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Parceria

A queda de Putin não interessa à China. Mas um Putin fragilizado, sim

Mulher tira selfie em Moscou em frente a vitrine com imagens do ditador chinês, Xi Jinping, e do presidente russo, Vladimir Putin (Foto: EFE/EPA/MAXIM SHIPENKOV)

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Maior aliada geopolítica da Rússia, a China reagiu com pragmatismo ao motim do grupo mercenário Wagner contra o governo de Vladimir Putin em junho.

“Como um vizinho amigo e um parceiro estratégico abrangente na nova era, a China apoia a Rússia na manutenção da estabilidade nacional e na busca por desenvolvimento e prosperidade”, apontou o Ministério das Relações Exteriores chinês, comentando a rebelião.

Muitos destacaram o fato de que o comunicado não fez referência direta a Putin, dando a entender que a China estaria disposta a negociar prontamente com um eventual novo governo russo, caso o presidente tivesse sido deposto.

Entretanto, o aprofundamento das relações entre China e Rússia deixa claro que interessa a Pequim a permanência de Putin – embora a guerra da Ucrânia tenha demonstrado que alguma ameaça ao presidente russo também não seja nada mau.

Poucos dias antes do início do conflito, no início de 2022, Putin e o ditador Xi Jinping se encontraram na capital chinesa, na abertura dos Jogos de Inverno, e enfatizaram uma “parceria sem limites” entre os dois países. Na visita de Xi a Moscou em março deste ano, esse compromisso foi reafirmado.

Em análise para o think tank americano Atlantic Council, John K. Culver, ex-oficial sênior de inteligência da CIA, destacou a ideologia em comum entre Pequim e Moscou: a construção do tal mundo “multipolar”, com antagonismo claro aos Estados Unidos e ao Ocidente em geral.

“Pequim tem profundo interesse estratégico em garantir que Moscou – e Putin pessoalmente – permaneça um aliado viável para enfraquecer o poder dos Estados Unidos. Mais importante ainda, Pequim tem uma necessidade estratégica de uma Rússia sem turbulências internas ou contratempos internacionais que possam resultar na ascensão de um regime hostil à China”, destacou Culver.

A China vem acumulando desgaste internacional por se recusar a aplicar sanções à Rússia, por comprar mais commodities do parceiro e por não condenar a invasão à Ucrânia. Entretanto, como Pequim preferiu dobrar a aposta no apoio ao aliado, agora teme que a derrocada dele a prejudique.

“[...] a turbulência interna russa, os tropeços [do Kremlin] diante da bem-sucedida oposição militar ucraniana apoiada pelo Ocidente e as sanções [econômicas a Putin] aumentam ainda mais a ameaça de isolamento”, alertou Culver.

“Uma opção pragmática seria reduzir as tensões com os Estados Unidos e a Europa, mas Xi tem se mostrado mais ideológico do que seus antecessores recentes. É mais provável que a perda do principal parceiro estratégico da China aprofundasse a desconfiança estratégica em relação aos Estados Unidos do que um maior entendimento diplomático ou econômico [entre as duas maiores economias do mundo]”, acrescentou.

Poder de barganha

Entretanto, há a segunda parte dessa equação: a China se beneficiou das sanções que o Ocidente impôs à Rússia devido à guerra na Ucrânia, e um Putin mal das pernas pode continuar colaborando para seus interesses.

Diante das dificuldades crescentes para continuar exportando energia para a União Europeia, a Rússia aliviou parte dessas perdas vendendo mais para os chineses. As importações chinesas de petróleo, carvão e gás natural russos passaram de US$ 52,1 bilhões em 2021 para US$ 81,3 bilhões em 2022.

Segundo uma reportagem da agência Reuters, apenas em compras de petróleo, a China acumulou junto ao parceiro descontos de cerca de US$ 5 bilhões no ano passado devido ao fechamento do mercado europeu para Moscou.

Analistas destacam que, apesar desse aumento das importações de energia russas, Pequim procura não recorrer em demasia a esses recursos por duas razões. Em primeiro lugar, parece querer esperar negociações em termos ainda melhores. Segundo, não quer ficar excessivamente dependente dessas importações, como aconteceu com a Alemanha em relação ao gás natural russo.

Uma reportagem recente da Time destacou como a China vem freando o entusiasmo de Putin com o Poder da Sibéria 2, um gasoduto que está sendo planejado e que a partir de 2030 poderia transportar até 98 bilhões de metros cúbicos de gás natural do nordeste da Rússia para a China via Mongólia. Isso também vale para o petróleo e o carvão.

“As refinarias chinesas ficam felizes por comprar petróleo russo barato em transações pontuais”, disse Erica Downs, pesquisadora sênior do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia, à revista americana. “Mas não vimos a China fazer nada que aprofunde permanentemente seus laços com a Rússia de uma forma que possa ser mais difícil de reverter.”

Nessa lógica “vocês precisam de nós mais do que nós precisamos de vocês”, a China ganha um considerável poder de barganha junto ao seu maior aliado, tanto para comprar quanto para vender.

Uma declaração recente de uma fonte próxima ao Kremlin ao Financial Times resume esse espírito de dependência: “A lógica dos eventos determina que nos tornaremos totalmente uma colônia de recursos para os chineses. Nossos servidores serão da Huawei. Seremos os principais fornecedores de tudo para a China. Eles obterão gás do Poder da Sibéria. Até o final de 2023, o yuan será nossa principal moeda comercial”.

Ou seja: a queda de Putin não interessa em nada à China, mas a permanência de um Putin fragilizado no Kremlin, sim.

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