Sem grandes avanços econômicos e sociais desde a reaproximação dos Estados Unidos com Cuba, Barack Obama desembarca neste domingo (20) em Havana com algo novo para ver: uma forte transformação de costumes. Isso tem ocorrido graças à política de criação de pontos de wi-fi na ilha, há cerca de um ano. Famílias voltam a ter mais contato com parentes exilados, informações chegam mais livremente ao povo cubano, e jovens mudam padrões culturais.
Os pontos de Havana estão entre os mais povoados da cidade. Pessoas de todas as idades se espremem em praças e ruas para ter a melhor comunicação possível. Isso tem afetado até o ajustado orçamento do cubano:
“Vemos que muitas pessoas deixaram de tomar sorvete, adiam a compra de um sapato para priorizar a internet (que custa 2 CUCs, ou R$ 8,60, a hora). Isso é normal em todos os países, as pessoas precisam saber o que é mais relevante”, afirma a médica aposentada Marisel Aiala, de 65 anos.
Famílias inteiras se reúnem e dividem fones de ouvidos para falar com parentes pelo Imo, aplicativo que permite conversa em vídeo, semelhante ao Facetime, mas para Android. Muitas das conversas são emocionadas. E exibem uma nova intimidade entre familiares que já havia se perdido com o tempo, a distância e as restrições tecnológicas.
“Agora meu pai, em Miami, consegue acompanhar toda semana o crescimento da neta aqui. Eles já têm brincadeiras, ele conta histórias para ela”, diz Mirta Fernandez, com a filha Monica, de 5 anos.
Futebol ganha lugar do beisebol
O fenômeno é mais sentido entre os jovens. José Antonio Domingos, de 21 anos, usa todo dia a rede para não perder o contato com a namorada na Suécia. Victor Juarez, 17 anos, sonha em ter “Facebook 24 horas por dia, em casa”. Daniel Ortega, 21 anos, conta que agora todos os seus colegas ouvem mais música estrangeira do que cubana.
“Continuo gostando de música cubana, mas hoje tenho preferido ouvir música estrangeira. Minhas bandas favoritas são Maroon 5 e Linkin Park”, diz o estudante de Medicina Daniel Hernández, de 20 anos, que disfarça os fios de seus fones de ouvido embaixo da farda militar.
O esporte também sofre mudanças. Beisebol, a paixão nacional dos cubanos, agora é coisa de velhos. Os novos ídolos são Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar. O escudo do Barcelona é quase tão onipresente agora nas ruas de Havana como a bandeira cubana ou as imagens dos líderes da revolução.
“Quando tem jogo entre o Barça e o Real Madrid, a cidade para. As pessoas se organizam para ver umas nas casas das outras. Eu gosto do Roma, mas tenho grande simpatia pelo Barça”, empolga-se Pablo Pérez, de 18 anos.
Fernando Baño, de 21 anos, sai direto do trabalho na estatal cubana de telefonia para as peladas dos parques em volta do Malecón. Fã do Barça, ele prefere Messi a Neymar, por acreditar que o brasileiro “parece que às vezes se preocupa mais com a imagem do que com o jogo”.
“Muita gente da minha idade não gosta mais de beisebol porque acha os jogadores uns vendidos, os melhores saíram de Cuba. Eu entendo eles. O que eu mais gosto do futebol é que é muita emoção em 90 minutos, tudo pode mudar até o último segundo”, afirma. “Espero que a viagem de Obama seja boa para criar oportunidades para os jovens cubanos. Ele não pode querer tratar apenas dos interesses americanos”, acrescenta.
Havana está passando por toques finais para receber Obama. Obras marcam a região central da cidade – que já estava mais limpa e arrumada naturalmente, herança da visita do Papa Francisco, em setembro – onde os velhos casarões passaram por banho de tinta e restauração.
“A gente vê muitos discursos, mas a vida cubana continua com problemas. Nossa caderneta de racionamento segue com problemas, é uma quantidade insuficiente de feijão, xampu, sabonete. Obama poderia ajudar nisso”, espera Marlene Perez Perez, de 33 anos.
Apesar disso, a cidade trata da visita de Obama como algo normal, não há “preparação especial” nas ruas, como bandeiras ou cartazes. O presidente americano chegará na tarde de amanhã e deverá se encontrar com o arcebispo de Havana – retribuindo a participação da Igreja Católica na reaproximação histórica.
“Obama será muito bem recebido, com todas as honras de chefes de Estado. Mas não faremos algo especial para ele, não vamos “ceder nem um centímetro”, como dizia Fidel, aos americanos. Claro, estamos arrumando Havana porque sempre nos esmeramos mais para arrumar nossa casa quando recebemos visita”, diz Marisel. “Esta visita servirá para reforçar não o orgulho cubano, mas sim nosso patriotismo”, completa.
Mas a semana histórica de Havana – que receberá o show gratuito dos Rolling Stones no próximo sábado (26) – ficou ainda mais agitada na noite de ontem: o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, autodeclarado inimigo dos “imperialistas americanos”, pousou na capital cubana.
PT se une a socialistas americanos para criticar eleições nos EUA: “É um teatro”
Os efeitos de uma possível vitória de Trump sobre o Judiciário brasileiro
Ódio do bem: como o novo livro de Felipe Neto combate, mas prega o ódio. Acompanhe o Sem Rodeios
Brasil na contramão: juros sobem aqui e caem no resto da América Latina
Deixe sua opinião