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Surfando sob as estrelas: a emoção de surfar com mais espaço, à noite e com tubarões rondando a área | DONALD MIRALLENYT
Surfando sob as estrelas: a emoção de surfar com mais espaço, à noite e com tubarões rondando a área| Foto: DONALD MIRALLENYT

O mar e o céu se fundiam em uma massa cinzenta, impossibilitando o surfista de calcular o tamanho das ondas. Será que iam estourar em cima dele e lhe dar um caldo ou arrebentar no lugar certo, permitindo um drop perfeito? 

De dia, Helmut Igel não se deixa impressionar pelas ondas de quase dois metros, mas já passava da meia-noite e não havia lua. Surfar no escuro é bem diferente. 

O surfista de 55 anos faz parte de uma subcultura restrita que pontilha as praias de San Diego a Sydney depois que o sol se põe, em busca de aventura, e que se tornou o novo objeto da curiosidade das redes sociais graças aos esportistas profissionais que usam pranchas led. E a falta de visibilidade é só um dos perigos.  

Os tubarões, embora raros ao longo da costa, também saem à caça à noite. E os surfistas não podem contar com o resgate dos salva-vidas, que já foram embora há horas. 

  • Helmut Ingel após uma sessão de surfe noturno sob a lua cheia, perto de San Diego, Califórnia. Ele faz parte de uma tribo de surfistas que se arriscam no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • O  irlandês Connor McDonald após uma sessão de surfe noturno sob a lua cheia, perto de San Diego, Califórnia. Ele faz parte de uma tribo de surfistas que se arriscam no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • O irlandês James McDonald após uma sessão de surfe noturno sob a lua cheia, perto de San Diego, Califórnia.
  • Connor McDonald se arrisca em uma sessão noturna de surfe
  • Existe uma tribo de surfistas que se arriscam no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • Connor McDonald mergulha sob uma onda durante uma sessão noturna de surfe perto de San Diego, Califórnia. Ele faz parte de uma tribo de surfistas que se arriscam no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • James cDonald surfa sob a lua cheia perto de San Diego, Califórnia. Ele faz parte de uma tribo de surfistas que se arriscam no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • Connor McDonald surfa sob a lua cheia perto de San Diego, Califórnia. Ele faz parte de uma tribo de surfistas que se arriscam no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • Helmut Igel surfa sob a lua cheia perto de San Diego, Califórnia. Ele faz parte de uma tribo de surfistas que se arriscam no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • O irlandês James McDonald surfa sob a lua cheia perto de San Diego. McDonald faz parte de uma tribo de surfistas que se arriscam no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • O irlandês Connor McDonald dropa uma onda durante uma sessão noturna de surfe debaixo da lua cheia perto de San Diego, no dia 10 de abril. McDonald faz parte de uma tribo de surfistas que se arrisca no mar após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • Helmut Igel se prepara para entrar no mar em San Diego, Califórnia. Igel faz parte de uma tribo de surfistas que se arrisca na água após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • Helmut Igel se prepara para entrar no mar em San Diego, Califórnia. Igel faz parte de uma tribo de surfistas que se arriscam na água após o pôr-do-sol, em busca de aventura.
  • Helmut Ingel e James McDonald caminham rumo ao mar nas praias de San Diego, Califórnia. Os dois fazem parte de uma tribo de surfistas que se arriscam na água após o pôr-do-sol, em busca de aventura.

Em busca de liberdade

Mas então por que remar sob as estrelas? Principalmente para ter mais espaço. 

"Hoje em dia, quando tem lua cheia, ainda tem meio que uma muvuca, mas tem noite que parece que estou na Califórnia de antes de 'Maldosamente Ingênua'", diz Igel, referindo-se ao filme de 1959 sobre a paixão de uma adolescente pela cultura do surfe que ajudou a popularizar o esporte. 

As estimativas sobre o número de surfistas no mundo variam enormemente – segundo a Associação Internacional de Surfe, ele chega a 35 milhões –, mas as previsões indicam que a atividade está crescendo. Mais praticantes obviamente implica em mais movimento na água, na espera das ondas, em uma disputa contínua por um bom posicionamento, já que quem estiver mais perto é quem pega a onda. O excesso de gente também desafia a etiqueta do esporte, que estipula apenas um surfista por pico (ou dois nos duplos). 

Por isso, Igel concordou em conceder uma entrevista e me permitiu ser sua sombra na água sob uma condição: não dar o nome do local que ele frequenta, mas que fica em algum ponto entre a Base dos Fuzileiros de Camp Pendleton e La Jolla, a quase 65 km ao sul. 

Antes de mergulhar no mar escuro, Igel coloca um capacete já cheio de crostas por causa da exposição à água salgada, tira uma selfie e manda para a mulher por mensagem, para tranquilizá-la. "Só que nem sempre funciona", explica ele. 

Presos ao capacete, bastões fluorescentes laranja e roxo, indispensáveis ao surfista noturno há tempos, pois servem para alertar quem estiver remando nas proximidades da onda sendo surfada e evitar colisões. 

Ondas de nove metros

O acessório pode parecer primitivo ao lado da tecnologia led utilizada pelos profissionais, vista em inúmeros vídeos e clipes nas redes sociais de uns anos para cá. Até hoje, a aventura noturna mais famosa foi em 2011, quando o australiano Mark Visser, usando uma boia-colete e sobre uma prancha equipada com lâmpadas led especiais, surfou ondas de nove metros em Jaws, no Havaí. 

"No começo estava achando que era a coisa mais apavorante do mundo, mas quando comecei a me acostumar, sentir o que estava acontecendo e me concentrar no momento, foi uma experiência realmente incrível", conta Visser, fazendo questão de destacar que sua façanha exigiu quatro anos de preparação. 

Na verdade, o colete salva-vida e a prancha não foram projetados para iluminar as ondas, mas sim permitir às equipes de resgate encontrá-lo caso perdesse o pé. Durante os treinamentos, percebeu que, qualquer que fosse a direção para que apontassem, as luzes sempre o cegavam. No fim, teve que posicioná-las na parte de trás. 

O produtor de pranchas australiano Mike Bilton, único que cria versões led em escala comercial, teve o mesmo problema na hora de desenvolver um protótipo. 

"Nos projetos mais recentes, as luzes acabaram ficando na parte de baixo da prancha, o que ilumina um pouco, ou seja, você estando na onda consegue enxergar, mas o desafio inicial de ver a onda vindo continua", explica. 

Colisões noturnas

Porém, para Igel os bastões são mais que suficiente. E a luz que deles emanava era o único sinal dele ao entrar na água, pegar a onda, fazendo curvas em "s", e saindo antes que fosse jogado na areia. E imediatamente começou a voltar para o ponto de partida. 

Após vinte anos de surfe noturno, ele já se acostumou a situações perigosas. Relembra colisões e uma onda-surpresa de quase quatro metros que deu um caldo "daqueles", nele e em um amigo. Incidentes assim, porém, nunca o impediram de continuar com as escapadas noturnas algumas vezes por mês. 

Para esse ex-navegador de navio, estar no mar sob o manto da escuridão é tão natural quanto respirar. 

"Não é só para tentar evitar o mar cheio. Tem um clima que é difícil explicar", confessa. 

Consigo ter uma ideia dessa beleza meio fantasmagórica entre uma onda e outra. 

O agitar das mãos deixava um rastro dentro da água – que Igel chama de "poeira de duende" – por causa da fosforescência. As estrelas brilhavam. Os faróis dos poucos carros que passavam se refletiam nas nuvens baixas e pesadas. 

“Devorado sob as estrelas”

Apesar de todo esse fascínio, o surfe noturno está ligado à tragédia. 

Em 27 de outubro de 2015, quando a noite começava a cair, Alec Cooke saiu remando na Baía Waimea, em Oahu, Havaí. Depois que o alerta de seu desaparecimento foi dado, o grupo de resgate encontrou apenas sua prancha à deriva. 

Três dias depois, o corpo de Kenneth Mann, mestre lixador conhecido por pegar ondas noturnas, foi encontrado preso à sua prancha em Encinitas, na Califórnia. 

O capitão salva-vida da praia, Larry Giles, disse tê-lo visto correndo com a prancha, mais ou menos uma hora antes do pôr do sol, no dia anterior. Não se sabe o que aconteceu depois ou quando Mann se afogou. 

Por causa da falta de luz, é comum que os olhos do surfista lhe preguem peças: é só alga, é algo perigoso ou... ? 

"Os tubarões fazem parte do surfe noturno, mesmo não estando fisicamente ali. Você fica pensando neles o tempo todo", confessa James McDonald, que se juntou a Igel na hora de contar "causos", mas não entrou na água naquela noite. 

Meio brincando, acrescentou que, se tivesse o azar de dar de cara com um, queria um epitáfio espetacular, do tipo: "Devorado por um grande tubarão branco enquanto surfava sob as estrelas". 

Brad Benter, que também faz parte do grupo de surfistas noturnos de San Diego, disse ter visto uma vez uma nadadeira dorsal a uns trinta metros de onde estava, sob a lua cheia, por volta das quatro e meia da manhã. Hoje em dia usa uma tornozeleira que "repele" os bichões, embora não ponha muita fé em sua eficiência. 

Apesar disso, para os praticantes, o fascínio é irresistível. 

"Depois de um tempo os olhos se acostumam e, embora seja meio complicado enxergar, dá para pegar a onda, sim. E dá a impressão de que o lance dura uma eternidade. O tempo parece parar", explica McDonald. 

História

O surfe noturno não é novidade. Um artigo da revista Collier, de 1909, falando sobre o surfe no Havaí, descrevia o festival anual de Waikiki, no qual os surfistas usavam lanternas de acetileno. Em 1969, o havaiano Jock Sutherland, supostamente depois de consumir LSD, surfou ondas monstruosas, de mais de seis metros, em Waimea Bay, bem depois do sol se pôr, segundo Matt Warshaw, autor de "The History of Surfing". 

"Nos anos 60, os jovens saíam de vez em quando porque os ingredientes estavam todos ali: verão, água quente, luz da lua; mais tarde, se tornou uma maneira de escapar do excesso de gente, mas já nem sei se isso vale para os locais mais badalados", diz o escritor. 

De volta à aventura à meia-noite, Igel pega uma onda que surgiu em meio à escuridão. 

"Parece que essa é das boas!", disse antes de se afastar. 

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