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A esposa que teve de escolher entre alimentar o filho ou pagar sequestradores do marido

Jano Begum está em um campo de concentração em Mianmar e encara uma dura realidade de fome e más condições de vida | NICHOLAS KRISTOF/NYT
Jano Begum está em um campo de concentração em Mianmar e encara uma dura realidade de fome e más condições de vida (Foto: NICHOLAS KRISTOF/NYT)

Que sacrifícios você faria para salvar a vida de seu marido? E quantos problemas você causaria ao próprio filho para resgatar seu marido? Foram essas as perguntas que Jano Begum precisou encarar.

Jano, 22 anos, e o marido, Robi Alom, 30 anos, estão entre os mais de um milhão de muçulmanos que pertencem à minoria rohingya em Mianmar, sujeita à limpeza étnica que um estudo de Yale sugere poder significar um genocídio.

Já escrevi várias vezes ao longo dos anos sobre a brutalização sofrida pelos rohingyas, mas sei que para alguns leitores isso parece obscuro e distante. Por que se preocupar com um povo remoto quando existem tantas crises no próprio quintal? Porém, coloque-se no lugar de Jano, em uma cabana em um campo de concentração daqui, e pense até onde você iria para salvar seu cônjuge.

Jano, Robi e os outros rohingyas estão confinados desde 2012 a campos de concentração ou vilas isoladas, sem acesso à cidadania e à educação, empregos, alimentação adequada e serviço de saúde. As condições são calculadas para gerar desespero. Por isso, Robi disse à família que se juntaria à onda de barcos fugindo com seu povo para a Malásia.

“Eu não o deixei ir. Nós estávamos discutindo. Ele disse: ‘Mesmo que eu morra no mar, é melhor do que ficar aqui’”, contou Jano.

Então, em uma noite em outubro de 2014, Robi desapareceu. Um amigo deu o recado a Jano: ele embarcara com traficantes humanos. Robi não ousou se despedir temendo que ela o impedisse.

Jano ficou magoada e com raiva, mas também compreendeu. “Aqui nós vivemos em uma espécie de prisão. Sem empregos. Sem nada. Foi por isso que ele foi embora.”

Abandono

O povo rohingya se sente abandonado. O sistema das Nações Unidas, à exceção do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, tem minimizado o problema. Embaixadas e governos ocidentais têm sido muito complacentes. E Aung San Suu Kyi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, cujo partido acabou de vencer as eleições em Mianmar, se mantém em silêncio.

No mesmo campo onde falei com Jano, também conheci Arafa Begum, viúva de 27 anos, que fez acordos com traficantes humanos, no ano passado, para viajar com seus cinco filhos em um barco diferente para a Malásia. Arafa sabia que corria o risco de ser vendida a um bordel, junto com as filhas, mas sem saber como os filhos iriam sobreviver se permanecesse em Mianmar, ela entrou no barco dos traficantes em julho. “Quase não havia água nem comida”, contou – e as condições do porão de carga eram infernais.

O navio navegou 50 dias, tentando driblar a marinha tailandesa, mas terminou desistindo. Arafa e os filhos estão de volta ao campo de concentração, e ela pensa em tentar outra vez.

Sequestro

Quanto a Robi, dois meses e meio depois de ter desaparecido, Jano recebeu um recado de um traficante humano na Tailândia. Ele estava com seu marido e exigia um resgate de US$ 1.200.

Jano vendeu o que tinha, fez empréstimos com parentes e empenhou o cartão de racionamento de alimentos, conseguindo levantar US$ 500 e transferiu para a conta bancária dos traficantes. Em telefonemas, os traficantes queriam mais dinheiro. Às vezes, colocavam Robi ao telefone e batiam nele com paus, para a família ouvir seus berros.

Porém, Jano explicou que não tinha mais nada. Ela não me disse isso, mas deu a entender que poderia, talvez, conseguir um pouquinho mais, mas temia que o filho de cinco anos, Muhammad, já faminto, passasse fome. Tive a sensação de que também pensava que os traficantes terminariam cedendo e libertariam seu marido.

Se foi isso o que pensou, ela errou. Jano recebeu um telefonema derradeiro dos traficantes: Robi morrera na selva. “Não consegui o dinheiro, então eles o mataram”, contou Jano. Após uma pausa longa e dolorosa, acrescentou: “Eu me culpo. Não salvei meu marido”.

Não está claro o que aconteceu. Talvez os traficantes tenham batido em Robi até matá-lo ou o assassinaram para vender seus rins. É possível que tenha morrido de malária. Ou, quem sabe, foi vendido a um barco tailandês de pesca onde foi escravizado.

Jano não contou a Muhammad que o pai pode estar morto. O menino está perdendo peso, por temor ou desnutrição. A família deve US$ 200 para retomar o cartão de racionamento, assim a comida é mais escassa do que nunca. Jano lava roupa para os vizinhos, ganhando 20 centavos por dia para sobreviver. O grupo de direitos humanos Fortify Rights está tentando auxiliá-la.

Multiplique a tragédia de Juno por um milhão e você terá uma noção do sofrimento do povo rohingya hoje. O horror brota não apenas da selvageria dos traficantes humanos, mas também de uma tentativa sistemática do governo de destruir um grupo étnico em particular, acompanhado pela indiferença global.

Genocídio? Não sei. Uma mancha em nossa humanidade? Com toda a certeza.

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