Um grande capítulo da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, as duas maiores economias do mundo, começa a ser escrito nesta sexta-feira (6), quando entram em vigor as primeiras medidas comerciais impostas pelo presidente americano Donald Trump ao país asiático. Começa a valer a imposição de US$ 34 bilhões em tarifas a produtos chineses nos EUA. Pequim planeja responder rapidamente sobretaxando produtos americanos em igual valor. “É um dia negro para o comércio global”, disse Jörg Wuttke, ex-presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China.
Em um comunicado, o Ministério do Comércio da China afirmou que os EUA estão violando as regras da OMC e inciando "a maior guerra comercial da história econômica até hoje". "Para defender os interesses centrais do país e os interesses do povo, somos obrigados a retaliar", afirmou o órgão.
O conjunto inicial de sobretaxas americanas pode afetar as empresas da área tecnológica e aumentar os preços de produtos populares nos Estados Unidos. A China é o principal parceiro dos Estados Unidos, movimentando anualmente US$ 500 bilhões em importações e exportações, cerca de 15% do comércio americano. Ela tomou o lugar que até 2015 pertencia ao Canadá. E os EUA são, desde 1998, o principal importador de produtos chineses.
Resposta chinesa vem rápido
A resposta chinesa deve atingir centenas de produtos americanos, incluindo carne suína e de frango, soja, milho e carros. As medidas vão atingir diretamente o interior dos Estados Unidos, que ajudou a colocar Donald Trump na Casa Branca. “Os EUA vão abrir fogo em todo o mundo e também abrirá fogo sobre si mesmo”, disse Gao Feng, porta-voz do Ministério do Comércio da China.
Produtores rurais do Meio-oeste americano temem que perderão o acesso ao lucrativo mercado chinês e ficarão com a conta, por causa do excesso de produção. A expectativa é que a China cancele importações de soja americana ou as revenda a outros países, devido às tarifas adicionais. Segundo a Bloomberg, ela está reforçando a compra de grãos originários do Brasil.
As montadoras americanas veem a guerra comercial com pessimismo. Um levantamento feito pelo Departamento do Comércio, a pedido de Trump, com empresas do setor sinaliza que as tarifas podem resultar em custos maiores e menos empregos, justamente o contrário do que o presidente americano deseja.
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A retaliação chinesa não deve vir só sob a forma de sobretaxas. Um fabricante de carros disse que, até junho, as autoridades chinesas inspecionavam 2% dos veículos que a empresa enviava para lá. Agora, eles têm analisado cada automóvel mais de perto.
“A real batalha será nos flancos”, diz James Zimmerman, do escritório internacional de advocacia Perkins Coie LLP. Segundo ele, haverá inspeções desnecessárias, quarentenas de produtos e uma maior fiscalização.
Outra arma do presidente chinês Xi Jinping contra os Estados Unidos pode ser o boicote da ampla legião de consumidores chineses a marcas americanas como Coca-Cola, McDonalds e Disney. É uma prática que já foi usada contra marcas como a japonesa Toyota e a sul-coreana Hyundai, afetando os lucros.
Mas esta medida pode ter um efeito colateral: as operações dessas marcas na China têm estatais chinesas como co-propietários.
Aliados também são atingidos
Mas o movimento de Trump não se restringe à China. A União Europeia e o Canadá, dois dos principais aliados americanos no cenário internacional, também foram atingidos por tarifas comerciais. “O governo Trump não faz distinção entre aliados e inimigos”, diz Inu Manak, cientista política americana e especialista em política econômica internacional.
Os alvos americanos foram o aço e o alumínio desses países. A retaliação está programada para entrar em vigor nos próximos dias. Os europeus pagarão mais por produtos como roupas, motores de carro, suco de laranja e cigarros provenientes dos Estados Unidos. Somente no setor automotivo, a imposição de tarifas sobre carros e autopeças importadas poderá custar 157 mil empregos à economia americana, aponta a Trade Partnership, uma consultoria de política comercial.
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“O Canadá já tem um acordo com a União Europeia. Outros países estão avançando sem os Estados Unidos. Se continuarmos jogando areia nas rodas ou cutucando as pessoas nos olhos, então elas vão parar de conversar com os EUA sobre acordos de negociação”, diz Kadee Russ, economista e especialista em comércio exterior da Universidade da California em Davis.
Ao tentar facilitar a vida das empresas americanas na economia global, Trump tem contribuído para dificultar o planejamento dos negócios nos Estados Unidos. Os executivos que dependem do mercado externo para vender seus produtos ou para manter baixos seus custos passam a ter dificuldades para manter a lucratividade de seus negócios. Muitas empresas americanas montaram cadeias internacionais de suprimentos e dependem de produtos estrangeiros para deixar seus produtos mais em conta.
Impactos negativos
O Federal Reserve (o BC americano) alertou que os enfrentamentos dos Estados Unidos com seus parceiros comerciais já afetam as bolsas de valores e podem impactar negativamente no crescimento da economia.
Muitos funcionários de alto escalão do banco americano assinalam que a incerteza e os riscos associados com a política comercial se intensificaram e lhes preocupa que tal incerteza e riscos eventualmente possam ter efeitos negativos sobre a confiança empresarial e a realização de investimentos. A inflação também poderá aumentar. Os carros importados pelos EUA poderão aumentar 21%, informa a Trade Partnership.
Segundo o presidente do Banco da Inglaterra (o BC inglês), Mark Carney, há sinais preliminares de que esse ambiente comercial mais hostil e incerto já está prejudicando a atividade econômica, como indicam pesquisas que mostram fraqueza nas encomendas globais e na produção industrial.
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E não há certeza de que haja vencedores nessa onda protecionista. “Uma guerra comercial não atingiria igualmente todos os países e indústrias. Enquanto as principais economias podem ter peso econômico suficiente para resistir a uma retaliação significativa, isso não significa que elas se beneficiarão de uma guerra comercial”, diz Alessandro Nicita, economista da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).
Analistas apontam que a batalha comercial entre os dois países pode ter impactos além da economia. Os reflexos podem minar os vínculos entre os Estados Unidos e a China, justo no momento em que o governo Trump busca a cooperação de Pequim no processo de desnuclearização da Coreia do Norte.
Conflito vem se intensificando
O conflito comercial entre Estados Unidos e China está em gestação há anos, mas se intensificou rapidamente em abril de 2018. No dia 3, os EUA publicaram uma lista de importações chinesas que poderiam ser sobretaxadas, no valor de US$ 50 bilhões. O alvo: alta tecnologia e produtos industriais. E, no dia seguinte, a China acompanhou o movimento, ameaçando com retaliações.
Desde então, as ameaças se intensificaram, com os EUA ameaçando sobretaxar mais produtos. Na quinta-feira, o presidente norte-americano sugeriu qa possibilidade de tarifar quase US$ 500 bilhões em produtos chineses. Os asiáticos não ficaram atrás, prometendo igualar as medidas americanas, usando medidas tanto qualitativas, quanto quantitativas.
Rússia anuncia tarifas a produtos americanos
A Rússia impôs, nesta sexta-feira, tarifas que variam de 25% a 40% sobre a importação de produtos dos EUA no setor de construção, petróleo e mineração, em resposta às tarifas aplicadas pelos EUA sobre o aço e alumínio estrangeiros.
O ministro do Desenvolvimento Econômico da Rússia, Maxim Oreshkin, disse em um comunicado que as tarifas adicionais foram aplicadas a alguns equipamentos de construção de estradas, equipamento de petróleo e gás, instrumentos de processamento de metais e equipamentos de perfuração e fibra ótica.
Oreshkin disse que os fabricantes russos de aço e alumínio sofreram perdas de US$ 537,6 milhões por causa das novas tarifas dos EUA. Ele observou que as novas tarifas russas só permitirão uma compensação parcial de US$ 87,6 milhões.