Há pouco espaço para otimismo quanto à situação dos imigrantes na Europa. Os planos de reestruturação do mercado de trabalho a partir de uma Europa ampliada e das metas de competitividade são muito anteriores à atual crise econômica. Esta serve de acelerador dos processos, facilitando a conexão entre crise e desemprego e construindo a imagem do imigrante como inimigo do povo europeu. Uma série de diretivas europeias vem sendo aprovada com o objetivo de "limpar" a Europa, criando mecanismos de seletividade de entrada e de permanência dedicados a garantir direitos aos "imigrantes qualificados" e mecanismos de devolução, detenção e expulsão de pessoas inaptas ao projeto europeu.
O continente abandona o tradicional discurso dos direitos humanos substituindo-o por políticas de repressão aos irregulares. As recentes eleições europeias confirmaram o que já se desenhava: a direita e a extrema-direita foram as grandes vencedoras. Em termos gerais, a esquerda obteve míseros 5% dos votos no continente, obtendo apenas 33 cadeiras entre as 736 em disputa. No centro político, os partidos social-democratas mereceram 23% dos votos (161 cadeiras) e os ecologistas 7% do total (52 cadeiras).
Já a direita (Grupo Popular) amealhou sozinha 33% dos votos (263 cadeiras) que, somados àqueles obtidos pela extrema direita (3%) e pela direita liberal (11%), desenham um Parlamento Europeu claramente à direita.
Para esse resultado, o tema "imigração" contribuiu consideravelmente, citado como mote de campanha entre as formas de combate ao desemprego. Um partido checo de extrema direita, aproveitando-se da mídia gratuita na televisão estatal durante a campanha, emitiu um anúncio publicitário promovendo uma "solução final" para o povo cigano e para outros imigrantes.
Na Itália, o Parlamento aprovou políticas duras contra a imigração, criminalizando as estâncias clandestinas, autorizando a existência de grupos de patrulhas e vigilância formados por cidadãos, o que estimula a caça aos imigrantes. Apesar do undécimo escândalo envolvendo Berlusconi, a extrema direita obteve mais de 10% dos votos e a direita obteve 35%. Juntas, conseguiram 43 cadeiras, os partidos de centro obtiveram 28 cadeiras e a esquerda não elegeu nenhum deputado.
Na França, a "circular Besson" criou a figura da delação premiada e a polícia está mobilizada para descobrir redes de ilegalidade. Paris se converte em cidade vigiada, com forças policiais visitando escolas, praças públicas, transporte público, centros de lazer à caça de "ilegais" levados a centros de detenção onde prepondera a inumanidade. Nas eleições francesas, a direita obteve 47 das 72 cadeiras. A esquerda elegeu apenas 4 deputados e o centro dividirá de modo igual as cadeiras restantes.
De acordo com recente relatório da Anistia Internacional, imperam na Europa práticas sistemáticas de violações associadas à interceptação, detenção e expulsão de negros e latinos, inclusive de pessoas que buscavam proteção internacional.
O recente caso dos imigrantes que permaneceram em alto-mar durante quatro dias entre Itália e Malta enquanto se discutia de quem seria a jurisdição e a lamentável decisão de enviá-los à Líbia dá uma ideia de que algo muito perigoso anima a Europa pós-crise. O nazismo foi fruto da crise de 1929, assim como o resultado eleitoral à direita decorre da crise de 2008. Quem é valente o sufi-ciente para não confessar certo frio na espinha?
* Carol Proner é professora de Direito Internacional e Direitos Humanos da UniBrasil; Wilson Ramos Filho é professor de Direitos Humanos, Interculturalidade e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha.