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Curitiba – No último 29 de abril, Evo Morales viajou a Cuba pela primeira vez desde que chegou à presidência da Bolívia. Em Havana, ao lado de Fidel Castro e Hugo Chávez, assinou o Tratado de Comércio entre os Povos, que, entre outras várias medidas pouco comuns em acordos comerciais, prevê o comprometimento boliviano em fornecer know-how indígena a Cuba e Venezuela. Em contrapartida, Morales voltou a La Paz com a garantia de que toda a produção agrícola e industrial exportada pela Bolívia será comprada pelos outros dois países (leia-se: Venezuela), caso esses produtos "pudessem ficar sem mercado, por causa da aplicação de um Tratado ou Tratados de Livre Comércio promovidos pelo governo dos Estados Unidos ou governos europeus." O contrato ainda prevê asfalto venezuelano ad infinitum – "até os volumes requeridos para satisfazer a demanda interna da Bolívia."

Dois dias depois, Morales decretou a nacionalização do gás e do petróleo. Ele nega que houve influência de Chávez na decisão, embora o Tratado forneça ainda mais pistas de que foi exatamente isso o que aconteceu: garante prover assistência técnica da PDVSA, a petroleira estatal venezuelana, para a YPFB, a petroleira estatal boliviana. Esta que de acordo com o decreto de Morales será a nova dona da Petrobrás Bolivia.

O Tratado dos Povos, parte de um acordo maior promovido por Chávez, a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), é teoricamente um tratado de livre comércio entre povos "irmãos", mas que será administrado e estimulado por governos de tendências estatizantes (sem considerar que em Cuba praticamente só existe o Estado e não há setor privado) e, portanto, deve criar pouco comércio, afirmam especialistas.

"O tratado nasceu para contrapor a Alca (Área de Livre Comércio das Américas, incentivada pelos EUA). Mas é um acordo muito menos comercial do que de ideologia. Por trás desse antiamericanismo, está uma tentativa de afirmação de poder. Mais do Hugo Chávez do que do Fidel Castro, que ainda tem influência muito grande, mas é uma figura mitológica. O Chávez é um Fidel Castro com petróleo, ou seja, com dinheiro", afirma a socióloga Maria Lúcia Victor Barbosa, autora do livro América Latina: em busca do paraíso perdido (Saraiva, 1995).

Além de cooperar no "estudo de povos originários" e participar no "intercâmbio de experiências para o estudo e recuperação dos conhecimentos ancestrais da medicina natural", a Bolívia se compromete, com o acordo, a garantir a segurança energética de Cuba e Venezuela, fornecendo sua "produção disponível de hidrocarbonetos". Segurança esta que não falta a Venezuela, hoje quinta maior produtora de petróleo do mundo e dona da maior reserva de gás natural da América Latina.

Num encontro marcado para a próxima quinta-feira entre Chávez e Morales, será anunciado oficialmente um pacote de investimentos da PDVSA nas áreas de gás e petróleo na Bolívia, informou durante a semana o ministro dos Hidrocarbonetos boliviano, Andrés Soliz Rada.

"Há coisas que estão trocando nesse tratado mas que não está escrito. Alguém ganha dinheiro com o gás na Bolívia. A Petrobrás estava ganhando dinheiro. Não está escrito, por exemplo, que a PDVSA vai tomar conta das refinarias da Bolívia. Mas se os bolivianos acharem, como ponto de gratidão por causa desse tratado, que a empresa venezuelana deve substituir a brasileira, isso pode acontecer", afirma o professor de Relações Internacionais da Universidade Nacional de Brasília (UnB), Carlos Pio.

Enquanto discursa contra o capitalismo e o imperialismo norte-americano, Hugo Chávez sela tratados em que prevê investimentos em outros países e, paradoxalmente, como informou Andres Oppenheimer em sua coluna da última semana no jornal argentino La Nacion, aumenta o comércio com os EUA. As exportações da Venezuela para o país cresceram de US$ 15 milhões, em 2001, para US$ 34 milhões em 2005.

"Por enquanto, por conta do alto preço do petróleo e por ser um regime semi-autoritário, em que deve poucas explicações internamente, Chávez deve continuar com esse tipo de manobra. Enquanto houver outros líderes semelhantes na América do Sul, com esse coração anticapitalista, ele vai se firmar como um líder da região", afirma Pio.

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