Há cerca de um ano, Dmytro Shymkiv administrava a Microsoft na Ucrânia e pensava em aceitar a promoção que o levaria a uma das filiais da empresa na América Latina.
Só que a história interferiu. Um movimento de protesto depôs o governo central do país em fevereiro de 2014, precipitando um dos eventos mais significativos de sua vida pós-soviética: a reavaliação da identidade nacional, uma guerra com a Rússia e a perda efetiva de controle de uma parte do leste de seu território.
Hoje, aos 39 anos, ele encabeça a Administração Presidencial, ajudando a instaurar reformas.
"Se você tivesse me dito há um ano que eu faria parte do governo, eu teria respondido que você estava maluco", afirmou ele em dezembro.
A guerra no leste da Ucrânia continua, mas tão importante quanto o conflito para o futuro do país é o que acontece em meia dúzia de escritórios em Kiev, onde Shymkiv e outros jovens reformistas trabalham.
Eles dizem que querem salvar a nação transformando-a em algo que nunca foi: honesta.
Tamanha tarefa exige uma mudança na interação entre a sociedade e o Estado e a reformulação da suposição praticamente universal nos núcleos pós-soviéticos de que é melhor agarrar o que der hoje porque tudo pode lhe ser arrancado amanhã.
É um desafio e tanto, mas agora pode ser o momento para essa mudança: afinal, a economia ucraniana ainda curte a ressaca depois de tantos anos atrelada ao gás barato vindo da Rússia que, por sua vez, engoliu parte de seu território, incluindo 25 por cento de seu poder de exportação. E como a vizinha poderosa não tem a mínima intenção de pagar essa conta, a Ucrânia se voltou ao Ocidente para pedir dinheiro. A guerra e as perdas econômicas, porém, aumentaram suas necessidades e não se sabe se a ajuda dos países industrializados chegará a tempo.
A maioria dos reformistas vem do setor de negócios; vários administravam fundos de investimentos. Há até uma norte-americana, Natalie Jaresko, que saiu de Chicago no início dos anos 90 para trabalhar para o governo de seu país. Hoje é ministra das Finanças.
"O tipo de pessoal que está chegando é bem diferente daquele que vi fazer parte da política ucraniana. É gente jovem, muitos estudaram no exterior, são ricos. Quase todos vêm do setor executivo e já administraram organizações complexas", explica Erik Berglof, diretor do Instituto de Assuntos Globais da London School of Economics.
Um problema imediato é dinheiro vivo, em parte por causa de um pagamento recente à Rússia pela dívida do gás e sem uma injeção substanciosa do FMI, é provável que o país sofra um colapso econômico.
Outra prova de fogo para o novo governo será Igor Kolomoisky, oligarca dono do PrivatBank, um dos maiores bancos comerciais do país e que centraliza uma rede de transações financeiras duvidosas. Conquistá-lo será complicado, pois é amigo do novo governo e da revolução que o permitiu fazer parte dele: é governador da região oriental de Dnepropetrovsk, com direito a sua própria milícia. Tudo conspira contra os reformistas: as mudanças são difíceis, a guerra é um fator de distração e a história, difícil de superar.
Outra questão é se o presidente russo Vladimir Putin intensificará a guerra se o governo da Ucrânia obtiver sucesso. Os especialistas, porém, dizem que há chances, mesmo que pequenas, de a situação ter um desfecho diferente desta vez.
"Houve uma mudança na mentalidade. O povo sabe que essa é uma situação de vida ou morte, ou seja, que pode deixar de existir de uma hora para outra", reflete Alexander J. Motyl, professor de Ciências Políticas da Universidade Rutgers em Newark, Nova Jersey.
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