Quando lembramos do 11 de setembro de 2001, é difícil não pensar em imagens assustadoras: de um avião explodindo numa bola de fogo que desaparece dentro de um arranha-céu, de funcionários de escritório saltando das janelas mais altas das torres; de nova-iorquinos cobertos de poeira o suficiente para parecerem estátuas.
As imagens do que aconteceu no Pentágono nunca deixaram marcas assim. Não há nenhum registro em vídeo do voo 77 da American Airlines colidindo com o lado oeste do imenso complexo de escritórios. O Pentágono tem 600 mil metros quadrados distribuídos horizontalmente, por isso até mesmo a explosão de uma aeronave parecia uma coisa pequena perto dos destroços deixados no Distrito Financeiro.
Talvez seja porque os documentaristas ainda não examinaram os eventos em Arlington, no estado da Virgínia, do mesmo modo que puderam analisar o que houve em Nova York ou no voo 93 da United Airlines. Mas Kirk Wolfinger, cineasta que já foi indicado ao Emmy, bem que gostaria. Quando uma rede de televisão, cujo nome não mencionaremos, o abordou para fazer um documentário sobre o 11 de Setembro, ele tentou vender uma história sobre o atentado contra o Pentágono. A resposta da emissora foi inequívoca: se ele quisesse fazer o filme, teria de ser sobre o World Trade Center.
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“É certo que esta não é uma competição de quem sofreu a maior tragédia”, disse Wolfinger, em entrevista por telefone. “É óbvio que o número de vítimas em Nova York foi maior do que os 184 mortos em Arlington. Porém, há histórias do Pentágono naquele dia que merecem ser contadas. Se ele não pudesse contá-las, quem contaria?”
Mas Wolfinger e sua abordagem desse dia trágico acabaram achando quem os promovesse. Seu especial de uma hora, “9/11 Inside the Pentagon”, que conta com Wolfinger como produtor executivo e Sharon Petzold como diretora, foi ao ar na tevê dos EUA no dia 6 de setembro de 2016.
Wolfinger entende o porquê de alguns cineastas evitarem a história do Pentágono. O trabalho do documentarista depende do quanto é possível ter acesso à história, e o exército dos EUA não é uma cultura fácil de se penetrar. Mesmo assim, ele ficou surpreso ao saber que foi o primeiro cineasta a apresentar um pedido razoável ao Pentágono para que o órgão colaborasse num projeto desses. “E com isso quero dizer que fui o único que não estava metido em teorias conspiratórias”, disse o documentarista. “Eles não me deram nenhuma restrição. Só me disseram: ‘Por favor, conte a nossa história, porque ninguém a contou ainda’.”
O documentário
O filme apresenta entrevistas com os militares que estavam estacionados perto do local do atentado, os socorristas, o gerente de operações assistente do prédio e o engenheiro estrutural. As histórias do que ocorreu em solo são espaçadas com relatos do que aconteceu no céu, graças às lembranças de um controlador de tráfego aéreo da Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês).
As histórias são angustiantes: pessoas que rastejaram por salas de puro breu em meio à fumaça preta; trabalhadores tentando quebrar os vidros reforçados das janelas que haviam sido instalados numa reforma recente; escadarias tão quentes que queimavam os pés das pessoas pelas solas dos sapatos.
Histórias inacreditáveis
A história de Bill Toti, capitão aposentado de submarinos da Marinha, começou na noite de 10 de setembro. Ele havia colocado uma carta na caixa de correio do seu chefe, anunciando sua decisão de se aposentar. Na manhã seguinte, ele escapou intacto da região onde o avião caiu e passou o dia carregando os feridos até as ambulâncias e helicópteros. Foi fácil para Wolfinger encontrá-lo nos vídeos dos noticiários da época: Toti parecia estar por toda parte.
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A Marinha acabou designando-o como líder nos trabalhos de recuperação. Uma das primeiras coisas que ele fez ao retornar ao trabalho no dia 12 de setembro foi encontrar a carta que havia escrito e rasgá-la inteira.
No mesmo dia, o Centro Histórico Naval implorou a ele para que usasse o seu acesso para resgatar algumas pinturas do local onde estavam os destroços. Enquanto recuperava uma peça de uma sala de conferências, ele ouviu uma batida na janela. Era um bombeiro avisando que o teto acima dele ainda estava pegando fogo.
Ele tem muitas outras histórias também, assim como todo mundo que esteve lá. Histórias trágicas e heroicas. Histórias inacreditáveis.
Interesse
Bill Toti diz que entende o motivo de as pessoas preferirem se concentrar em Nova York.
“Assim como a Guerra da Coreia foi a guerra esquecida, o Pentágono é o 11 de Setembro esquecido”, disse Toti, que tem algumas teorias para explicar esse fato.
Uma delas diz que Nova York apareceu ao vivo na TV para o mundo inteiro assistir e, visualmente, foi chocante de um modo que o Pentágono acabou não sendo. O Pentágono, por mais que contivesse quase tanta gente quanto o World Trade Center, se revelou como uma construção menos vulnerável; muito mais pessoas conseguiram sair a salvo do Pentágono do que no caso das Torres Gêmeas.
A segunda teoria é mais desconfortável.
“Eu tenho indícios de que há pessoas que pensam: ‘No Pentágono, eles são militares, por isso morrer é meio que o trabalho deles já’”, disse. “Apesar de nunca ninguém ter dito isso para mim desse jeito, às vezes acho que a morte de civis não combatentes é mais profunda do que a de combatentes.”
Porém, ironicamente, a maioria dos mortos no Pentágono era de civis – o que foi uma das grandes surpresas para Wolfinger. Essa não era, nem de longe, uma história militar. Cerca de 20 mil pessoas trabalham no Pentágono, e muitas delas não usam farda.
“Há civis trabalhando nas secretarias e na administração, além de superintendentes de prédios, construtores privados, eletricistas e encanadores”, disse Wolfinger. “Toda essa gente estava no prédio naquele dia e é parte da história.”
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Uma das vozes no filme é a de Ed Hannon, à época capitão do corpo de bombeiros do condado de Arlington. Num dos muitos momentos poderosos do filme, Hannon descreve ter se ajoelhado para rezar junto com muitos outros num pátio no centro do Pentágono. A FAA alertou a equipe em solo que um outro avião estava a minutos de cometer um segundo atentado. Não havia como sair a tempo das instalações, dada a sua construção labiríntica, e Hannon estava ciente disso. Ele foi se preparando para morrer à medida que o som das turbinas foi ficando mais e mais alto.
“Então, quase que instantaneamente, todos os militares começaram a comemorar”, lembra-se Hannon. O que eles ouviram foi um caça amigo sobrevoando o prédio.