Na última quarta-feira, Trump começou a assinar as primeiras leis relativas à imigração dizendo que “a partir de hoje, os EUA retomam o controle das suas fronteiras”. A defesa do território não é apenas obrigação de qualquer governo, é a sua primeira função e a que justifica sua existência. Uma nação sem controle de fronteiras é tudo menos um país.
É natural que nós, brasileiros, fiquemos chocados com políticos que cumprem promessas de campanha, o que não é exatamente o forte daqui. Donald Trump fez da imigração um tema central de sua campanha, foi bastante direto sobre o tema durante todo o tempo, e está, como presidente, começando a fazer o que prometeu, por mais estranho que isso possa parecer.
A construção do muro entre o México e os EUA faz parte do compromisso do novo governo americano com a seriedade no patrulhamento e controle de fronteiras que vinha sendo negligenciado pelo antecessor, que ainda teve a ousadia de mudar as regras de medição de deportação para passar a ideia de que foi o “presidente que mais deportou”. O governo Obama passou a considerar “deportação” não apenas os ilegais presos no território americano e enviados de volta para seus países de origem, mas também os barrados na fronteira ou que sequer passavam um dia inteiro nos EUA, o que nenhum presidente anterior fez.
O primeiro escândalo do governo Obama (sim, houve escândalos e não foram poucos), ocorrido em 2009, já envolvia diretamente o México. Ele ficou conhecido como “Fast and Furious”, ou “Velozes e Furiosos”, e causou centenas de mortes, inclusive do agente americano Brian Terry.
O plano, acredite se puder, incluía a “permissão” de que armas compradas por traficantes mexicanos nos EUA pudessem cruzar a fronteira a caminho do México, onde seriam monitoradas para a identificação e captura dos membros do cartel. Mais de 2 mil armas passaram pela fronteira e acabaram sendo usadas em crimes, uma irresponsabilidade que terminou em tragédia. Uma das armas do “Fast and Furious” foi encontrada com um terrorista muçulmano nos EUA.
Outras mudanças que estão nas leis assinadas por Trump incluem o fim do “catch-and-release” (“pegar e largar”), uma prática do governo Obama de soltar imigrantes ilegais presos e que ficavam aguardando a deportação em locais pouco ou nada vigiados. Estima-se que mais de 200 mil ilegais presos após cruzarem a fronteira com o México acabaram escapando durante o último governo.
Obama e o Partido Democrata, desde 1965 com o “Immigration and Nationality Act” de Ted Kennedy, lutam para transformar o perfil étnico dos EUA, especialmente facilitando a entrada de latinos pela fronteira. A retribuição dos novos americanos é quase imediata e no que mais interessa aos políticos: votos. Em 1996, 72% dos eleitores hispânicos votaram em Bill Clinton. Em 2012, 71% votaram em Obama. Na última eleição, 65% votaram em Hillary Clinton.
Acredita-se que há hoje entre 20 e 30 milhões de imigrantes ilegais nos EUA, número muito superior aos 11 milhões repetidos pela imprensa, quase 10% de toda população. Trump se dirigiu diretamente ao eleitor americano afetado pelos ilegais, especialmente nos estados que fazem fronteira com o México, e a resposta veio nas urnas. As primeiras medidas de Trump para reforçar o patrulhamento e a deportação deixam claro que ele está disposto a retribuir a confiança depositada pelo seu eleitor.
As leis assinadas por Trump incluem também o aumento do controle das “cidades santuário”, um eufemismo para administrações municipais que zombam das leis e simplesmente não perseguem, prendem e deportam imigrantes ilegais. As “cidades santuário”, verdadeiros paraísos para estes criminosos, estão com os dias contados.
O tema ficou particularmente em evidência em julho de 2005 com o assassinato da bela Kathryn Steinle em São Francisco, aos 32 anos, pelo imigrante ilegal mexicano Juan Francisco Lopez-Sanchez. Kathryn passeava com o pai Jim numa zona turística da cidade quando Juan, sob o efeito de drogas, atirou várias vezes a esmo com uma arma roubada. Um dos tiros acertou “Kate” pelas costas, que caiu gritando e pedindo ajuda para o pai. Ela morreu duas horas depois, causando forte comoção no país, já que Juan havia sido detido várias vezes, mas, como São Francisco é uma “cidade santuário”, nunca foi deportado. Kate poderia estar viva se a lei tivesse sido respeitada.
Um dos pontos mais polêmicos sobre o tema é, evidentemente, o muro que será construído na fronteira entre o México e os EUA e que Trump durante a campanha dizia que serão os mexicanos que irão “pagar” pela obra. Como a lei assinada ontem prevê que o governo americano aproprie fundos do orçamento para começar a obra, a imprensa rapidamente começou a dizer que Trump mentiu, quando na verdade ele sempre repetiu que os mexicanos pagarão “de um jeito ou de outro”.
O assunto elevou a temperatura das discussões políticas no México e o presidente do país, Enrique Peña Nieto, cancelou a viagem programada para os EUA por conta das pressões internas. Trump continua mantendo o discurso de que o México pagará pela fronteira, o que desautoriza os mais apressados a dizerem que ele “mentiu”. A negociação entre os dois governos envolvidos sequer começou.
Um dos mais pesados críticos do tom adotado por Trump é o The New York Times, considerado por muitos o principal jornal do Ocidente. O que parece que escapou aos que repetem a pauta do NYT é que seu principal acionista é o mexicano Carlos Slim, um dos cinco homens mais ricos do mundo e dono de um patrimônio estimado em US$ 50 bilhões. No Brasil, seu grupo controla a NET, a Claro e a Embratel.
É importante considerar também que Trump não é um político, é um negociador. Ele é inclusive autor de livro sobre o assunto, “A Arte da Negociação”, escrito com o jornalista Tony Schwartz. Em seu livro, Trump defende que o negociador deve sentar à mesa com o pedido mais alto possível e só ceder, se necessário, com o tempo. Antes de analisar suas declarações, é prudente que os comentaristas ao menos saibam duas ou três coisas sobre quem estão comentando. Ainda é cedo para prever o resultado, mas Trump está negociando.
O Partido Democrata já está pintado para a guerra, assim como seus esbirros em ONGs, grupos ativistas e na imprensa. Várias medidas estão sendo estudadas para atrasar ou interromper o processo de retomada de uma política séria de controle de imigração e das fronteiras do país, colocando de um lado os que querem a importação de eleitores hispânicos e o outro que acredita que os EUA merecem uma política de imigração que coloque os interesses e a segurança dos americanos em primeiro lugar.
A oposição às novas medidas não vêm apenas do Partido Democrata e da esquerda americana, mas também de parte dos “liberais” que não acreditam em estado-nação e fronteiras, sonhando com um mundo “plano”, lembrando o livro de Thomas Friedman, em que tudo pode ser transformado num grande mercado cuja língua é a do comércio. Os chamados “globalistas” desdenham da ideia de que nações possam ser, na prática, soberanas e donas do seu destino.
Conservadores, base eleitoral do Partido Republicano, entendem a importância da nação como parte da própria essência de cada indivíduo, dos laços afetivos que incluem a cultura partilhada pela comunidade e que inclui a língua, as tradições religiosas, os símbolos nacionais, as danças folclóricas, os valores éticos e morais e tudo que dá o senso de pertencimento e do “nós” de um povo, fomentando a lealdade que une cidadãos num “corpo político”, um sentimento patriótico que não tem qualquer relação com o nacionalismo xenófobo, uma aberração que incita a repulsa ao estrangeiro e que deve sempre ser combatida.
O muro a ser construído não impede que ninguém saia, apenas controla quem entra, como qualquer país democrático faz. Como disse certa vez o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, saber se a população está querendo entrar ou sair de um país é a informação mais importante sobre ele. Enquanto o Muro de Berlim mantinha os alemães orientais presos ao comunismo, este vai apenas proteger o território nacional de invasões de indivíduos que se recusam a participar do processo legal de imigração.
Sem seriedade, investimento e compromisso com a população americana no controle de fronteiras, é impossível para qualquer presidente fazer, como prometeu Trump, “a América grande novamente”. Até o momento, nada parece indicar que o novo presidente está disposto a esquecer o que disse na campanha, para o desespero de seus adversários e dos inimigos internos e externos do país.
John Adams, primeiro vice-presidente e segundo presidente dos EUA, disse que o país que estava nascendo seria “um império das leis e não dos homens”. Adams sabia como poucos da importância do ordenamento jurídico, do estado democrático de direito e do cumprimento das leis para a criação de uma nação verdadeiramente livre e próspera. Nenhuma nação foi tão bem sucedida neste objetivo quanto os EUA.
A volta do império das leis na fronteira é um marco do momento histórico do fim de oito anos de “progressismo”, “Constituição viva” e de flexibilização do ordenamento legal em função dos humores governamentais. Com Trump, até o momento, John Adams e os pais fundadores da nação só têm o que aplaudir.
Alexandre Borges é diretor do Instituto Liberal