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Eleição neste domingo (28)

A oposição é a força que pode mudar o rumo da Venezuela, afirma ex-procurador

A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, cumprimenta apoiadores durante encerramento da campanha do candidato à presidência da Venezuela Edmundo González Urrutia, em Caracas (Foto: EFE/ Ronald Peña R.)

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"Mesmo com tudo conspirando contra, a oposição da Venezuela tem algo a seu favor: a força para fazer a diferença e mobilizar os eleitores contra Maduro", afirmou o ex-procurador-geral da Venezuela José Ignácio Hernández, que atuou no governo interino do oposicionista Juan Guaidó (2019-2020).

Hernández concedeu entrevista à Gazeta do Povo, apontando algumas perspectivas políticas para a Venezuela após as eleições deste domingo (28), nas quais concorrem o ditador Nicolás Maduro, que busca a permanência do chavismo no poder, e Edmundo González Urrutia, candidato da oposição.  

O ex-procurador é conhecido por sua posição crítica em relação ao regime de Nicolás Maduro. Ele tem sido uma voz ativa contra as violações dos direitos humanos e as arbitrariedades cometidas pela ditadura chavista ao longo dos anos.

Leia a entrevista completa:

O candidato Edmundo González, apoiado por María Corina Machado, demonstrou uma liderança expressiva nas pesquisas eleitorais. Considerando o controle de Maduro do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), é possível que a oposição consiga alcançar a vitória apesar das chances de fraudes? 

José Ignácio Hernández - A oposição assumiu um grande risco ao decidir participar em condições eleitorais claramente manipuladas e fraudulentas, desde o controle político inconstitucional sobre o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) até a adulteração do registro eleitoral, a negativa de voto aos venezuelanos no exterior, as inabilitações e perseguições políticas. A oposição tem tudo contra, para ser honesto, no entanto, tem algo a seu favor: é a única força que pode fazer a diferença no país por sua capacidade de mobilizar os eleitores.

Se no domingo a abstenção for baixa, similar à abstenção de 2013, há uma grande possibilidade de que a oposição tenha votos suficientes para que Edmundo González seja proclamado presidente, apesar de todas as fraudes. Por outro lado, se a oposição não conseguir mobilizar e a abstenção for mais parecida com a de 2018, é muito provável que Maduro consiga consumar sua fraude para se autoproclamar "presidente" novamente. 

A lealdade das Forças Armadas a Nicolás Maduro é frequentemente discutida e é um fator fundamental em caso de uma mudança democrática. Existe um consenso de apoio a Nicolás Maduro ou há fissuras significativas que poderiam levar a uma ruptura? Quais seriam os possíveis cenários em caso de uma divisão interna? 

José Ignácio Hernández - Sobre a lealdade das Forças Armadas, o problema é que estas colapsaram junto ao Estado. Já não são um corpo orgânico e hierárquico com plena capacidade de ação, o que limita a capacidade de intervirem para influenciar o processo eleitoral. Isso não quer dizer que não possam fazê-lo, mas é bastante limitado. A fragilidade institucional das Forças Armadas é o principal fator que limita sua intervenção no resultado eleitoral. 

Ditadores ao redor do mundo, como Muammar Gaddafi na Líbia, Ceaușescu na Romênia e Saddam Hussein no Iraque, enfrentaram finais trágicos após perderem o poder. Maduro deve temer por sua segurança pessoal em caso de deposição? Existe algum plano de transição de poder que contemple um julgamento justo ou deve ocorrer uma anistia pelos crimes cometidos durante seu regime autoritário? 

José Ignácio Hernández - Maduro, é claro, teme por sua segurança pessoal, o que é esperado em sua circunstância. Ele e suas elites estão conscientes disso. É por isso que insisti na necessidade de adotar uma estratégia de justiça transicional na Venezuela, que garanta não só a vida e segurança de quem está no poder hoje, mas também, na medida do possível, seus direitos políticos.

No cenário em que González seja proclamado vencedor, Maduro terá alta capacidade de negociar os termos e condições para entregar o poder, encontrando ampla possibilidade de negociação com a oposição e a comunidade internacional. 

María Corina Machado e Edmundo González estão demonstrando uma força notável em termos de popularidade e mobilização popular. A pressão das manifestações pode efetivamente mudar algo na Venezuela ou será outro caso de frustração democrática no país? 

José Ignácio Hernández - A grande diferença do cenário atual é que esta é a única situação em que as manifestações populares na Venezuela ocorrem no contexto de uma eleição. Em 2017, tentou-se sem sucesso pedir eleições antecipadas, mas Maduro só teve que resistir às manifestações populares. Agora, ele já não pode resistir, pois chegou o momento das eleições com os venezuelanos mobilizados.

Ele tentou repetir sua estratégia de 2018, com eleições e eleitores desmobilizados, mas falhou. O peculiar deste momento é que a manifestação popular pode se traduzir em um fluxo de votos e a capacidade de Maduro de apagar esse fluxo de votos é, francamente, limitada. 

Em outros países da América Latina, os processos de abertura democrática em ditaduras começaram com votações, como na Nicarágua após a Guerra Civil e no Chile após o fim do regime de Pinochet. Algo similar poderia acontecer na Venezuela? Quais são as razões para acreditar que é possível sair de um regime ditatorial pela via eleitoral? 

José Ignácio Hernández - Se ocorrer uma mudança na Venezuela contra todas as probabilidades, será devido a um longo e tortuoso caminho, do qual as eleições de 2024 serão um marco importante. Diferente do Chile e da Nicarágua, que passaram por transições democráticas, não podemos interpretar as eleições de domingo sem considerar o que ocorreu na Venezuela desde 2015.

Quando me questionam se isso implicaria uma transição muito rápida na Venezuela, respondo que não, porque este processo começou, pelo menos, em 2015. Edmundo González representa hoje a mesma vontade popular que em 2015 votou por mudança. Portanto, essa mudança seria única, consolidando-se a partir de um processo iniciado em 2015. 

Do ponto de vista internacional, Maduro ainda possui alianças com regimes autoritários que se mantêm no poder, como Cuba e Nicarágua, além do apoio da Rússia, China e Irã. Junto a isso, há aliados internacionais socialistas na região, como Lula da Silva no Brasil e Gustavo Petro na Colômbia. Essas alianças não utilizarão novas estratégias para manter o ditador Maduro no poder? 

José Ignácio Hernández - Sobre as alianças de Maduro, eu vejo que Cuba está muito enfraquecida, com problemas internos demais para se preocupar com a Venezuela. A Nicarágua pode apoiar Maduro "emocionalmente", oferecer asilo ou ligar para ele, mas geopoliticamente não tem influência. A China é pragmática, quer recuperar sua dívida e, após a má administração de Maduro, pode até preferir um novo governo de oposição com uma postura pragmática. Rússia e Irã são jogadores importantes, mas não acredito que enviarão tropas para a Venezuela. Esses países têm problemas próprios e, embora tenham mantido Maduro no poder, duvido que possam ajudar a reverter um fluxo de votos. 

O narcotráfico é apontado como instrumento de poder da ditadura de Maduro. Exemplos como o Cartel dos Sóis, formado por altos oficiais militares, mostram como esses grupos criminosos reforçam as posições de poder. Não será ainda mais difícil lidar com esses militares, considerando que, além dos crimes contra o povo venezuelano, participam no narcotráfico, o que fortalece suas posições de poder? Como lidar com o "narcossocialismo" venezuelano? 

José Ignácio Hernández - A penetração do narcotráfico é sintoma de um problema maior na Venezuela, que é um estado frágil. O principal problema a resolver nesse sentido não é político, o país perdeu o controle do território.

A justiça transicional, como eu a vejo, ajudaria na recuperação gradual da capacidade do Estado de controlar o próprio território. Com Maduro reeleito por meio de fraude, isso agravaria o conflito político e a fragilidade institucional. Um governo de oposição, com amplos acordos políticos e internacionais, estaria em uma posição melhor para recuperar o controle territorial.

Por fim, se González vencer, não podemos considerar que será uma presidência normal de seis anos. Vejo sua presidência como de transição, com a missão de atender à emergência humanitária, estabilizar a economia, recuperar o controle do território e restabelecer a ordem constitucional, permitindo, finalmente, eleições livres e justas no futuro. Este processo se assemelha mais a um "momento constituinte".

O que é esperado para a Venezuela com essas eleições?

José Ignácio Hernández - A Venezuela precisa de estabilidade institucional, reconciliação e pluralismo político para iniciar o lento e complexo caminho de uma recuperação econômica e democrática. Uma condição necessária para isso é uma eleição que não seja repudiada, que não seja polêmica, que seja aceita.

Esse objetivo está em risco pelo acúmulo de fraudes, violações de direitos humanos e atropelos que foram cometidos pelo regime de Maduro nos últimos anos. Infelizmente, por isso, eu acredito que uma reeleição do chavismo nessas circunstâncias não vai fornecer as condições institucionais mínimas para iniciar o lento caminho em direção a uma transição.

Isso não quer dizer que a eleição de González assegure o sucesso dessa transição, mas pelo menos teremos as condições mínimas para iniciar um processo de transição democrática que deve ser baseado no pluralismo, na reconciliação, na justiça transicional, em espaços até de co-governo onde eles sejam possíveis.

Quem é José Ignácio Hernández?

Hernández é um advogado venezuelano e professor universitário, destacado por sua atuação em defesa do Estado de Direito e dos princípios democráticos na Venezuela. Doutor em Direito pela Universidade Central da Venezuela (UCV), ele tem uma carreira sólida tanto no campo acadêmico quanto na esfera pública. 

No meio acadêmico, é respeitado por suas contribuições ao estudo do Direito Constitucional e Administrativo. Lecionou em instituições como a UCV e a Universidad Católica Andrés Bello (UCAB), formando várias gerações de juristas. Seus artigos e livros são referências importantes para estudantes e profissionais do direito. 

Além de sua carreira acadêmica na Venezuela, Hernández foi professor visitante em Harvard entre os anos de 2019 e 2020, onde compartilhou sua experiência sobre questões legais e políticas que afetam a Venezuela. Sua atuação em Harvard reforçou sua reputação internacional, permitindo-lhe contribuir para o debate jurídico em uma perspectiva global. 

Suas análises e críticas são publicadas em veículos internacionais como New York Times, Washington Post, Foreign Affairs e El País, nos quais ele discute a crise venezuelana e soluções para a restauração da democracia.

Politicamente, Hernández defende a democracia liberal e o respeito aos direitos humanos. Como procurador especial da Venezuela, nomeado pela Assembleia Nacional, trabalhou para proteger os ativos venezuelanos no exterior e garantir o respeito às decisões judiciais internacionais. Nessa função, representou o governo interino de Juan Guaidó e foi fundamental na proteção dos ativos venezuelanos no exterior.

Especificamente, trabalhou para bloquear contas e ativos da Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) e do regime venezuelano em diversos países, impedindo que a liderança de Nicolás Maduro acessasse esses recursos.

Sua atuação visava preservar os ativos nacionais e garantir que eles não fossem utilizados pelo chavismo, buscando pressionar por uma transição democrática e a restauração da ordem constitucional na Venezuela. 

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