Curitiba – "Os conflitos comerciais entre os países do Mercosul representam uma barreira para a circulação de bens e serviços, assim como condicionam o desenvolvimento da integração social no bloco, inclusive podendo detê-la", diz a uruguaia Mariana Blengio Valdés, coordenadora da Cátedra de Direitos Humanos da Universidade de La República, em Montevidéu. Na visita a Curitiba, onde esteve para participar do 2.º Encontro Internacional de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná, a especialista concedeu à Gazeta do Povo uma entrevista na qual deixa claro que, apesar dos percalços apontados, vê o Mercosul no caminho certo.

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Gazeta do Povo – Quais são as tendências do acordo de livre circulação de pessoas no Mercosul?

Mariana Blengio Valdés – Há uma grande preocupação por acordos que facilitem a livre circulação no bloco, não só de bens e serviços, mas também de pessoas. Assim vinculamos a temática da proteção aos direitos humanos e sua incorporação no Mercosul. Este é um desafio que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai precisam enfrentar. A passagem pelas fronteiras, por exemplo, segue sendo uma temática complexa porque não há integração na livre circulação, como ocorre na União Européia. É preciso facilitar a livre circulação. A integração educativa é outro grande aspecto a se trabalhar.

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A integração efetiva está muito distante?

É um caminho que estamos percorrendo. Há muitas portas abertas que mostram que a integração não é impossível. É questão de tempo e de vontade política. Se lutarmos pela integração das pessoas teremos benefícios. O ideal seria que ter um passaporte do Mercosul que habilitasse o cidadão a trabalhar em qualquer país do bloco.

Quais são os desafios que o bloco ainda têm pela frente?

O desafio também se apresenta na criação de órgãos supranacionais, com competência em direitos humanos, por exemplo. As leis supranacionais e nacionais seriam complementares e teriam sempre o objetivo de promover a proteção aos direitos humanos. As leis nacionais passariam a ser mais efetivas.

Mas isso poderia ocorrer em quanto tempo?

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Isso depende também de aspectos políticos internos de cada país. No Uruguai, estamos vivendo uma mudança transcendente em matéria política com o partido da Frente Ampla assumindo o poder pela primeira vez na história. Essas conjunturas internas determinam o Mercosul, porque a posição do governo anterior, com o Partido Colorado, é muito distinta da atual na gestão de Tabaré Vázquez. O mesmo pode ocorrer no Brasil.

No momento, estou otimista com a atual conjuntura política no Mercosul, os presidentes Lula, Kirchner e Vázquez têm um perfil de governantes com um denominador comum – um claro compromisso com os direitos humanos.

Uma instância jurídica no Mercosul teria mais força ao lidar com questões como a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, em Londres, ao ser confundido com terroristas, no dia 22 de julho?

O terror é um tema que toca a questão dos direitos humanos como liberdade, civil e de expressão, direitos políticos, circulação... A raiz do problema do terrorismo é que o combate disso põe em jogo a liberdade. Menezes apenas correu dos policiais. Porque tiveram de atirar para matar? A proteção da liberdade foi uma luta de séculos e não se pode perder essa conquista.

O que ainda é preciso ser feito no quesito direitos humanos?

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Penso que a educação em direitos humanos é fundamental. Mas educar de uma maneira ampla, não só por parte das instituições educadoras, mas também na comunidade. A participação popular pode determinar o sucesso ou o fracasso do Mercosul. A educação é um veículo de intervenção em matéria social e de direitos humanos.

A participação popular no processo de integração é importante para que o Mercosul não repita os mesmos erros da União Européia, que teve sua Carta rejeitada pelos eleitores da França e da Holanda?

O "não francês" à Carta significa a negativa ao processo de integração, que é tido como esplêndido, mas apenas para os governantes e não para o povo. Que a experiência européia sirva para crescermos.