O estado-partido da China está engajado há anos em uma campanha para eliminar as identidades das minorias étnicas dentro de suas fronteiras, para acabar com os vestígios de governança democrática em Hong Kong e para silenciar as vozes dissidentes. Mas isso dificilmente seria registrado se você acompanhasse esses desdobramentos por meio dos procedimentos do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que se reuniu nesta segunda-feira (14) para iniciar uma nova sessão.
Os 47 membros do conselho têm mandatos de dois anos em eleições anuais, a próxima das quais ocorrerá em outubro. A China, que cumpriu quatro desses mandatos desde a criação do órgão em 2006, não é membro atualmente, mas será candidata para uma vaga. Não é preciso ser um advogado de direitos humanos para ver o problema da filiação chinesa ao órgão internacional.
Cada vez que o país busca um assento, há uma tentativa vã – mas honrosa – dos defensores dos direitos humanos de apontar o histórico flagrante de Pequim nessas questões. A última dessas tentativas veio na semana passada, na forma de uma carta assinada por mais de 300 organizações não governamentais: “A China tem como alvo os defensores dos direitos humanos no exterior, suprimiu a liberdade acadêmica em países ao redor do mundo e se engajou na censura da internet e digital vigilância”, escreveram.
A pressão internacional aumentou à medida que a situação dos direitos humanos na China se deteriorava. A repressão em Hong Kong trouxe uma onda de críticas, assim como novas evidências de uma campanha de controle populacional em Xinjiang. A situação se tornou tão terrível que, em junho, dezenas de especialistas em direitos humanos da ONU convocaram uma reunião especial do conselho, sem precedentes, para discutir os abusos dos direitos humanos cometidos pelo Partido Comunista Chinês. Isso é uma melhora em relação ao silêncio que outrora reinou, mas não conte com a realização desse encontro.
A razão pela qual a China ficou imune a críticas significativas no conselho é que as não-democracias com históricos abomináveis quanto aos direitos humanos foram autorizadas a concorrer às eleições para o conselho, participar de debates e até mesmo redigir e votar resoluções. Colocado de outra forma, a maior organização de direitos humanos do mundo muitas vezes serve como um instrumento usado por países autoritários para ampliar seu poder e desviar a atenção de seus próprios abusos.
As autocracias que se unem para votos cruciais costumam ser numerosas o suficiente para conseguir o que querem, como a delegação chinesa provou recentemente. Só nos últimos meses, e contra o cenário do endurecimento das atitudes ocidentais em relação à conduta do Partido Comunista Chinês (PCCh), diplomatas chineses convenceram dezenas de países a assinar cartas apoiando as ações de Pequim em Xinjiang e Hong Kong. Pequim também aproveitou essa influência – comprada, pelo menos em parte, com assistência financeira aos países em desenvolvimento – para bloquear votos politicamente incômodos.
Até hoje, o Conselho de Direitos Humanos da ONU nunca condenou nenhuma das inúmeras violações dos direitos humanos pelo PCCh. No entanto, durante a sessão anterior, em junho, o conselho teve tempo de ouvir a executiva-chefe de Hong Kong, Carrie Lam, que garantiu ao órgão que a lei de segurança nacional imposta à cidade no dia de seu discurso não ameaçaria seus liberdades. E teve tempo para considerar as preocupações da Coreia do Norte sobre o racismo nos Estados Unidos.
O conselho também aprovou uma resolução redigida pela delegação chinesa que promove um dos slogans favoritos de Pequim - trata da "cooperação mutuamente benéfica" em questões de direitos humanos. O documento está cheio de chavões diplomáticos, mascarando uma linguagem mais sutil que reflete a visão do PCCh de que não deve enfrentar escrutínio internacional por sua repressão aos direitos fundamentais.
A resolução – aprovada com alguma resistência por parte de outros membros – mostra como o PCCh está gradualmente entrincheirando seus slogans na arquitetura internacional de direitos humanos. A China claramente nem mesmo precisa da atual participação no Conselho de Direitos Humanos para promover sua agenda. Embora Pequim sempre tenha trabalhado dentro dos mecanismos de direitos humanos da ONU para evitar a condenação de suas ações, tem feito isso com muito mais vigor sob Xi Jinping, que tentou reformular a China como defensora do multilateralismo.
Essa estratégia funcionou, pelo menos até certo ponto. De acordo com um relatório da Brookings Institution, a China apresentou pela primeira vez uma resolução no Conselho de Direitos Humanos em 2017, depois outra em 2018, ambas as quais "enfatizavam a soberania nacional, exigiam diálogo e cooperação silenciosos em vez de investigações e apelos internacionais para a ação, e impulsionou o modelo chinês de desenvolvimento liderado pelo Estado".
Além do Conselho de Direitos Humanos, a delegação chinesa em Genebra está engajada em uma campanha agressiva para intimidar dissidentes que têm coragem de falar contra o partido. O PCCh faz o possível para evitar que os defensores dos direitos humanos deixem a China, mas aqueles que chegam a Genebra são tratados como se nunca tivessem deixado o país. Os ativistas são abafados pelas objeções dos diplomatas chineses, eles são fotografados e seguidos pelos corredores dos escritórios da ONU em Genebra e são perseguidos por funcionários de "organizações não governamentais organizadas pelo governo" apoiadas por Pequim.
Tudo isso - bajulação, manobras diplomáticas e intimidação - deu a Pequim uma vantagem em Genebra. Embora os Estados Unidos tenham se retirado do Conselho de Direitos Humanos em 2018, eles continuaram a participar de algumas de suas funções e a criticar a China durante os processos de revisão.
Washington provavelmente teria uma capacidade ligeiramente maior de influenciar os resultados no conselho se ainda fosse um membro – mas o domínio da China sobre os países não ocidentais é tão grande que é inimaginável que as objeções dos EUA pudessem restringir significativamente a influência de Pequim lá. As condições que permitem à delegação chinesa dar as cartas do jogo são estruturais. Ao retornar ao conselho sem pré-condições, como Joe Biden promete fazer, os EUA continuariam a legitimar os procedimentos de um órgão que rotineira e deliberadamente ignora a situação daqueles que vivem sob muitas das ditaduras mundiais.
As democracias liberais que permanecem no conselho fazem exatamente isso, e nesta segunda-feira a farsa de uma organização de direitos humanos dominada por ditaduras retomou seu trabalho. Na ausência de um impulso coordenado liderado pelos EUA para reformar o Conselho de Direitos Humanos - ou para construir uma alternativa melhor - a tentativa do PCCh de redefinir os direitos humanos e usar organizações internacionais para seus fins autoritários continuará inabalável.
*Jimmy Quinn é jornalista no National Review.
© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.