Dos países que protagonizaram a chamada Primavera Árabe, entre o fim de 2010 e o começo de 2011, a situação do Egito é uma das mais peculiares. Como em outras nações árabes, o povo foi às ruas reivindicar mudanças no governo.
Um ditador caiu, um presidente foi eleito democraticamente pela primeira vez na história, o mesmo presidente foi deposto e os egípcios seguem até hoje envolvidos em conflitos vide os atentados ocorridos na sexta-feira e mergulhados na instabilidade política.
Esse embate longo e incansável é o tema do documentário A Praça (The Square, no título em inglês), indicado ao Oscar 2014 da categoria e disponível na Netflix, o serviço de tevê por internet que responde também pela produção do filme.
O local ao qual se refere o título é a Praça Tahrir, um dos pontos mais conhecidos do Cairo, a capital egípcia, onde milhares de pessoas acamparam em janeiro de 2011.
A multidão tinha um objetivo bem definido: deixar o local somente quando o presidente Hosni Mubarak, havia 30 anos no poder, saísse do governo. Foi lá que Jehane Noujaim, cineasta egípcia radicada nos Estados Unidos, desembarcou com sua equipe para registrar até onde ia a "revolução", como os manifestantes chamavam o movimento.
"Era mágico. Havia homens e mulheres de todas as classes, a maioria deles cristãos lutando por um país diferente", contou a diretora ao jornalista Jon Stewart, do programa The Daily Show. Em sua incursão na Praça Tahrir, Jehane conheceu os três personagens-chave do filme: Ahmed Hassan, um jovem idealista; Khalid Abdalla, ator que abandonou a carreira em Londres para se engajar na luta; e Magdy Ashour, pai de família ligado à Irmandade Muçulmana, grupo político que elegeu o presidente Mohammed Mursi, deposto um ano após tomar posse.
Erro de estratégia
É através dos olhares dessas três pessoas que A Praça faz um retrato da instabilidade política no Egito e seus desdobramentos até os dias atuais. Se o início é marcado pela euforia dos manifestantes, felizes em ter conquistado seu objetivo, logo a narrativa ganha um tom pouco romântico. Os erros de estratégia, o domínio dos militares, o crescimento da Irmandade Muçulmana e as divisões entre os manifestantes vão minando as expectativas de um levante legitimamente popular.
Novos protestos levaram diretora a refazer partes do documentário
Antes de ser lançado oficialmente, uma primeira versão de A Praça chegou a ser lançada e premiada no Festival de Sundance, em Park City, no estado americano de Utah, em janeiro do ano passado.
Enquanto o filme era agraciado com o prêmio do público de melhor documentário produzido fora dos EUA, novas manifestações aconteciam no Egito.
Os protestos fizeram Jehane Noujaim voltar ao país com sua equipe e ampliar a produção.
"Não podíamos terminar a história porque ela ainda estava acontecendo", disse a diretora.
De volta ao Egito, ela acompanhou toda a movimentação que resultou na saída do presidente Mohammed Mursi, destituído por um golpe articulado pelos militares em julho do ano passado.
Mas A Praça ainda não pôde ser exibido no Egito. Jehane ainda aguarda uma autorização do governo para poder passar o filme nos cinemas do país. (AG)
A Praça carece de didatismo em alguns momentos, ao não mostrar como as manifestações se originaram e não explicar as raízes da Irmandade, considerada durante muito tempo uma organização criminosa. Mas expõe em detalhes o que se passou nas manifestações, os entraves para o levante e o porquê de o país ainda viver a incerteza sobre o governo que virá.