Um membro do governo chinês que conheço foi colocado sob shuanggui, o sistema sigiloso de investigação interna do Partido Comunista em que as vítimas são detidas, interrogadas sem advogados e às vezes torturadas.
Ele foi detido durante vários meses em 2014 o e hoje aguarda julgamento. Esse funcionário público de nível médio na província de Yunnan foi responsável por planejamento urbano e obras.
Não sei por que o visaram o shuanggui é realmente opaco. Amigos acham que ele era um funcionário capaz, e que talvez tenha recebido propinas.
Mas o motivo mais provável de suas dificuldades com as autoridades foi que seu patrono político também enfrentou problemas.
Não sei quem era seu padrinho político, mas no último ano uma tempestade abalou Yunnan e na verdade todo o país. Um número enorme de autoridades graduadas foram detidas ou colocadas sob investigação.
Algumas foram levadas ao suicídio. Há grande probabilidade de que o patrocinador político desse funcionário seja uma delas.
Sempre que uma autoridade cai, as pessoas não se preocupam com o que fez, mas com quem poderá ser derrubado junto com ela.
Nos últimos dois anos, as medidas anticorrupção do presidente Xi Jinping melhoraram sua reputação entre a mídia chinesa. E alguns analistas internacionais também manifestaram apoio, e até elogiaram, a campanha de Xi. Mas persistem suspeitas de que a repressão é seletiva.
Na minha opinião, a iniciativa anticorrupção é mais um expurgo stalinista do que uma tentativa real de limpar o governo. As acusações são baseadas no regulamento do partido, e não na lei.
As investigações são realizadas por funcionários do tipo KGB, e não pelo sistema judicial regular. A mídia chinesa não relata casos até que eles sejam divulgados, e depois disso há uma enxurrada de reportagens com termos quase idênticos usados para incriminar os suspeitos.
O mais revelador é que o expurgo visa principalmente facções específicas do partido, enquanto os grupos que apoiam e juram lealdade a Xi parecem imunes.
Muitos analistas dizem que os apoiadores mais importantes do presidente são os chamados comunistas da segunda geração descendentes dos fundadores do partido (Xi é um deles).
Essa tribo privilegiada goza de um poder quase inimaginável, tem acesso a recursos ilimitados e oportunidades de enriquecimento extraordinárias. Eles raramente são investigados.
A exceção que prova a regra é que o ex-chefe do partido em Chongqing, Bo Xilai, caiu em desgraça depois de uma luta por poder, e não por causa da quantia que embolsou, como afirmou o governo. (Antes de Xi subir ao poder, Bo era seu mais poderoso rival no partido.)
Mesmo assim, a condução do caso de Bo diferiu enormemente da das autoridades de nível mais humilde, como Zhou Yongkang, ex-membro graduado sem laços familiares com a elite do partido que é investigado por corrupção.
As ondas de detenções durante a investigação de Zhou atingiram sua família e funcionários de sua equipe e se estenderam aos departamentos e locais onde ele havia trabalhado antes. Para apanhar Zhou, a rede foi atirada sobre toda a província de Sichuan e a indústria de petróleo.
As autoridades graduadas na China exercem um poder irrestrito (até que não mais). Há poucas restrições a sua capacidade de promover seus seguidores e aliados, e elas podem ser ousadas ao aceitar propinas.
Seus departamentos, seus territórios, são seus domínios privados. Como disse famosamente o ex-secretário do partido em Taian, Hu Jianxue, "quando uma autoridade atinge o meu nível, não responde a ninguém".
Mas nos antigos feudos de Xi antes de alcançar o poder nacional ele ocupou cargos nas províncias de Fujian e Zhejiang até onde sei nenhuma autoridade acima do nível de deputado provincial foi presa por corrupção.
Recentemente, uma postagem na internet trazia a pergunta: Por que não foram encontrados "tigres grandes" em Fujian e Zhejiang? A mensagem foi quase imediatamente deletada.
Parece improvável que Xi deixe essa campanha prosseguir indefinidamente. Se as investigações de autoridades elevadas continuarem no segundo mandato de cinco anos de Xi, poderão sugerir incompetência pessoal.
Quando Xi tiver superado qualquer ameaça a seu poder, ele as encerrará. E quando terminarem seus seguidores voltarão a seus esquemas de corrupção.
Mas muitos chineses têm ilusões sobre o presidente. Em uma reunião recente, um professor me perguntou: "Quando Xi Jinping tiver todo o poder em suas mãos, o que fará com ele?"
O professor parecia pensar que Xi poderá usar sua autoridade para conduzir a China à democracia. Mas sua ideia é demasiado otimista. Para um ditador, o poder não é um meio para atingir um fim; o poder é o fim.
A iniciativa anticorrupção de Xi levou à queda milhares de autoridades corruptas, mas não há sinais de que ele fará um sistema que impeça a corrupção no futuro. Onde está a promessa de que ele submeterá a controle seu próprio poder ou o de seus amigos?
Um líder que pisa na liberdade de expressão, adora os elogios de uma mídia servil e enche as prisões com dissidentes honestos não se interessa por democracia. É apenas mais um ditador. Além disso, as campanhas anticorrupção não garantem justiça real.
Quando a mídia do governo publica reportagens sobre casos que ainda estão em investigação e aplaude a punição severa de autoridades corruptas, parece improvável que os acusados terão uma defesa adequada. Eles podem ter cometido crimes, mas também têm direitos, mesmo que o tenham negado a outros.
Como vice-diretor do Departamento de Justiça da província de Hunan, Wan Chuanyou supervisionou a vigilância e a intimidação de defensores de direitos civis. Segundo o advogado Cai Ying, em maio de 2014 Wan impediu várias vezes que Cai se encontrasse com um acusado em uma investigação sob shuanggui.
Cai Ying lhe perguntou: "Se um dia o senhor for investigado, o que fará?" Wan Chuanyou respondeu: "Como isso poderia acontecer comigo?" Após cinco meses, ele foi posto em shuanggui.
Murong Xuecun é autor de "Leave Me Alone: A Novel of Chengdu". Artigo traduzido do chinês por Harvey Thomlinson e do inglês por Luiz Roberto Gonçalves.