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Comunicação

A música e as emoções

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Nova York - Outro dia, o músico Paul Simon estava ensaiando uma de suas canções favoritas: Darling Lorraine, que fala de como o amor começa quente, mas acaba gélido. O artista se pegou pensando sobre um padrão rítmico de três notas no final da música, exatamente no trecho em que Lorraine adoece e morre.

"A canção possui um terceto que a sustenta e a embala, e em determinado ponto eu queria que ele parasse, já que o enredo se torna muito sério. A parada súbita é muito importante. Se você continuar dando voltas com a música, ela perde o seu poder", disse Simon em uma entrevista.

Tal percepção pode parecer subjetiva e distante da ciência, mas alguns cientistas querem tentar entender e quantificar a expressividade musical – os aspectos que tornam a versão de uma sonata de Beethoven mais carregada de emoção do que outra. E os resultados dessas pesquisas estão contribuindo para um maior entendimento do funcionamento do cérebro; para entender a importância da música no desenvolvimento, comunicação e cognição humana e até para o uso da arte como ferramenta terapêutica.

As pesquisas mostram, por exemplo, que nosso cérebro entende a música não só como distração emocional, mas como uma atividade, uma forma de movimento. As mesmas áreas usadas quando jogamos bola ou escrevemos estão envolvidas em momentos da experiência musical, assim como as regiões do cérebro associadas à empatia, mesmo entre os não músicos.

E o que realmente transmite emoções pode não ser a melodia nem o ritmo, mas as alterações feitas pelos artistas.

Tempo e força

Daniel J. Levitin, diretor do Laboratório de percepção musical, cognição e perícia da Universidade McGill, no Canadá, começou a estudar expressão musical em 2002, após ouvir uma má interpretação do Concerto para Piano n.º 27, de Mozart.

"Fiquei atônito. A música tem um belo conjunto de notas e o compositor criou essa peça tão bela. O que o pianista está fazendo para desarmonizar isso?", relembrou Levitin, autor do best-seller A Música no Seu Cérebro: A Ciência de uma Obsessão Humana (Civilização Brasileira, 2010), em um vídeo que descreve o projeto.

Antes de ingressar no mundo acadêmico, Levitin trabalhou com produção, engenharia e consultoria de artistas como Stevie Wonder, Steely Dan, Blue Oyster Cult, Grateful Dead, Santana e Eric Clapton. Ele tocou saxofone com Mel Torme e Sting e guitarra com David Byrne. Hoje, o acadêmico faz parte do grupo Diminished Facul­­ties.

Depois da má interpretação de Mozart, Le­­vitin e a então universitária Anjali Bhatara decidiram separar alguns elementos de ex­­pressão mu­­sical de forma científica. Para isso, eles pediram a Thomas Plaunt, pre­­sidente do departamento de pianos da universidade, que in­­terpretasse trechos de vários no­­turnos de Chopin em um Disklavier, piano com sensores instalados abaixo de cada tecla, a fim de mensurar o tempo que o artista segurava cada nota e a força com que pressionava as teclas.

A partir da gravação, um computador calculou a média do volume e da duração das notas tocadas. Foi criada então uma versão digitalizada para a música, usando as médias obtidas para que a obra soasse homogênea e com ritmo uniforme. Levitin e Bhatara criaram também outras versões: uma com acrés­­cimo de 50% de notas fortes e longas – com a duração e o volume ajustados entre a média mecânica, executada con­­forme a partitura, e a versão original, executa­­da pelo músico –, além de versões com 25%, 75%, 125% e 150% de acréscimo na intensidade e duração das notas.

Os sujeitos estudados ouviram as versões aleatoriamente e classificaram o quão emocional as percebiam. Músicos e não músicos acharam que a performance do pianista foi muito mais emotiva do que a versão "ajustada". Versões com mais variações que a original não passaram aos sujeitos a ideia de serem mais emocionais. "Creio que isso nos diz que o pianista possui experiência no uso de toques expressivos. Ele usa esses recursos com maestria", disse Bhatara, agora pesquisadora e pós-dou­­toranda da Universidade Paris Des­­cartes.

O elemento surpresa

Imagine que o violoncelista Yo-Yo Ma esteja tocando uma sonata de 12 minutos de duração, em que exista uma melodia de quatro notas repetidas várias vezes e na última repetição a melodia se expanda para seis notas. "Se eu fizer isso, é nessa hora que o sol brilha. É como se você estivesse embaixo de uma nuvem, e então olhasse mais uma vez e percebesse que a luz está em todo o vale", disse Ma.

Os resultados obtidos por Levitin sugerem que quanto mais momentos surpresa possuir uma peça, mais emoções os ouvintes captarão – desde que tais momentos sejam lógicos dentro do contexto da música.

O cérebro musical

O cérebro possui várias formas de processar nuances musicais. Edward W. Large, cientista musical da Florida Atlantic University, realizou tomografias dos cérebros de pessoas com ou sem experiência na arte quando expostas a duas versões de uma peça de Chopin: uma adaptada por um pianista e ou­­tra representando a versão literal. Durante a execução da obra adaptada, as áreas do cérebro relacionadas às emoções foram muito mais ativadas do que na versão fidedigna. O mesmo ocorreu com o sistema de neurônios espelhos – um conjunto de neurônios previamente sensibilizados a reagir quando uma pessoa vê alguém realizando uma atividade que o observador saiba executar. No estúdio de Large, as regiões de neurônios espelhos se mostraram ati­­vas mesmo em quem não era músico.

Para Large, talvez essas regiões, que incluem algumas áreas de linguagem, estejam "esbarrando na empatia, como se [as pessoas] estivessem sentindo emoções transmitidas por um ator em um palco e o cérebro as estivesse espelhando". Anders Frieberg, cientista musical no Instituto Real de Tec­­nologia KTH, da Suécia, descobriu que os padrões de velocidade dos movimentos naturais das pessoas – como mover as mãos de um lugar para o outro – equivalem a mudanças no compasso musical que os ouvintes classificaram como mais agradáveis. Levitin descobriu que os músicos são mais sensíveis a alterações de volume e tempo do que os não músicos. Isto está relacionado com a pesquisa de Nina Kraus, neurobióloga da Northwestern Uni­­versity, dos EUA, que mostra que os artistas conseguem di­­ferenciar me­­lhor a música de ruídos de fun­­do, e que seus cérebros gastam menos energia para detectar emo­­ções pelos sons.

Uma questão de tempo

Tanto o estudo de Levitin quanto o de Large descobriram que, de acordo com a percepção hu­­ma­­na da emoção na mú­­sica, o tempo das notas é muito mais importante do que a força com que elas são executadas. De acordo com Kraus, isso pode ser fruto de uma adaptação evolucionária, visto que "um sistema nervoso sensível e que diferencia alterações na duração de um som é um sistema que deixa o indivíduo mais apto a escapar de inimigos potenciais, sobreviver e reproduzir-se".

O tempo musical pode estar também relacionado com a importância do tempo no discurso. "A diferença entre o som das letras B e P, por exemplo, é a diferença no tempo gasto para se produzir o som. Não distinguimos essas letras se o som for pronunciado com mais força", disse Aniruddh D. Patel, cientista musical do Instituto de Neurociências de San Diego.

Tradução: Thiago Ferreira.

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