A situação na Nicarágua pode desencadear a próxima crise de refugiados na América Latina, colocando ainda mais pressão sobre os países da região que já estão sendo inundados por venezuelanos. O alerta é do Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Zeid Al-Hussein.
Segundo ele, chegou o momento de a comunidade internacional colocar pressão sobre o governo da Nicarágua. "Deve haver uma mudança na atitude de aplicar um pulso de ferro (por parte do governo de Daniel Ortega)", disse Hussein.
"Com uma economia frágil, ela pode ter uma situação similar à de Venezuela." Em um relatório publicado, Hussein critica abertamente a repressão no país e denuncia sérias violações, incluindo execuções sumárias, desaparecimentos, torturas e detenções arbitrárias. "A violência e a impunidade dos últimos quatro meses expõem a fragilidade das instituições do país e do estado de direito", afirmou.
A crise começou em 18 de abril, quando manifestantes tomaram as ruas do país contra reformas sociais. Os atos acabaram ganhando força, mas foram reprimidos por grupos paramilitares que operam sob ordens de Ortega. Estima-se que o número de mortos tenha chegado a 300, além de mais de 2 mil feridos.
Para a entidade da ONU, os ataques aconteceram com o conhecimento das autoridades de alto escalão do Estado. De acordo com o relatório, o governo os permite agir "em impunidade". Até o dia 18 de agosto, pelo menos 300 pessoas estavam sendo indiciadas por participar dos protestos.
A ONU quer que Ortega pare com a intimidação e a criminalização de opositores, e solte os manifestantes detidos. "Eles estão sendo qualificados como terroristas. Isso não pode ser", disse Hussein. Ele ainda pede que os governos da ONU avaliem a criação de uma investigação internacional para determinar "a verdade e justiça" no caso da Nicarágua.
Semelhanças com Venezuela
Para o jordaniano, que lidera o escritório de Direitos Humanos da ONU, há uma "abordagem similar" à forma com a qual Ortega e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, têm lidado com a oposição. "Ficamos chocados, mesmo pelos padrões que conhecemos", disse ele. "Se não pararmos isso, outros países vão enfrentar severa pressão do fluxo de refugiados saindo. Haverá um efeito dominó", alertou.
Hoje, a ONU qualifica o fluxo de venezuelanos como "um dos maiores fluxos em massa" da história da América Latina, com 2,3 milhões de pessoas. Em 2018, o número de venezuelanos que solicitaram asilo já superou o de sírios que pedem proteção na Europa.
Para ele, o Grupo de Lima (que inclui os governos da região e o Brasil) precisa se mobilizar para lidar com a situação na Nicarágua e não repetir os erros que o continente cometeu com a Venezuela.
Hussein criticou os governos da região por terem levado muito tempo para lidar com a crise na Venezuela. "Estamos falando de uma situação que começou em 2011 e 2012", disse. "Éramos um dos poucos que falavam sobre o que ocorria e agora vemos uma crise completa", alertou ele.
"O Grupo de Lima apenas começou a tratar do assunto da Venezuela há um ano e meio. Ainda que seja bem-vindo, quando pedimos uma investigação, nenhum governo apresentou uma resolução nesse sentido", lamentou Hussein, acrescentando que apenas os governos dos EUA e Espanha lideravam as críticas. "Era algo muito limitado. Se tivesse havido um esforço maior da região, talvez essa realidade houvesse sido freada."
A partir de setembro, Zeid cederá seu cargo à chilena Michelle Bachelet. Nesta quarta-feira, ele fez um apelo para que ela continue a pressionar no caso da Venezuela e da Nicarágua. "É fundamental que esses governos saibam que este assunto não vai desaparecer."