Depois do fracasso do levante para derrubar o ditador Nicolás Maduro, a oposição da Venezuela e seus aliados internacionais estão debatendo uma nova abordagem: estender uma oferta a altos funcionários do governo e militares para se juntar a um governo de transição pós-Maduro, ao mesmo tempo em que aumentam a ameaça de uma intervenção militar liderada pelos Estados Unidos.
Nesta terça-feira (8), à medida que a crise política se agravava, a atividade diplomática ficava mais intensa, especialmente entre os países preocupados com a crescente possibilidade de que os Estados Unidos lancem mão de opções militares na Venezuela.
A União Europeia pediu ao Vaticano e à Organização das Nações Unidas (ONU) que participem das negociações para aliviar as tensões. O Canadá e outras nações buscavam recrutar Cuba – um dos aliados mais próximos de Maduro – para encontrar uma solução pacífica.
Os Estados Unidos, na tentativa de atrair mais desertores, suspenderam as sanções contra o ex-diretor do Sebin, Manuel Cristopher Figuera, que na semana passada rompeu com o ditador socialista e fugiu do país.
Em Caracas, entretanto, o regime de Maduro começou a retroceder. A Suprema Corte chavista acusou seis legisladores da oposição de traição, conspiração e rebelião, e no mesmo dia eles foram destituídos da imunidade parlamentar pela Assembleia Nacional Constituinte (também chavista).
O presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, não estava entre eles, o que sugere que Maduro ainda está relutante em agir contra o líder da oposição.
Os vizinhos latino-americanos da Venezuela reiteraram sua oposição à intervenção militar dos EUA no país, uma opção que os diplomatas dizem que pode minar a coalizão regional que está trabalhando para forçar a saída de Maduro.
"Acreditamos que a comunidade internacional deve pressionar a saída de Maduro o mais rápido possível", disse a vice-presidente da Colômbia, Marta Lucia Ramirez, em Washington. "O tempo está do lado deles", disse ela, e se Maduro durar "mais alguns meses, pode ser para sempre". Mas para a Colômbia, ela acrescentou, "o cenário militar é um não-cenário".
Pressão
No entanto, a oposição está buscando recuperar o ímpeto usando uma nova estratégia de 'pressão e recompensa' para tentar convencer os militares a apoiar uma transição de governo.
A pressão: na terça-feira, a Assembleia Nacional, controlada pela oposição, abriu um debate sobre a retomada do Tratado do Rio de 1947, um pacto da época da Guerra Fria, o qual a administração Trump está considerando como base legal para uma intervenção militar.
A Venezuela deixou o tratado em 2013. Este acordo, ancorado pelos Estados Unidos, permite a defesa mútua, portanto, como Washington reconhece Guaidó como presidente da Venezuela, um pedido oficial da Assembleia Nacional para defender-se contra "um usurpador" – como Guaidó chama Maduro - poderia desencadear o pacto.
Os legisladores deram um primeiro passo na terça-feira, aprovando o envio da proposta de reintegração ao pacto a um comitê legislativo. Guaidó disse ao Washington Post no sábado que se os Estados Unidos propusessem uma intervenção, ele a levaria à assembleia para uma votação.
Francisco Sucre, chefe do comitê de relações exteriores da assembleia, disse na terça-feira que voltar ao pacto "nos daria uma ferramenta adicional e importante para aumentar a pressão".
Um diplomata latino-americano observou, porém, que o Tratado do Rio determina uma série de ações coletivas e "não significa, necessariamente, uma intervenção militar".
Guaidó dizer que levaria uma opção militar para apreciação da Assembleia Nacional significa que "ele provavelmente não quer recusar a ajuda dos Estados Unidos", disse o diplomata, que falou sob a condição de anonimato sobre o assunto devido à questão sensível.
Recompensa
A tentativa da oposição de destituir Maduro na semana passada desmoronou depois que conspiradores de dentro do governo recuaram no apoio a Guaidó. Pessoas familiarizadas com a trama afirmam que a oposição havia dito a autoridades, civis e militares que eles poderiam manter seus cargos em um governo de transição se eles expulsassem Maduro.
Agora, a oposição e os governos estrangeiros estão considerando a possibilidade de tornar essas garantias abertas e "oficiais". A oposição ofereceu uma promessa de anistia aos militares que se voltaram contra Maduro, mas muitos agora acham que a anistia por si só não será suficiente para garantir sua saída.
Uma opção lançada na semana passada pelo Grupo Lima, o bloco de potências regionais, incluindo Argentina, Brasil, Canadá, Chile e Colômbia, que tem pressionado Maduro a renunciar, está se unindo atrás dessas garantias para dar-lhes peso internacional. O Grupo Lima está em contato com o Grupo de Contato, incluindo Grã-Bretanha, França, Alemanha e União Europeia, que apoia Guaidó, mas adotou uma linha mais suave contra Maduro.
Aqueles que são leais a Maduro "precisarão de algum tipo de incentivo para deixar de apoiar o regime", disse uma autoridade canadense familiarizada com as negociações, que falou sob condição de anonimato. "Há algumas pessoas com as quais estamos dispostos a negociar e algumas que com certeza não estaríamos dispostos a negociar".
Outras variáveis em curso
Ao mesmo tempo, outros esforços diplomáticos estavam em curso. O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence anunciou, na terça-feira, que os Estados Unidos estavam suspendendo todas as sanções contra o general Manuel Cristopher Figuera, ex-chefe de inteligência militar que rompeu na semana passada com Maduro.
"Esperamos que a ação que nossa nação está tomando hoje encoraje os outros", disse Pence.
Federica Mogherini, chefe de relações exteriores da União Europeia, disse que o Grupo de Contato se reunirá com o Grupo de Lima. Ela disse que eles também enviariam uma "missão de alto nível político" a Caracas para discutir opções para uma solução política com "todas as partes".
O Grupo de Contato solicitou às Nações Unidas que intensificassem e coordenassem a ajuda humanitária, e disse que estava enviando sua própria missão humanitária à capital venezuelana. "Temos sido muito claros desde o início que acreditamos que não deve haver tentativas militares, de dentro ou fora do país, para resolver a crise através de meios militares ou o uso da força em qualquer forma", disse Mogherini.
O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, conversou com o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, sobre a Venezuela na semana passada – uma reunião que, segundo as autoridades canadenses, foi mais positiva do que esperavam. Outros diplomatas deixaram claro que a abordagem do Canadá a Cuba não era unilateral, mas parte da decisão do Grupo de Lima de fazer contato com todas as partes.
O regime chavista fornece petróleo gratuito e subsidiado a Cuba em troca dos serviços de 20.000 cubanos que vivem na Venezuela. Havana diz que eles são médicos e professores, enquanto Washington e a oposição venezuelana dizem que são militares e agentes de inteligência que mantêm Maduro no poder – Trump ameaçou, na semana passada, impor um "embargo total e completo" a Cuba em retribuição por sua ajuda a Maduro.
Alguns na oposição venezuelana se opõem profundamente a trazer Cuba para a mesa de negociações. Mas outros argumentam que, se Havana estivesse disposta (um grande se, eles admitem), isso poderia ajudar a fechar um acordo que permitiria que autoridades selecionadas do regime permaneçam no poder.
"A inclusão de Cuba faz parte de tornar nossa oferta de garantias mais crível para os dissidentes de Maduro, bem como para chavistas dissidentes que não apoiam Maduro", disse um funcionário da oposição que falou sob condição de anonimato para discutir uma questão delicada.
Em entrevista ao Washington Post, no sábado, Guaidó descartou conversas diretas com Maduro, mas disse: "Vamos conversar com qualquer funcionário civil ou militar disposto a tomar medidas para salvar a Venezuela".
Luisa Ortega Diaz, ex-procuradora-geral que se voltou contra Maduro em 2017, disse ao jornal americano que era essencial para os chavistas, como ela, serem incluídos nas conversas.
"Até agora, as abordagens com as forças armadas e com a Suprema Corte não foram bem-sucedidas, porque os interlocutores foram vistos como seus inimigos", disse ela. "Para qualquer saída, eu acho que os venezuelanos que foram tocados por Chávez, tanto no nível político, como também nas ruas e favelas, precisam ser incluídos. Eles têm que fazer parte disso".
Controvérsia
Conceder garantias substanciais a Maduro ainda é algo altamente controverso entre a oposição, bem como entre um público que os culpa por alimentar uma das piores crises humanitárias do mundo. A fome e as doenças estão se espalhando e os sistemas de energia e água entraram em colapso, submetendo a nação a frequentes apagões e forçando alguns a ferver a água do esgoto para beber.
Maduro é amplamente visto como a cara de um grupo governante de altos funcionários socialistas – alguns dos quais foram acusados pelos Estados Unidos de tráfico de drogas e extorsão. Uma das maiores questões enfrentadas pelos líderes da oposição é com quem eles podem fazer acordos e com quem não podem.
Uma minoria dentro da oposição está argumentando contra permitir que líderes seniores significativos permaneçam em um governo de transição. Alguns insistem que a insurreição fracassada na semana passada mostra que a barganha com os partidários de Maduro não funcionará, que a única maneira de garantir a queda do governo é por meio de ação militar apoiada pelos EUA.
"Você não pode (manter) criminosos que cometeram crimes humanitários, você não pode ter chefões do narcotráfico, você não pode ter indivíduos que fazem parte da máfia no tráfico de ouro, tráfico de petróleo e gás, ou máfias alimentares", disse Maria Corina Machado, da oposição conservadora. "Pensar que qualquer um desses indivíduos estaria disposto a trazer justiça à Venezuela, simplesmente não acontecerá".