destruído foi onde o EI fez sua última parada na cidade. O porão ainda tem as celas onde os prisioneiros eram mantidos. Agora é um lugar assustadoramente silencioso. Na parede de uma delas havia 47 X riscados na parede, provavelmente alguém contando seus dias na cadeia.
No acostamento de uma estrada principal, vimos os restos de cinco corpos sendo exumados de uma vala coletiva. Teriam sido mortos pelo EI? Pelas bombas americanas? Ninguém sabia.
Medo contínuo
O medo perdura. A cidade está sendo dirigida por um conselho local sob a proteção de forças curdas, apoiadas pelos Estados Unidos. Mas por quanto tempo? O governo sírio voltará? Ou os jihadistas?
As crianças não precisam mais usar as roupas conservadoras que eram obrigadas a vestir sob o domínio do EI. Mas Khilfa Shawa me disse que as tinha guardado, por precaução. Muitas crianças não vão à escola há muito tempo.
Alguns meninos ganharam armas de plástico de presente de Natal e imitavam o que tinham visto os adultos fazer. Um deles prometeu que libertaria o bairro. Quando lhe perguntei de quem eles o estavam libertando, ou por quem, eles responderam que não sabiam.
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"Agradecemos à coalizão por acabar com o EI. Mas nos perguntamos se o grupo se escondia atrás de todas as paredes da cidade. Precisava de tanta destruição assim?", refletiu Abdul-Kareem.
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