Quem assistiu a “Narcos”, série recém-lançada na Netflix sobre a ascensão do narcotráfico na Colômbia pelas mãos de Pablo Escobar, não deve ter ficado com muita vontade de conhecer Medellín. A cidade do departamento de Antioquia foi o epicentro de uma época violenta, em que os mortos se empilhavam nos necrotérios e que carros, prédios e até aviões eram explodidos a mando de El Patrón, no que ficou conhecido como narcoterrorismo – chantagear o Estado com bombas.
Medellín, porém, deu a volta por cima. Depois da morte de Escobar, em 1993, as coisas mudaram bastante. Isso pude perceber quando passei duas semanas por lá em julho de 2013 para um curso intensivo de espanhol (aliás, o mesmo fez Wagner Moura um ano depois para aprender o idioma antes de encarar o papel do narcotraficante). Ao contrário daquela cidade refém da violência, o que vi foi muita vibração, muita vida.
Sem medo de ser feliz
Medellín deixou para trás os anos difíceis em que era comandada por Pablo Escobar para florescer como uma das mais encantadoras cidades da Colômbia. O que encanta em Medellín (pronuncia-se “Medejín”) não são as atrações turísticas, que nem são tantas assim. Mas a vibe desse lugar contagia o viajante de uma forma que não tenho como explicar. Sempre que amigos vão à Colômbia, recomendo uma passada na cidade, e eles sempre voltam bastante impactados. É regra.
Algo que ajuda muito é o clima. Localizada em um vale e rodeada por montes verdejantes, Medellín é chamada de “a cidade da primavera eterna”, porque a temperatura fica entre 15ºC e 30ºC o ano inteiro. Aquela coisa: pela manhã e à noite, fica mais fresquinho e, à tarde, esquenta. Não tem do que reclamar.
Outro aspecto que chama muito a atenção é também uma das estratégias que ajudou Medellín a vencer os tempos difíceis: devolver a cidade às pessoas. Os moradores ocupam o espaço público de uma forma que não estamos mais acostumados a ver no Brasil (e que, muitas vezes, é até desencorajado pelos governantes). Dá para ver, por exemplo, moços bombados exercitando os músculos em espécies de academias ao ar livre no final da tarde e mulheres participando de aulas de ginástica gratuitas em praças à noite. Parques, como o Lleras, e inúmeras ruas também são tomados pela gente à noite curtindo uma cerveja conversando com os amigos ou pulando de bar em bar para ouvir todo tipo de música.
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Cultura e transporte para a população
Além disso, o governo inseriu cultura nas áreas mais pobres. Um exemplo dessa medida também virou ponto turístico: o Parque Biblioteca España, uma estrutura moderna e imponente no alto de Santo Domingo, uma favela local. E, para facilitar o acesso da população aos morros da cidade, foi instalado um teleférico, também muito utilizado pelos turistas. De dentro dele, dá para ver como essas comunidades são vibrantes, embora pobres.
Sem contar que Medellín tem um metrô construído sobre um rio que corta a cidade, o que facilitou bastante os deslocamentos.
Não me senti ameaçada em nenhum momento, dia ou noite. Isso não significa que tudo sejam flores. O narcotráfico ainda continua bem ativo por lá, mas nada comparado à época de Escobar. Um amigo colombiano, porém, comentou com naturalidade ter frequentado festas de traficantes com tudo pago, e que isso é comum. Mas a verdade é que os turistas não percebem nada.
Pelos pontos fortes e pela capacidade de lidar com os fracos, Medellín entrou para a seleta lista de “lugares em que eu gostaria de morar”.
Um bairro charmoso
Medellín tem um bairro que não deixa nada a dever em charme para algumas cidades europeias, El Poblado. As ruas são repletas de pequenas lojas de roupas e artesanato, com uma seleção bem interessante de produtos, além de muitos restaurantes e bistrôs a um preço honesto. O bairro também conta com uma infinidade de albergues e hotéis e é o escolhido de muitos turistas para hospedagem. El Poblado também fica a uma curta caminhada do Parque Lleras, um dos principais pontos de agito da noite na cidade.
A terra de Botero
Terra natal de Fernando Botero, Medellín conta com muitas obras do pintor conhecido por usar personagens rechonchudos. O Museo de Antioquia (ingresso a 10 mil pesos colombianos, ou cerca de R$ 13), no Centro, tem um grande acervo doado pelo artista para incentivar a virada da cidade contra o narcotráfico.
Fazem parte dele quadros que celebram a derrocada de El Patrón, como Pablo Escobar Muerto e La Muerte de Pablo Escobar. Na praça em frente ao museu, também é possível admirar inúmeras esculturas de Botero ao ar livre – um autêntico pátio de arte.
Resquícios de Escobar
Senti que me juntaria a uma espécie de culto a Escobar se participasse de passeios que seguem os passos do narcotraficante, então não o fiz. Mas não dá para negar que o homem, de alguma forma, fomenta o turismo na cidade. Há diversos tours que levam turistas a locais emblemáticos da história de El Patrón, como a fazenda Nápoles, onde viveu, a casa em cujo telhado ele foi morto pela polícia (ou se suicidou, não se sabe) e sua sepultura no cemitério Montesacro. O bairro Pablo Escobar, que construiu e onde ele é comparado ao Menino Jesus, não é muito recomendado para visitas por questões de segurança. Alguns passeios até ofereciam um encontro com Roberto Escobar, irmão de Pablo, que conta causos do narcotraficante a quem descreve como herói.
A bordo do teleférico
O Metrocable, teleférico inaugurado em 2004, interliga Santo Domingo com o metrô (ao custo de 2 mil pesos colombianos, cerca de R$ 2,50). Além de diminuir em mais de uma hora, às vezes, o tempo de transporte dos moradores, o Metrocable também criou uma rota turística, principalmente após a inauguração do Parque Biblioteca España, em 2007.
À medida que a Linha K percorre seus dois quilômetros, o visitante começa a avistar cada vez mais próxima a construção impressionante que dá lugar à biblioteca. São três prédios com a fachada formada por blocos pretos que reluzem com o sol. Além de ser uma experiência antropológica, dali se tem uma das vistas mais bonitas de Medellín.
A partir da estação Santo Domingo também é possível fazer uma conexão com a Linha L do Metrocable, de 4,5 quilômetros, até o Parque Arví (mais 4,6 mil pesos, ou R$ 5,80), que oferece trilhas e uma feira de produtores locais.
Flores, flores, flores
Todos os anos, no começo do mês de agosto, Medellín se enche de cores para a Feira das Flores, o principal evento da cidade. (Se você for para lá nesta época, é bom reservar acomodação muito cedo, para não correr o risco de não ter onde ficar.) A celebração foi criada em 1957 e conta com eventos como o Festival de Orquestras, mas o destaque é o desfile de “silleteros”. Dele participam agricultores que produzem arranjos florais e os carregam em suas costas usando “silletas” (um suporte de madeira). Em cada uma delas, que podem pesar até 70 quilos, são utilizadas entre 25 e 70 variedades de flores.
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