Era a manhã de 27 de março deste ano. Tudo transcorria para ser mais um dia tranquilo na cidade de Nashville, no estado americano do Tennessee, até que às 10 horas (no horário local) a polícia recebeu um chamado. Pessoas afirmavam que haviam escutado tiros vindos da The Covenant School, uma escola cristã particular vinculada ao ministério da Igreja Presbiteriana Covenant. Naquele dia, policiais disseram que, quando chegaram à escola, ouviram tiros no segundo andar do edifício e lá encontraram o atirador com dois fuzis e uma pistola.
De acordo com testemunhas, o criminoso entrou na escola atirando nas portas de vidro do prédio e realizou diversos disparos, que atingiram três crianças e três adultos: seis vidas perdidas, seis histórias interrompidas. A polícia americana suspeita que o principal motivo que levou Audrey Hale, uma pessoa transgênero, a realizar tal ato foi ter “raiva da escola por ter sido obrigado a frequentá-la quando era jovem”.
Essa mesma raiva e ódio crescentes contra instituições cristãs são um dos principais motivos da preocupação constante do Family Research Council (FRC), que divulgou em abril seu primeiro relatório trimestral sobre atos de violência contra igrejas nos EUA.
Os números indicam que atos de ódio, como o cometido por Hale, contra instituições cristãs seguem uma triste tendência de crescimento. A pesquisa revelou que 69 incidentes ocorreram só no primeiro trimestre de 2023, número praticamente três vezes maior do que o registrado no mesmo período no ano passado. Durante os primeiros três meses de 2018, quando se iniciou a pesquisa, 15 atos de hostilidade contra igrejas foram relatados. Em 2019, o FRC contabilizou 12; no ano de 2020, não computou nenhum, mas em 2021, esse número subiu para 14 e em 2022 somaram-se 24 casos.
O FRC alertou que, se a taxa do primeiro trimestre perdurar, 2023 poderá ter o maior número de atos violentos contra igrejas cristãs em seis anos de pesquisa. De acordo com a instituição, a maioria dos incidentes deste ano ocorreu em janeiro, com 43 casos; 14 casos ocorreram em fevereiro e 12 em março.
O vandalismo foi o tipo mais comum de violência, seguido por ataques incendiários, ataques com armas de fogo, ameaças de bomba e outras ocorrências. O relatório também indicou que esses atos de hostilidade ocorreram em 29 estados dos EUA, com a Carolina do Norte – governada pelo democrata Roy Cooper – registrando o maior número de incidentes (sete), seguida por Ohio e Tennessee, com cinco casos cada.
“Algumas pessoas parecem estar cada vez mais à vontade para atacar igrejas, usando um problema social maior como motivo para marginalizar as crenças cristãs fundamentais. Entre essas pessoas, podemos incluir aquelas que abordam questões políticas polêmicas relacionadas à dignidade humana e sexualidade”, apontou o relatório.
A diretora do Centro de Liberdade Religiosa do FRC, Arielle Del Turco, expressou sua preocupação com as crescentes raiva e frustração direcionadas às igrejas e destacou a necessidade de união na defesa da liberdade religiosa e das pessoas de adorar e viver sua fé livremente, sem medo de ataques contra suas igrejas ou comunidades.
“A crescente raiva e frustração dirigidas às edificações das igrejas [cristãs] apontam para uma batalha espiritual maior e um clima crescente de hostilidade em relação ao cristianismo”, destacou.
As motivações por trás dos atos violentos variam de raiva pessoal até questões políticas, enquanto outros são completamente inexplicáveis. No entanto, todos os incidentes representam uma tendência preocupante e têm o potencial de serem intimidadores. Em dezembro de 2022, o FRC já havia divulgado uma extensa publicação documentando um aumento acentuado de casos de violência contra igrejas nos Estados Unidos.
Analisando os dados disponíveis dos últimos cinco anos, o FRC contabilizou um total de 420 atos de hostilidade contra cristãos entre janeiro de 2018 e setembro de 2022. Os tipos de atos identificados incluem vandalismo, incêndios criminosos e ameaças de bomba.
Somente no ano passado, entre janeiro e setembro de 2022, o relatório identificou 137 atos de violência contra igrejas. Em comparação ao ano anterior (2021), quando haviam sido relatados 96 incidentes, o aumento foi de aproximadamente 42%.
O FRC advertiu no relatório que as crescentes “raiva e divisão” na sociedade americana colocam em perigo as igrejas e corroem o direito à liberdade religiosa. “Quando os membros de uma congregação se sentem alvo de pessoas que vivem em suas comunidades ou quando igrejas começam a carregar o peso da indignação de algumas pessoas sobre eventos políticos, a própria capacidade de viver a fé com segurança começa a ficar sob ataque”, apontou.
Casos
Como mostrou o relatório, incidentes de vandalismo são maioria entre os atos de hostilidade relatados contra igrejas nos primeiros três meses de 2023. Algumas dessas agressões aparentemente foram cometidas por pessoas com quadros de doença mental. Outras parecem ter sido motivadas pela raiva direcionada à igreja que foi alvo. Vários casos também envolveram roubos. Alguns ainda estão sob investigação criminal, na qual estão sendo tratados como crimes de ódio.
Muitos dos atos de vandalismo são destruições inexplicáveis, como a de uma obra que mostrava uma cena de nascimento ao ar livre. Nela, foram arremessadas pedras através de uma janela. Em Memphis, no Tennessee, vândalos invadiram a Holy Nation Church e quebraram os vitrais do santuário.
Eles também roubaram equipamentos que a igreja usa para transmitir seus serviços online. No relatório, o pastor local apontou para problemas maiores enfrentados por jovens que lidam com sua própria angústia emocional. “Não guardo ressentimentos”, disse o pastor Andrew Perpener Jr. “Essas coisas são apenas uma manifestação de uma dor maior”, argumentou.
Já em outros incidentes, pode-se notar uma profunda raiva direcionada às igrejas. Em Winston-Salem, na Carolina do Norte, vândalos invadiram a Dellabrook Presbyterian Church no Dia dos Namorados (celebrado nos EUA em 14 de fevereiro) e dispararam um extintor de incêndio por toda a igreja. O sistema de ventilação e o ar-condicionado recolheram o resíduo em pó do extintor e o espalharam por todo o prédio, causando cerca de US$ 40 mil em danos.
Luellen Curry, que trabalha na igreja, disse a uma emissora local de notícias que não entendeu a motivação. “Fico me perguntando o porquê. Isso demonstra muita raiva. Eles estavam com raiva de nós? Estavam com raiva das igrejas? Estavam com raiva de Deus? Simplesmente não entendo por que alguém faria isso”, afirmou.
Em fevereiro, vândalos entraram no Jesus Is Alive World Center em Reading, Pensilvânia, e destruíram equipamentos de som, um púlpito e vitrais centenários da igreja. Além disso, também danificaram um piano e uma televisão, jogaram cadeiras pelo prédio e dispararam um extintor de incêndio, estragando o carpete. Ainda assim, o pastor Isaiah Adio disse aos repórteres locais que não iria desistir da sua dedicação à comunidade local. “Continuaremos fazendo o que estamos fazendo pelo corpo de Cristo e pela nossa comunidade”, declarou.
Em alguns atos de vandalismo, foram deixadas mensagens. Pelo menos uma igreja foi vandalizada com símbolos satânicos. Um cartaz pró-vida em frente a uma igreja foi vandalizado com a mensagem abortista “Corpo das mulheres, escolha das mulheres”.
Em 3 de março, vândalos escreveram “Poder Trans” com tinta spray preta na frente da St. Joseph Catholic Church em Louisville, Kentucky. Esse incidente ocorreu um dia após a Câmara dos Representantes de Kentucky aprovar um projeto de lei que proíbe que menores passem por procedimentos de transição de gênero.
Além das ocorrências de vandalismo, de janeiro a março de 2023, ocorreram dez casos de incêndio criminoso, tentativas ou incêndios por causas desconhecidas em igrejas americanas.
Em 3 de janeiro, a Portland Korean Church, um prédio de 117 anos que estava vazio em Portland, Oregon, foi incendiada. O suspeito de 27 anos afirmou que “vozes em sua cabeça” ameaçaram mutilá-lo caso se recusasse a incendiar a igreja. Em outro caso, a Goodwill Baptist Church, uma igreja historicamente negra em Austin, Texas, foi incendiada no começo de março, em um incidente que a polícia acreditou ser criminoso, causando danos de US$ 200 mil.
Em diversos outros casos, o FRC destacou que indivíduos tentaram incendiar cruzes ou estátuas que estavam do lado de fora de prédios de igrejas.
Entre fogo e vandalismo, o relatório apontou que três incidentes com armas de fogo ocorreram em propriedades de igrejas americanas nos primeiros três meses de 2023, incluindo o tiroteio na The Covenant School.
Em um incidente, dois adultos e dois menores dispararam 50 tiros de pistolas 9mm em um prédio da igreja menonita em Versailles, Missouri. Os danos à propriedade foram considerados um crime de ódio. Em outro incidente, um tiroteio durante a noite no estacionamento da Praise Temple Baptist Church em Shreveport, Louisiana, resultou no encaminhamento de quatro pessoas para o hospital.
O relatório também detalhou casos relacionados a ameaças de bombas. O FRC registrou três incidentes de ameaças do tipo contra igrejas americanas nos primeiros três meses de 2023.
Em 19 de fevereiro, uma pessoa percebeu uma bomba de tubo do lado de fora da St. Dominic Catholic Church na Filadélfia, Pensilvânia. O esquadrão antibombas do Departamento de Polícia da Filadélfia removeu o dispositivo de 45 centímetros, mas não informou aos repórteres se acreditavam que a igreja era o alvo do explosivo.
Em 30 de janeiro, uma suspeita foi acusada depois de ameaçar explodir a Gracelife Chapel perto de Pevely, Ohio. A suspeita teria feito várias ameaças a um funcionário da igreja, chegando a enviar uma mensagem de texto que dizia: “Vou fazer sua igreja desaparecer”. Outro incidente envolveu um adolescente ligando para uma igreja em Nashville e fazendo uma falsa ameaça de bomba.
Além dos casos acima, dois incidentes nos primeiros três meses de 2023 se enquadraram na categoria classificada pelo relatório como “outros”. Um deles foi um ataque violento ocorrido em 12 de março, onde um homem foi preso por esfaquear uma pessoa não identificada na Crossfire Church em Springfield, Oregon. A equipe da igreja afirmou que o agressor frequentava o ministério e nunca havia mostrado sinais de violência antes do ataque.
A equipe atribuiu as ações do agressor ao uso de drogas e expressou sua frustração com as leis de drogas cada vez mais permissivas do Oregon – estado americano governado pela democrata Tina Kotek. Membros da igreja consideram que o governo estadual acaba incentivando indiretamente o uso abusivo de tais substâncias por falta de leis proibitivas e fiscalização.
No ataque, a vítima sofreu ferimentos não letais na cabeça e no pescoço. O pastor da igreja, Aaron Taylor, declarou que “somos afetados regularmente pela crise do fentanil em nossa comunidade, que está prejudicando tantas pessoas”. No entanto, ele insistiu que o ataque não afetaria negativamente o ministério da igreja. “Nunca iremos fazer triagem das pessoas que vêm à igreja. Em vez disso, teremos uma segurança e equipe muito robustas para lidar com isso”, afirmou.
Cobertura tímida da imprensa
No ano passado, o Becket Fund for Religious Liberty, instituição que luta pelo direito da liberdade religiosa nos EUA, divulgou um informe em que relatava que apenas 37% dos americanos ouviram falar sobre a crise envolvendo ataques a igrejas cristãs.
O baixo número reflete a falta de cobertura dos meios de comunicação tradicionais, que pouco divulgam os casos, segundo a instituição.
Embora a falta de conhecimento desses ataques a igrejas em todo o país seja preocupante, a maioria dos americanos se opõe à violência contra igrejas ou locais de culto. Cerca de 94% dos entrevistados no Índice de Liberdade Religiosa de 2022, do Becket Fund, se posicionaram contra atos hostis e atos de violência contra cristãos.