Aos 24, Sebastian Kurz era membro do gabinete ministerial austríaco. Aos 27, era o ministro das Relações Exteriores. E, aos 31, tornou-se o líder mais jovem do mundo. Agora, com apenas seis meses de mandato como chanceler, Kurz está se aproveitando um momento febril da política europeia para se tornar um dos verdadeiros protagonistas no jogo de poder do continente.
Nas próximas semanas, ele tentará fechar a Europa aos migrantes que chegam pelo mar à procura do asilo, e, segundo os críticos, minar o poder de Angela Merkel, a mais lmportante líder europeia da última década.
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Merkel pode ver seu governo entrar em colapso ainda neste final de semana. Se isso acontecer, ela terá a quem culpar: membros rebeldes de seu próprio bloco conservador. Igualmente importante será o papel de Kurz, que repetidamente tem aparecido em público com os rebeldes alemães pra impulsionar sua política de tolerância zero à imigração e, não tão sutilmente, mirar na sua colega chanceler.
“Você não faz o que ele está fazendo se você não quiser fazer parte do conflito”, diz Cengiz Günay, vice-diretor do Instituto Austríaco de Relações Internacionais. “Parece que ele está interferindo na política alemã.”
Isto também ficou claro para os alemães. “Parece haver uma nova espécie de coalizão política transfronteiriça, publicações da imprensa e indivíduos que decidiram tirar a chanceler Merkel de seu cargo”, disse um funcionário alemão de alto escalão não ligado a um partido. Ao tratar de um assunto tão delicado, ele pediu para não ser identificado. “O chanceler Kurz é uma das principais figuras por trás desse plano.”
Negativa
Os aliados de Kurz negam veemente que ele esteja tentando interferir em um país com dez vezes mais habitantes do que a Áustria ou que ele deseja ver Merkel fora do governo. Mas, no mínimo, ele está usando a vulnerabilidade de Merkel para ganhar influência em uma batalha pela influência na Europa.
O que está em jogo não é só o destino de Merkel, chanceler alemã há 13 anos. Em um cenário em que a esquerda mal aparece nos escalões mais altos do poder na Europa, a mais importante disputa que está moldando a que direção o continente irá é a luta entre diferentes visões competitivas da direita.
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De um lado está Merkel, mestre do consenso que foi moldada por sua juventude atrás da Cortina de Ferro e, talvez, seja mais conhecida por receber, em seu país, mais de um milhão de pessoas à procura de asilo, entre 2015 e 2016. Ela, que lidera a União Democrata Cristã (CDU, na sigla em alemão), tem resistido ferozmente a fazer concessões à direita anti-imigração, mesmo vendo a sua popularidade cair.
Do outro lado está Kurz, um millenial – como são conhecidos os nascidos entre o início da década de 80 até meados da década de 90 – que surgiu no cenário da Europa pós-Guerra Fria. Ele reivindica o crédito por ter fechado a rota, que ele acusa, ter sido popularizada por Merkel. Líder do austríaco Partido do Povo, de centro-direita, ele chegou ao poder imitando as políticas de direita na campanha eleitoral e, então, escolheu um partido de direita, frequentemente envolvido em retórica anti-muçulmana e anti-refugiados, como parceiro de coalizão.
Trump em terno de alta-costura
O governo Trump já deixou claro onde estão as suas preferências. Na semana passada, enquanto a crise do governo Merkel se acentuava, o presidente americano tuitou alegremente que os “alemães estavam se voltando contra sua liderança.”
O embaixador americano na Alemanha, Richard Grenell, tem dito que Kurz é uma “estrela do rock”. É uma descrição que, mesmo os críticos mais duros do chanceler austríaco reconhecem como apropriada, devido ao seu carisma e às mensagens afinadas.
“Ele é a estrela do rock da nova direita”, diz Johannes Vetter, do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, que concorreu contra Kurz na última campanha eleitoral. “A menos que haja um terremoto, para os próximos nove anos nós não teremos dúvidas de quem será o chanceler.”
Mas sob o suave verniz de Kurz, Vetter enxerga uma familiar forma divisiva de fazer política. Segundo Vetter, o chanceler tem apenas um tema, e ele o joga de forma implacável e oportunista: a migração.
“É como se fosse um Donald Trump em terno de alta costura”, disse.
Felizmente, para Kurz, migração é o tema do momento. E ele tem demonstrado em ser um especialista em canalizar a angústia com um plano para segurar o fluxo de solicitantes de asilo que, segundo disse, estará no centro de sua agenda quando a Áustria assumir, neste domingo, a presidência rotativa da União Europeia.
Kurz tem encontrado aliados para o seu ponto de vista no novo governo populista italiano, que impediu que navios que resgataram imigrantes chegassem a seu país, e também na União Social Cristã (CSU, na sigla em alemão), o braço bávaro da coalização conservadora de Angela Merkel.
Neste mês, ele esteve ao lado do ministro alemão do Interior, Horst Seehofer, um peso pesado da CSU, para advertir sobre outra “catástrofe”. Era uma referência à decisão de Merkel, em 2015, de abrir as fronteiras alemãs, num pedido silencioso da Áustria, a pessoas fugindo da guerra, opressão e pobreza.
Apesar de os números terem caído drasticamente deste então, com os fluxos de migrantes trocando os Balcãs Ocidentais pelo mais traiçoeiro Mediterrâneo Central, Kurz diz que um “eixo da vontade” de Berlim a Roma, passando por Viena, poderia trabalhar em conjunto para evitar um novo movimento de migrantes.
Estranhamente, Merkel não faz parte da aliança. Pelo contrário, ela rejeitou o plano de Seehofer de rejeitar os pedidos de asilo. Então, começou um confronto que pode romper o seu governo.
Para evitar esse destino, ela precisará obter concessões dos líderes europeus, incluindo Kurz, em uma cúpula da União Europeia a ser realizada no final desta semana.
Mas as palavras e ações de Kurz sugerem que ele está mais interessado em encorajar os rebeldes alemães do que resgatar Merkel. Mesmo que ela esteja tentando manter o governo, Kurz, na última semana, estava realizando uma reunião de gabinete em conjunto com a CSU.
Efeito dominó
Na terça, seu governo conduziu exercícios de treinamento da patrulha de fronteira para provar que tem condições de impedir pessoas que procuram asilo de entrar no país. Kurz disse ao jornal alemão “Bild” que as medidas na fronteira entrariam em vigor se Seehofer limitar o acesso à Alemanha. É um movimento que o chanceler diz que seria bem-vindo porque poderia “gerar um efeito dominó que inibiria a migração ilegal.”
Merkel tem dito que está determinada a evitar um resultado tão caótico, como foi em 2016, quando Kurz, enquanto ministro das Relações Exteriores, evitou os esforços dela para conseguir uma estratégia europeia, fechando as fronteiras austríacas ao longo da rota de migração dos Balcãs Ocidentais, e gerou uma reação em cadeia , deixando pessoas retidas ao longo do caminho.
Agora, como então, Merkel tem lutado para estabelecer um consenso. Se não houver um progresso na cúpula europeia que acontece nesta semana, Seehofer disse que implementará , por conta própria, os controles na fronteira. Isto obrigará Merkel a demiti-lo ou a recuar. De qualquer forma, isso poderia colocar em risco o poder dela.
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Integrantes do partido de Kurz dizem que não é seu objetivo desestabilizar Merkel. Mas, percebem com orgulho que a líder alemã foi obrigada a mudar em direção a seu homólogo austríaco, inclusive na questão de obrigar os solicitantes de asilo ao fazer seus pedidos de asilo em centros no Norte da África em lugar da Europa.
“Quando Kurz começou a falar sobre campos fora da Europa, ela não era favorável a isto. Mas agora, para ela, isto soa bem diferente”, diz Reinhold Lopatka, um aliado de Kurz no Parlamento. “É essencial para ela chegar a um acordo. Ela sabe disso.”
Segundo Lopatka, Kurz está bem ciente que não pode ser o principal líder europeu, dada a pequena dimensão da Áustria em relação à Alemanha e à França. Mas ele também disse que Kurz se vê como um dos membros de uma nova geração de lideres que está colocando a sua marca no continente, pondo fim ao predomínio alemão.
“Por anos, se desejasse chamar a Alemanha, era preciso chamar Merkel. Agora, a situação mudou.”