Não faz muito tempo, Nicolás Maduro foi a uma siderúrgica meio deficitária para promover sua capacidade de exportação, apesar das sanções dos EUA.
"Ninguém vai nos parar. Estamos vivendo dias de grandes vitórias!", vibrou, ao lado da mulher, observando os briquetes de ferro que passavam na esteira do Complexo Guayana.
Dois dias depois, a fábrica fechou, paralisada pelo apagão nacional que durou quase cinco dias e acabou com o pouco que restava da indústria pesada nacional. O blecaute, aliado às novas sanções norte-americanas ao setor petrolífero essencial da Venezuela, empurrou o país para o colapso econômico quase total.
Os mais abastados tiveram de usar as economias em dólares para comprar geradores portáteis, importaram comida enlatada e puderam se hospedar em hotéis e ir a churrascarias, quando necessário; os não tão afortunados viram um sinal de possível alívio para as dificuldades na notícia de que a Cruz Vermelha talvez faça em breve uma campanha emergencial no país.
Para um número cada vez maior de venezuelanos, entretanto, o único paliativo às dificuldades sem fim é a esperança de que as condições calamitosas derrubem Maduro.
PIB indo para o ralo
O apagão sugou cerca de US$ 1 bilhão do PIB venezuelano, equivalente a mais ou menos um por cento, segundo o banco de investimentos Torino Capital. Resultou em mais de 500 estabelecimentos comerciais saqueados, pelo menos 40 pacientes mortos nos hospitais e no fechamento de meia dúzia de fábricas.
A produção petrolífera equivalente ao volume de um país como Brunei foi irremediavelmente perdida devido aos danos causados aos campos pela perda de energia repentina, segundo a consultoria IPD Latin America.
O blecaute ocorreu depois da proibição norte-americana, em janeiro, da compra de petróleo venezuelano, o que só agravou anos e anos de má administração e corrupção sob Maduro e seu antecessor, Hugo Chávez.
"As sanções praticamente impossibilitam o governo de comprar e importar o mínimo necessário para fazer o país andar", afirma Francisco Rodríguez, economista da Torino Capital.
Muitos opositores encaram as agruras econômicas como um remédio amargo necessário para que o país se livre de Maduro; já para seus correligionários, elas são a desculpa perfeita para que o presidente possa se eximir da culpa do caos econômico.
Sem serviços básicos
Com lucros cada vez menores no setor petrolífero e um êxodo de mão de obra técnica, Maduro está com dificuldade em restabelecer serviços básicos desde o apagão de sete de março, o pior do país. O fornecimento de água tem sido intermitente na maioria das cidades, e os alunos da rede estatal e funcionários públicos foram forçados a ficar em casa depois do incêndio que destruiu uma subestação e levou a novo blecaute.
Menos da metade dos venezuelanos se disseram contra as medidas de Donald Trump contra o petróleo nacional, segundo pesquisa realizada pela principal agência local, a Datanalisis, no início de março – número surpreendentemente baixo, dado o impacto direto das sanções no padrão de vida.
"Se eu tiver de me sacrificar e passar um mês sem eletricidade ou água, eu o farei com prazer, porque sei que é a única maneira de melhorar este país", diz Valdemar Álvarez, técnico de laboratório da siderúrgica Sidor, em Puerto Ordaz, que é contra Maduro.
Moeda sem valor
A economia da Venezuela deve perder mais de um quarto de seu volume este ano, de acordo com Rodríguez, um dos poucos economistas de Wall Street que ainda tentam prever a escala do declínio venezuelano. A inflação deve chegar a 51 milhões por cento até o fim do ano, fazendo com que a moeda nacional perca praticamente qualquer valor.
Na história moderna, a violência e a amplitude do colapso do país só foram superadas pelas do Zimbábue, de acordo com o Instituto Financeiro Internacional.
A produção de petróleo venezuelana, que contribuía em mais de 90 por centro para garantir uma moeda forte, caiu 13% em fevereiro – o declínio mais acentuado da década, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
Isso no primeiro mês desde a proibição pelo Departamento do Tesouro dos EUA a qualquer tipo de negociação entre as empresas norte-americanas e a produtora nacional, a Petróleos de Venezuela S.A., ou PDVSA; desde então, o declínio só fez acelerar.
Indústria em colapso
Sanções, cortes de energia e uma fuga de cérebros acelerada podem acabar com 60% da produção petrolífera venezuelana este ano, segundo os consultores da IPD. Para esses analistas, a previsão é de que o país parta de 1,36 milhão de barris/dia em fevereiro para míseros 550 mil barris/dia ao fim de dezembro, volume mais ou menos equivalente à produção do minúsculo Equador.
Os EUA, que já foram o maior cliente da PDVSA, não compraram nenhuma gota do petróleo venezuelano em março. Segundo seu Departamento de Energia, a última vez que isso aconteceu foi nos anos 70.
"As sanções aceleraram o ciclo econômico vicioso venezuelano, pois a queda na exportação do petróleo deixou Maduro com menos verba para investir nos serviços básicos, o que, por sua vez, degrada a produção petrolífera", explica Siobhan Morden, estrategista de mercados emergentes do banco de investimentos Nomura de Nova York.
"Esse efeito multiplicador é muito poderoso e afeta praticamente todo mundo. O impacto será horroroso", prevê ela.
As sanções também impedem que o governo importe o diesel necessário para o funcionamento das centrais elétricas. As refinarias da PDVSA, que já estiveram entre as maiores do mundo, hoje se veem dilapidadas e há muito deixaram de suprir as necessidades nacionais de produtos como gasolina e diesel.
Com o fornecimento e a manutenção ínfimos das termelétricas, a Venezuela ficou sem suprimento elétrico de apoio quando o incêndio florestal que atingiu uma linha de transmissão derrubou a principal hidrelétrica do país, em sete de março.
Quando a luz voltou, o setor industrial inteiro do país já não existia mais.
The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
Impasse sobre apoio a Lula provoca racha na bancada evangélica
Símbolo da autonomia do BC, Campos Neto se despede com expectativa de aceleração nos juros
Eleição de novo líder divide a bancada evangélica; ouça o podcast
Eleição para juízes na Bolívia deve manter Justiça nas mãos da esquerda, avalia especialista