Há mais de quatro meses, ladrões realizaram o maior assalto da história da Islândia e a polícia ainda não tem ideia de onde está escondido o espólio de aproximadamente US$2 milhões em computadores mineradores de bitcoins.
A resolução do caso parecia iminente no início de fevereiro, quando as autoridades detiveram Sindri Stefansson, de 31 anos e com uma ficha criminal que inclui roubo e posse de drogas. Mesmo não tendo sido acusado, muito menos condenado, a mídia o qualificou como o "cérebro" do crime, em grande parte porque foi mantido preso por mais tempo que os outros 11 suspeitos interrogados.
Em seguida, assim como os computadores, Stefansson desapareceu. Por cinco dias, foi um fugitivo internacional. Depois de escapar da prisão – uma façanha que precisou de pouco esforço, dada a abordagem de segurança mínima da instituição islandesa – ele entrou em um táxi e foi para o maior aeroporto do país, onde embarcou em um voo para Estocolmo pela manhã. Em uma reviravolta que parece tirada de um filme B de ação, o avião também tinha como passageiro Katrin Jakobsdottir, a primeira-ministra da Islândia.
"Não conversamos", disse Stefansson, em sua primeira entrevista por telefone desde que foi preso no final de abril, em uma prisão perto de Amsterdã, na Holanda. Ele contou que tinha usado um boné de beisebol e evitou ohar de todos no avião. "Mantive minha cabeça baixa o maior tempo possível."
Criptomoedas
Após a recente onda de crimes envolvendo criptomoedas, muitos realizados a mão armada, fazendo as pessoas esvaziarem suas carteiras virtuais, um roubo assim parecia praticamente inevitável. A Islândia é um dos locais preferidos no mundo para os operadores de mineração de bitcoins, que são atraídos pela eletricidade barata e o tempo frio, que ajuda a manter os computadores resfriados.
Stefansson não discutiu o que a mídia está chamando de "o grande roubo de bitcoins". Em vez disso, concentrou-se sobre seu arrependimento por ter fugido, uma decisão que ele disse ter lamentado logo que desembarcou na Suécia e percebeu que seu rosto estava estampado por toda mídia. "Não tinha vontade de comer, parecia que eu tinha um constante nó no estômago. Fiquei desapontado comigo mesmo por fazer minha família sofrer e também nervoso por medo de ser reconhecido."
Detetives em Reykjavik querem ter uma conversa dessas com Stefansson e terão a oportunidade agora que voltou para a Islândia, tendo sido extraditado no dia 4 de maio. Ele retornou a um país fascinado pelo seu caso. As chamadas na mídia espalharam uma série de teorias sobre onde os computadores estariam armazenados e, até recentemente, onde Stefansson poderia ser encontrado.
"Posso dizer que o povo islandês está muito interessado. Vou aos banhos públicos e amigos e colegas me perguntam constantemente: ‘Já o encontrou?’", disse o investigador de polícia Olafur Kjartansson.
O roubo sugere que a segurança em algumas operações de mineração de bitcoins da Islândia tem que ser adaptadas ao valor da mercadoria, que é cerca de US$9,2 mil por unidade. Se o armazém que foi roubado estivesse guardando ouro em vez de executar um algoritmo em busca de criptomoedas, provavelmente haveria menos probabilidade de o crime ocorrer.
Mas, de novo, é a Islândia, um lugar que parece presumir que seus cidadãos obedecerão às leis. Uma quantidade surpreendente de confiança social está incorporada à sociedade, um fenômeno especialmente evidente quando se examina o sistema penal do país.
Prisão islandesa
Stefansson foi mantido em Sogn, que é conhecida por ser uma prisão aberta. Os presos vivem em seus próprios quartos, com televisões de tela plana, e onde podem usar seus próprios celulares. Durante o dia, detentos ganham o equivalente a US$4 por hora desempenhando tarefas como cozinhar, limpar e cuidar do galinheiro.
Na noite em que Stefansson escapou, começou a procurar por voos internacionais em seu celular por volta das 11 da noite, contou ele. Após reservar uma passagem com um nome falso, abriu sua janela e foi embora. Ele alega que percorreu mais de um quilômetro e meio até a Rota 1, a estrada que circunda a ilha. De carona, fez mais 95 quilômetros até Keflavik, cidade próxima ao aeroporto. De lá, chamou um táxi.
Chegando a Estocolmo, tomou um trem, um táxi e a balsa até a Alemanha, passando pela Dinamarca. Lá conheceu "indivíduos" que o levaram para Amsterdã. Ele teve apenas três horas de liberdade na capital holandesa.
Sem seu conhecimento, as autoridades locais já haviam sido informadas por dois pedestres com uma foto de celular de uma pessoa que acreditavam ser o homem que aparecia em todos os lugares como procurado. Logo em seguida, um policial se aproximou de Stefansson e exigiu sua identificação. "Eu estava caminhando quando isso aconteceu", disse ele.
Roubos separados
A polícia islandesa falou pouco sobre as provas que vincularam Stefansson ao roubo dos computadores. Foram, na verdade, três roubos separados ao longo de algumas semanas, começando no dia 5 de dezembro. Eles ocorreram em uma espécie de condomínio perto do aeroporto, local onde há alguns armazéns para mineração de criptomoedas alugados por diferentes empresas.
Os armazéns parecem hangares, mas, em vez de jatinhos, guardam inúmeros computadores, todos numerados e devidamente arrumados em prateleiras. Ventiladores gigantes presos ao teto cantarolam ruidosamente.
"Se você passasse um dia aqui, provavelmente sairia surdo", gritou Mia Molnar, da Genesis Mining, que tem sede em Hong Kong e mina moedas para a Ethereum, concorrente do bitcoin.
Ela guiou um passeio pelo armazém da Genesis e, mais tarde, em uma sala muito mais silenciosa, tentou explicar do melhor jeito possível o que todos aqueles computadores estão fazendo.
A versão simplificada: eles estão envolvidos em uma corrida global que nunca para, processando novas transações de criptomoedas, tokens digitais que podem ser negociados eletronicamente. A tarefa requer equipamentos cada vez mais potentes. O sucesso é recompensado, digital e automaticamente, com um pequeno lote de novas moedas.
Desconfiança
O bitcoin e outras moedas virtuais estão sendo vistas com desconfiança por alguns governos e criticadas por ambientalistas por consumir vastas e crescentes quantidades de eletricidade. A Genesis e seus concorrentes, por outro lado, veem uma oportunidade financeira, que fez com que o valor de seus equipamentos de mineração crescesse muito.
"Acho que muitas empresas estão mais preocupadas com hackeamento, e menos com o hardware", disse Molnar.
O armazém adjacente ao Genesis é o que foi roubado. O locatário do prédio, que parece estar em construção, não foi publicamente identificado. Através da polícia, a empresa ofereceu US$60 mil para ajudar os detetives a chegar à propriedade roubada.
Ao mesmo tempo, a polícia busca as máquinas através do estudo da rede elétrica, para localizar grandes usos dela. Também coleta informações fornecidas pelo público, incluindo uma de um médium. Até agora, disse Kjartansson, o investigador de polícia, a busca foi infrutífera.
Acusação
Se Stefansson for finalmente acusado de crimes relacionados ao assalto, sua fuga da prisão não será uma das acusações. Na Islândia, você não quebra a lei ao escapar da prisão. "Nosso sistema supõe que uma pessoa que tenha sido privada da sua liberdade vai tentar recuperá-la. É responsabilidade das autoridades da prisão mantê-la lá", disse Jon Gunnlaugsson, antigo juiz do Supremo Tribunal Federal da Islândia.
Além disso, não está claro se a polícia tinha o direito de manter Stefansson preso. Na realidade, ele não estava preso quando escapou, porque o mandado para mantê-lo sob custódia expirara horas antes de sua fuga. Antecipando uma audiência para estender a ordem de custódia, a polícia persuadiu Stefansson a assinar um documento concordando em ficar na prisão voluntariamente.
Ele imediatamente decidiu que o acordo era falso. Em uma carta aberta publicada em um jornal islandês, enquanto fugia, ele escreveu que, dadas as circunstâncias, estava genuinamente surpreso por ser objeto de uma caça.
Paradoxalmente, retornar ao mesmo lugar que antes ansiava tanto por escapar tornou-se um dos principais objetivos de Stefansson. Na prisão perto de Amsterdam ele era apenas um nome e número, contou, pouco alimentado e sem confiança em seus companheiros de prisão. Em comparação, disse ele, "as prisões islandesas são como hotéis".
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