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Manifestantes protestam em Buenos Aires contra a situação econômica do país. Foto: AFP
Manifestantes protestam em Buenos Aires contra a situação econômica do país. Foto: AFP| Foto:

Dificilmente a direita vai alcançar a hegemonia que a esquerda tinha há alguns anos na América do Sul, apesar da onda direitista que vem transformando a geopolítica regional desde a eleição de Maurício Macri, na Argentina, em 2015, e mais fortemente no ano passado, após as eleições de Ivan Duque, na Colômbia, e Jair Bolsonaro, no Brasil.

Sinais desta mudança de posicionamento político são facilmente observados no tratamento mais hostil que vem sendo empregado à Venezuela desde o início deste ano e na criação do Prosul (Foro para o Progresso e Desenvolvimento do Sul), que enterrou de vez a Unasul (União das Nações Sul-americanas) fundada pelo ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva e outros líderes regionais de esquerda em 2008. O crescimento da direita na América do Sul, porém, deve parar ou, pelo menos, desacelerar.

Considerando as eleições que ocorrerão em outubro na região, as perspectivas não são positivas para a ala direitista. O Uruguai tende a manter-se sob o comando do Frente Amplio, partido de esquerda do presidente Tabaré Vázquez e do ex-presidente José Mujica. Na Bolívia, as questões sobre a legitimidade de um quarto mandato de Evo Morales, que poderiam dar um fôlego para a oposição, não serão suficientes para barrar sua reeleição. E na Argentina, a crise econômica tornou a vida de Macri tão difícil que os peronistas têm chances de voltar ao poder. E a questão vai além disso.

Os governos de direita na América do Sul são muito diferentes entre si. Macri e Sebastián Piñera, do Chile, têm um perfil diferente de Bolsonaro, que se vende como antipolítico e está mais preocupado com questões ideológicas e comportamentais, ao passo que seus dois colegas são mais moderados neste sentido, como exemplifica Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV. “Não existe a mesma união entre os governos que existia durante o auge da esquerda na América do Sul”, salienta.

O fator econômico também tem um grande peso. Enquanto a esquerda surfou na boa fase da economia regional e mundial, os governos de direita sofrem para contornar crises – e o exemplo mais evidente é o de Macri, que apelou para o congelamento de preços para controlar a inflação galopante do país.

“Lula beneficiou-se de um alto crescimento econômico em função do preço das commodities e os partidos de esquerda de outros países podiam dizer: ‘olha, se eu for eleito, vou fazer a mesma coisa que Lula fez no Brasil’. Com a direita, não vejo isso acontecendo, porque a previsão é de um crescimento regional baixíssimo e dificilmente esses governos vão entregar a recuperação econômica durante um mandato”, explica Stuenkel.

Mas há o outro lado da moeda. Segundo o professor de Relações Internacionais da USP Vinícius Vieira, os princípios mais liberais na economia, trazidos pela direita na região, devem se fortalecer, até mesmo em possíveis novos governos de centro e de esquerda.

“Esta é a tendência no continente, até por conta do sucesso de países que foram mais liberais na economia, como o Chile. A era do intervencionismo em excesso acabou. Há um novo pensamento econômico que favorece acordos bilaterais, uma intervenção mais discreta na economia”, afirma.

Vieira lembra, porém, que a liberalização da economia muitas vezes esbarra em pressão política – e mais uma vez Macri é o exemplo, com sua nova política populista. “Os limites da liberalização são os limites da pressão popular, mas isso não significa um retorno a paradigmas mais estatizantes, de maior intervenção de estado. O discurso liberal veio para ficar nos próximos anos”.

A seguir, apresentamos um guia para as eleições da América do Sul de 2019 para melhor compreensão do clima das disputas e quais as chances que os candidatos de direita e esquerda têm de ganhar.

Uruguai

Dia da eleição

27 de outubro / 24 de novembro (2º turno)

Principais pré-candidatos

Daniel Martínez deve ser escolhido o candidato do governista Frente Amplio nas eleições presidenciais de outubro. As primárias do partido ocorrem em 30 de junho e segundo pesquisas de opinião, ele tem uma grande vantagem em relação à segunda colocada, Carolina Cosse. O engenheiro, conhecido pelo apelido “El Pelado” (careca), tem suas raízes políticas na esquerda uruguaia e quando foi prefeito de Montevidéu conseguiu equilibrar as contas da prefeitura, o que o coloca em uma boa posição na corrida presidencial – embora não tenha o mesmo carisma do atual presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez.

Luis Lacalle Pou deve representar o Partido Nacional. Filho do ex-presidente uruguaio Luis Alberto Lacalle Pou e da senadora Julia Pou, o candidato é alinhado à direita e é pró-mercado. Sua campanha deve se basear na diminuição do déficit fiscal do país e em questões relacionadas à segurança, já que o país está registrando aumento da criminalidade. Quando concorreu às eleições em 2014, defendeu a legalização da maconha.

Análise

Diferente de outros países da região que foram governados pela esquerda e que viveram/vivem graves crises, o contexto social e econômico do Uruguai é bastante estável. Mesmo com graves crises econômicas nos vizinhos Brasil e na Argentina, dois dos principais parceiros comerciais do país, o governo uruguaio conseguiu manter a economia no azul. Este cenário torna mais difícil de prever qual dos partidos conquistará o poder nas eleições de 27 de outubro.

Uma das pesquisas de opinião mais recentes, realizada em 15 a 26 de março pela consultoria Factum, mostra o Frente Amplio cerca de dez pontos percentuais à frente do Partido Nacional. O partido governista, como lembra Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV, não sofreu desgaste semelhante ao do PT no Brasil, por exemplo, porque adotou uma gestão muito mais responsável na área econômica. “Com uma situação estável, o incentivo para mudança é menor”, disse Stuenkel.

Por outro lado, 15 anos no poder podem deteriorar, naturalmente, a relação do partido com os eleitores. Segundo o professor de Relações Internacionais da USP Vinícius Vieira, há sinais de que as eleições deste ano podem colocar um fim ao governo do Frente Amplio. Dois fatores podem explicar isso: Vázquez destituiu o comandante-em-chefe do Exército, general Guido Manini Rios, depois que o oficial fez críticas à reforma das pensões militares, o que pode vir a ser um ponto de oposição forte vinda dos militares e segmentos da sociedade que podem cerrar fileiras ao Partido Nacional; também pesa o fato de que Daniel Martínez tem menos carisma do que o atual presidente - e José (Pepe) Mujica não pensa em concorrer, possivelmente devido à idade avançada (ele tem 83 anos). Isso, segundo Vieira, dá uma chance de vitória a Luis Lacalle Pou no segundo turno, em 24 de novembro.

Bolívia

Dia da eleição

20 de outubro / 15 de dezembro (2º turno)

Principais candidatos

Evo Morales vai representar o Movimento ao Socialismo (MAS) nas eleições de 2019 e tentará ser reeleito para um quarto mandato. Ele é presidente da Bolívia desde 2006 e sua candidatura é altamente questionada pelos seus opositores e por parte da população, já que a Constituição da Bolívia permite apenas uma reeleição para o mandato presidencial de cinco anos – algo que ele contornou com a ajuda do poder judiciário. Foi o primeiro presidente indígena da Bolívia, nacionalizou reservas de óleo e gás natural e, durante o seu governo, fez triplicar o PIB (Produto Interno Bruto) do país. Por outro lado, colocou sob seu domínio o poder judiciário e grande parte da imprensa.

Carlos Mesa é o escolhido da coalizão Comunidad Ciudadana (dos partidos Frente Revolucionário de Esquerda e Soberania e Liberdade) para disputar as eleições. O historiador e jornalista foi presidente da Bolívia entre 2003 e 2005, depois que protestos contra a exportação de gás natural forçaram o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada a renunciar. Mesa também renunciou devido a circunstâncias semelhantes. Tempos depois ele representou a Bolívia na disputa marítima com o Chile na Corte Internacional de Justiça - o que proporcionou destaque à sua figura política, embora a Bolívia tenha perdido o pleito.

Análise

As pesquisas de intenção de voto, neste momento, indicam um empate técnico entre os dois candidatos, enquanto os outros cinco nomes não passam de 10% dos votos. Morales, porém, não deve ter dificuldades em se reeleger - mesmo em uma competição limpa.

Segundo Vieira e Stuenkel, a principal razão para isso é o vigor da economia da Bolívia, que vem crescendo a uma média de 4% ao ano, o que torna o MAS palatável para diversos grupos da sociedade boliviana, apesar da ilegitimidade de um quarto mandato e o caráter autoritário que Morales vem demonstrando ao longo do tempo que está comandando o país.

Uma alternativa para que o MAS continuasse no poder sem passar por cima da Constituição seria a eleição de um sucessor de Morales. Entretanto, como muitos países da América Latina, a personalização de líderes é algo arraigado na Bolívia. O MAS praticamente gira em torno de Morales e os que são promovidos lá dentro certamente são amigos do presidente. “A lógica do personalismo prevalece sobre a alternância de poder, que seria desejável”, diz Vieira.

Carlos Mesa, por outro lado, é um intelectual e não tem tanta habilidade política quanto Morales. “Mesa deve se sentir muito mais à vontade em um debate na Universidade de Georgetown do que falando em uma aldeia indígena em seu próprio país”, exemplificou Stuenkel.

Argentina

Eleições

27 de outubro / 24 de novembro (2º turno)

Possíveis candidatos

Maurício Macri deve concorrer à reeleição pela coligação Cambiemos. Em 2015 ele fez história ao se eleger presidente mesmo sem pertencer a partidos tradicionais da Argentina, os peronistas e os radicais. Salvar a economia do país foi sua grande promessa de campanha, mas passados quase quatro anos, ele não conseguiu cumpri-la - e uma série de fatores independentes de sua vontade e competência tornaram a crise econômica da Argentina ainda pior. Recentemente adotou uma medida populista - o congelamento de preços - para tentar conter a inflação e talvez melhorar sua imagem perante à população.

Cristina Kirchner é a política mais cotada para disputar a eleição pela esquerdista Unidade Cidadã. Foi presidente da Argentina de 2007 a 2015, tendo sucedido seu marido, Néstor Kirchner e atualmente é senadora. É acusada de corrupção em vários processos - mais recentemente pelo esquema de recebimento e distribuição de propinas chamado de “cuadernos de las coimas”. Apesar disso, tem uma grande base de apoiadores devido às políticas socialistas adotadas durante seu governo.

Roberto Lavagna é um provável candidato da Alternativa Federal. Trabalhou como ministro da Economia durante o governo de Néstor Kirchner, conseguindo recuperar a economia da Argentina de uma das mais graves crises de sua história - com a ajuda do mercado internacional de commodities. Assume um posicionamento centrista e em 2007 concorreu à presidência contra Cristina Kirchner, tendo terminado em terceiro lugar, atrás também de Elisa Carrió, que atualmente é deputada pelo Cambiemos.

Sérgio Massa vai disputar as primárias da Alternativa Federal com Lavagna. Se ganhar, será o candidato mais novo à presidência, com apenas 37 anos. Foi deputado, prefeito de Trigre (subúrbio de Buenos Aires) e por um ano trabalhou no governo de Cristina Kirchner. Em 2013 ele rompeu com o kirchnerismo e fundou sua própria coalizão peronista (de esquerda), o massismo. Concorreu à presidência em 2015 e ficou em terceiro lugar.

Análise

O cenário da Argentina é o mais difícil de prever neste momento. Os nomes com maior respaldo popular também são os que têm maior rejeição: Macri e Cristina.

A situação ficou mais nebulosa desde o fim do ano passado, devido ao agravamento da crise econômica da Argentina, que piorou drasticamente a imagem do presidente Macri, que agora tem uma rejeição em torno de 65%, segundo pesquisas de opinião. Como uma cartada para melhorar sua popularidade, Macri adotou medidas intervencionistas, que vão contra a sua cartilha liberal - há poucos dias ele anunciou uma lei de controle de preços para diversos produtos, até para vinho Malbec.

Com tudo isso em jogo, os casos de corrupção contra Kirchner tendem a ter um peso menor no debate eleitoral. “O que pode salvar a Argentina de um novo mandato Kirchner é, eventualmente, uma campanha forte de Roberto Lavagna”, diz Vieira. Segundo ele, se Lavagna for para o segundo turno, seja com Macri ou Cristina, ele tem boas chances de vencer. “Mas teríamos na Argentina não necessariamente uma continuidade das tendências liberais”, conclui.

Como as eleições primárias são só em agosto, ainda há muito tempo para que apareça um candidato ainda desconhecido - ou pouco conhecido - com chances de ganhar a presidência. As pesquisas de opinião mostram que os eleitores querem votar em alguém novo. Segundo a revista Americas Quarterly, alguns dos nomes que podem surgir são: Axel Kicilof, ex-ministro da Economia de Kirchner, que poderia concorrer no lugar de Cristina Kirchner, caso ela decida que não vai se candidatar; Miguel Ángel Pichetto, líder dos peronistas não-Kirchneristas no Senado; e Martín Lousteau, congressista do partido Radical, membro da coalizão de Macri.


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