Quando o primeiro ministro David Cameron prometeu um referendo sobre a situação do Reino Unido como membro da União Europeia (UE), se o país deveria permanecer ou sair, é certo que não imaginava a dor de cabeça que seria a sua campanha a favor da permanência.
O que foi pensado como uma promessa de campanha para garantir a eleição do seu Partido Conservador deve parecer agora, em retrospecto, uma aposta imprudente, cujas consequências serão sentidas por muito tempo após a contagem dos votos. Com dez dias até o referendo, a campanha para que a Inglaterra deixe a UE conseguiu vencer a diferença e agora chega até a liderar algumas das pesquisas. As chances do que está sendo chamado de “Brexit” agora parecem muito mais prováveis. O Bank of England anunciou dias atrás que começará a colocar em prática uma série de medidas financeiras especiais com a esperança de acalmar os mercados antes da votação.
A campanha em prol da permanência já estava em desvantagem desde o começo – a UE, com todos os seus acrônimos, processos abstrusos e burocratas irresponsáveis nunca foi vista pelos ingleses com simpatia. Mas então ela cometeu uma série de erros, por vezes sendo vaga, tecnocrática e condescendente.
As intervenções de Cameron fizeram muito pouco para conquistar aquele 15% do público que afirma ainda estar indeciso. Os defensores da saída investiram sobre esse público com um domínio da mídia no nível de alguém como Donald Trump. O lado deles oferece inverdades, mas, assim como Trump, nunca entedia nem confunde o público.
Ainda assim, não podemos simplesmente atribuir só às campanhas a responsabilidade pelo tanto que esta corrida está acirrada. E não há só uma única questão em jogo aqui (as relações com a Europa), assim como a paixão dos EUA por Trump não resulta apenas da sua postura em relação à imigração.
O erro de Cameron derivou não de sua compreensão sobre o ceticismo britânico em relação à Europa; mas sim de não ter reconhecido uma divisão mais profunda que separa a sociedade britânica, para a qual a questão da UE foi uma representante poderosa.
Diferenças
A agência de pesquisas YouGov sondou as atitudes públicas em relação à Europa, numa enquete feita com 16 mil adultos no final de fevereiro, época em que a campanha em prol da permanência tinha 5 pontos de vantagem nas maiores pesquisas.
Os níveis de educação formal são um fator importante da divisão que há no Reino Unido em relação à UE. Dentre os britânicos com ensino superior, 70% eram a favor da permanência, bem como 62% dos eleitores com alto grau de profissionalização.
A idade é outra grande divisora de águas: a maioria dos eleitores com menos de 30 anos preferia a permanência: 73% contra 27%.
Os eleitores também se dividiam entre contra e a favor do “Brexit” por classe social, tal como definido pelo sistema de classificação britânico que lança um olhar amplo sobre os níveis de qualificação e ocupação. Quanto mais alta a classe social (AB sendo a mais alta, DE a mais baixa), mais provável que eles queiram que o país fique.
Mas tanto quem é contra quanto quem é a favor da permanência do país relatou às enquetes, em margens de 6 para 1, que a economia sofre de problemas fundamentais. No entanto, como observou o presidente da YouGov, Peter Kellner, a diferença crucial é que eles discordam em relação às causas disso.
Os eleitores a favor da permanência colocaram a culpa nos bancos, no governo do Partido Conservador e na crescente desigualdade social. Já os eleitores contra escolheram bodes expiatórios diferentes: as regulamentações da UE, os trabalhadores imigrantes com baixos salários e o governo anterior do Partido Trabalhista.
O drama
O que faz com que seja tão dramática a previsão dos votos em prol da saída da UE é que quase todos os órgãos oficiais, nacionais e internacionais, se alinham à posição oposta. Os partidos políticos ingleses (com a exceção do partido UKIP, que é anti-imigração) e os sindicatos comerciais do país (que se opuseram à permanência na Europa no referendo de 1975) apoiaram a permanência na UE. Grandes negócios, pequenos negócios e comunidades científicas e tecnológicas, todos preferem majoritariamente que o país fique. Ex-chefes da OTAN, o presidente dos EUA e outros líderes mundiais também pediram para que os ingleses fiquem.
No bolso
O argumento econômico tem pendido tanto para a permanência que o lado pró-saída se resignou a mudar de assunto. A OCDE, o FMI, a Tesouraria, a London School of Economics, o Instituto de Estudos Fiscais e outros órgãos augustos todos produziram estudos afirmando que a saída causaria um choque econômico. Essa possibilidade tem feito a libra oscilar de valor e agentes imobiliários relatarem uma queda nas vendas de propriedades, e há rumores de que as empresas têm adiado decisões de investimentos.
Considerando que a eleição nacional mais recente, no último mês de junho, foi vencida pelo Partido Conservador quase que inteiramente com base no argumento de que eles seriam mais capazes de fazer a economia florescer, esse tipo de depoimento deveria ser decisivo. Talvez ele acabe sendo, no dia 23 de junho – é ainda o que as previsões dizem que acontecerá –, mas o fato de que as pesquisas apontam para uma tal ambivalência revela as fraturas mais profundas que o YouGov identificou.
As duas votações, na superfície, são do tipo em que o vencedor ganha tudo. Uma possível posse da presidente Hillary Clinton poderia fazer com que a campanha Trump pareça um desvio bizarro rumo ao burlesco, que seria seguido por um retorno à normalidade na política. Vistas no retrospecto de 24 de junho, toda a angústia, a volatilidade da libra e a guerra intestina entre os políticos conservadores ingleses poderão muito bem parecer ter sido muito barulho por nada.
Mas deixemos de lado por um momento o resultado. É importante que as enquetes mostrem que existe uma tal divisão no país, tanto quanto é importante que os EUA se deem conta de que o apelo de Trump é mais amplo do que se pensava a princípio. Não importa quem ganhe, as divisões são reais, e essa é a ressaca que deveremos confrontar na manhã seguinte.
Democracias
A questão principal é austeridade e desigualdade, oportunidade e insegurança. A Europa está presa numa luta para definir a si mesma – algo que ocorre em todas as grandes democracias. Essa é a onda que ameaça o premiê David Cameron e o seu lado, em prol da permanência na UE.
Paralelos
É difícil não se impressionar com os paralelos do referendo no Reino Unido com as campanhas para a eleição presidencial dos EUA. Tanto Trump (#MakeAmericaGreatAgain) quanto a campanha contra a permanência na UE (#takebackcontrol) tratam de medos viscerais de mudança e incerteza, bem como uma experiência de perda. Ambos apontam o dedo para bodes expiatórios externos e postulam que o controle da imigração trará melhorias para o bem-estar do país.
Não exatamente
Na Inglaterra, como nos EUA, esse argumento se desmancha quando analisado. Um estudo da semana passada, feito pelo think tank Breugel, aponta que a imigração acrescentou menos da metade de 1% à população britânica entre 2008 e 2014. A maioria dos estrangeiros que chega ao país tem entre 20 e 30 anos e 76% deles são capazes de encontrar trabalho, dados os baixos índices de desemprego – os menores nas últimas quatro décadas.
A agência de pesquisas YouGov sondou as atitudes públicas em relação à Europa, numa enquete feita com 16 mil adultos no final de fevereiro, época em que a campanha em prol da permanência tinha 5 pontos de vantagem nas maiores pesquisas.
Os níveis de educação formal são um fator importante da divisão que há no Reino Unido em relação à UE. Dentre os britânicos com ensino superior, 70% eram a favor da permanência, bem como 62% dos eleitores com alto grau de profissionalização.
A idade é outra grande divisora de águas: a maioria dos eleitores com menos de 30 anos preferia a permanência: 73% contra 27%.
Os eleitores também se dividiam entre contra e a favor do “Brexit” por classe social, tal como definido pelo sistema de classificação britânico que lança um olhar amplo sobre os níveis de qualificação e ocupação. Quanto mais alta a classe social (AB sendo a mais alta, DE a mais baixa), mais provável que eles queiram que o país fique.
Mas tanto quem é contra quanto quem é a favor da permanência do país relatou às enquetes, em margens de 6 para 1, que a economia sofre de problemas fundamentais. No entanto, como observou o presidente da YouGov, Peter Kellner, a diferença crucial é que eles discordam em relação às causas disso.
Os eleitores a favor da permanência colocaram a culpa nos bancos, no governo do Partido Conservador e na crescente desigualdade social. Já os eleitores contra escolheram bodes expiatórios diferentes: as regulamentações da UE, os trabalhadores imigrantes com baixos salários e o governo anterior do Partido Trabalhista.