Nesta quinta-feira (7), Donald Trump leu um discurso num teleprompter. Depois de condenar a violência do dia anterior, ele reconheceu a certificação da eleição de 2020. “Meu foco agora é assegurar uma transição de poder suave, ordeira e sem obstruções”, disse ele.
Tarde demais. Talvez entregar um projeto imobiliário ou pagar um credor furioso com algumas semanas de atraso possa ser reescrito como “sem obstruções”. Mas governar é diferente. Depois de dois meses, cinco mortes no Capitólio, uma desgraça nacional transmitida pelo mundo inteiro e uma porção significativa de sua administração resignando, a concessão e a promessa de cortesia cívica vieram tarde demais.
O nome de Donald Trump irá ser associado com as palavras “transição pacífica de poder” pelo resto de sua vida. Porque, em sua vaidade, ele negou seu país e seu sucessor. A frase era uma espécie de clichê ou expressão cerimonial na política americana – uma frase de liturgia cívica repetida tantas vezes que estávamos arriscando esquecer o que ela significa. Agora, todos os adultos preocupados com as notícias na América vão pensar naquela cena no Capitólio quando a ouvirem.
A imagem de manifestantes irrompendo pelos portões do Capitólio e a estranha figura do xamã do Q com chifres chamando Mike Pence para se mostrar será reproduzida repetidamente antes das inaugurações presidenciais.
Devíamos ter previsto isso. Trump se recusou a prometer uma transição pacífica durante a eleição e por mais de dois meses depois que o resultado estava claro.
Ele mentiu para seus apoiadores sobre a natureza da eleição e o funcionamento de nossa Constituição. Ele acusou intencionalmente e falsamente seu próprio vice-presidente de conspirar para derrubar a forma americana de governo.
Seus apoiadores invadiram o Capitólio em busca de Mike Pence, um deles morreu na confusão e um policial também morreu. Outros morreram de “emergências médicas” e poderiam ter sobrevivido se os veículos de emergência pudessem chegar mais rapidamente.
O outro lado está contribuindo de sua própria maneira. Joe Biden não esteve em lugar nenhum até fazer um discurso em meio ao caos que foi moderadamente útil, até mesmo digno.
Mas a nova vice-presidente Kamala Harris interveio ontem para dizer que os eventos no Capitólio demonstraram o racismo da América. Ela deu a entender, falsamente, que o gás lacrimogêneo não foi usado nos baderneiros apoiadores do Trump porque eles eram brancos.
Na verdade, nem todos eram brancos, e muitos deles foram afetados com gás lacrimogêneo. Meu palpite é que, ao contrário deste verão, ela não vai promover um fundo de fiança para os apoiadores do Trump presos nos próximos dias. Obrigado, Kamala.
Mas quem pode se concentrar nos novos democratas? A declaração de Trump não continha nenhuma concessão de que ele perdeu, apenas que seu foco estava mudando. Ele não deu parabéns a Joe Biden e Kamala Harris. Na verdade, ele nem mesmo disse seus nomes.
Essas omissões serão ponderadas e reinterpretadas pela turba do Qanon. Mas sua declaração atingiu muitos de seus obstinados do Capitólio como uma forma de abandono e traição.
Eles passaram semanas se lembrando de que ele não havia realmente concedido. Eles entenderam perfeitamente que ele os havia chamado para “mostrar força” no Congresso. O que mais ele quereria dizer? Agora a jogada acabou. Agora eles entendiam perfeitamente que ele estava encorajando que fossem presos e respondessem perante a lei. Provavelmente porque ele foi convencido a fazer isso. Isso é patético. Levá-lo a sério ou literalmente era um crime. Trump disse isso. Eles eram otários.
Trump declarou uma transição pacífica enquanto as notificações de morte ainda estavam rolando.
Mas ainda há esperança. Nossa Câmara e Senado terminaram seu trabalho apesar da interrupção. A divisão partidária da América – que é dolorosa e uma fonte de medo para muitos – se reflete na composição aproximadamente equilibrada da Câmara e do Senado. E o funcionamento de nossas leis e costumes, tais como são, nos dá uma oportunidade de renovação. Ou pelo menos para respirar fundo.
Michael Brendan Dougherty é redator sênior da National Review Online.
© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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