Ksenia Sobchak na abertura de sua campanha em Rostov-on-Don, na Rússia| Foto: VALERI NISTRATOV/NYT

A cena era de um teatro político antigo da Rússia.

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Os moradores descontentes se aglomeraram em torno da visitante famosa pedindo ajuda. Eles suspeitavam que autoridades locais haviam sido cúmplices em um incêndio criminoso, que os havia tirado de suas casas modestas que ficavam no que ultimamente tinha se tornado um terreno valioso. 

"Diga para o pessoal de Moscou", gritou um homem. "Conte para eles como nossa terra está sendo roubada!", disse outro. 

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O pouco comum na cena é que Ksenia Sobchak – jornalista, estereótipo de celebridade de moda, que já foi estrela de um escandaloso reality show na televisão e que agora se transformou em personagem da política – era o foco de sua atenção. 

Sobchak, que vem tentando se tornar a porta-bandeira da oposição para a eleição presidencial de 2018, abriu seu primeiro escritório de campanha fora de Moscou em Rostov-on-Don, a maior cidade do sul da Rússia. Ela planeja abrir 50 escritórios por todo o país no que descreveu como uma campanha para destacar como a nação está sendo mal administrada. 

Uma mulher em uma habitação que foi local de um incêndio criminoso em Rostov-on-Don, na Rússia 

"Dá para imaginar que o governador daqui não se encontrou com as pessoas que ficaram sem casa por causa do fogo?", perguntou ela em uma entrevista em meio a paradas da campanha. "Isso só acontece aqui na Rússia porque o poder não muda, as autoridades nunca mudam. Quero fazer com que essas questões sejam parte de uma grande discussão nacional sobre o que está errado com este país."

Para a multidão que se aglomerava em meio aos escombros enegrecidos das casas transformadas em cinzas – que foram totalmente queimadas em agosto depois que o fornecimento de água foi misteriosamente cortado, segundo moradores –, ela falou sem rodeios. 

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"A única pessoa que o governador teme é Putin", disse ela sobre o presidente russo, Vladimir Putin. O governador, afirmou, "não liga para o que você pensa sobre ele porque você não vota nele". 

‘Democracia controlada’

As eleições na Rússia, principalmente as presidenciais, têm uma conexão remota com o ato de votar. Desde que se tornou presidente em 2000, Putin instituiu um sistema de "democracia controlada", o que basicamente significa que o Kremlin controla todo o processo. 

Putin, de 65 anos, que deve declarar sua candidatura para um quarto termo nas próximas semanas, é considerado uma certeza, já que o sistema foi projetado para frustrar quem o desafie. Para se qualificar, os candidatos independentes precisam coletar assinaturas e detalhes dos passaportes de 300 mil pessoas em 43 regiões, por exemplo. Esse é apenas um dos obstáculos, e muitos acabam sendo desqualificados. 

Cerca de 25 candidatos declararam a intenção de concorrer, mas Sobchak se destaca porque possui um nome reconhecido nacionalmente, tanto quanto o de Putin. Também há uma conexão familiar. Seu pai, como prefeito de São Petersburgo, levou Putin para a política ao torná-lo seu vice. 

Sobchak foi demitida de vários empregos lucrativos na televisão estatal depois de se tornar um dos rostos dos protestos políticos ocorridos após as últimas eleições presidenciais, em 2012, que teve resultados considerados dúbios. Ela então capitalizou a fama para se tornar uma estrela das redes sociais, atraindo mais de 5,3 milhões de seguidores no Instagram e mais de 1,6 milhão no Twitter, usando as duas contas para apresentar designers, lojas, empresas de automóveis, estúdios de ginástica e outras marcas de estilo de vida. 

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"Sou realista sobre quem vai ser o presidente", afirmou a jornalista 

Sobchak, de 36 anos, que está casada há cinco anos e tem um filho pequeno, não se desculpa por continuar nessa linha de trabalho. "Sim, eu adoro roupas e sapatos bons, mas eu fiz por merecer", disse ela. 

Existem muitos céticos, e várias questões sobre se Sobchak está se opondo ao czar do momento ou fazendo o que ele quer. Todas as eleições presidenciais recentes tiveram o seu candidato liberal famoso escolhido pelo Kremlin. Por isso, alguns a acusam de ser apenas um fator para estragar a campanha de Alexei Navalny, que luta contra a corrupção e gastou mais de um ano organizando sua candidatura presidencial. 

Sobchak nega e afirma que os eleitores querem uma alternativa para os confrontos e as manifestações promovidas por Navalny. "Quando você tem slogans muito radicais, só deixa as pessoas bravas. As revoluções na Rússia são ainda piores do que os czares ruins", afirmou ela, com consequências imprevisíveis. 

Ao tornar "Contra os Ladrões" seu slogan de campanha, ela adotou parte da plataforma de Navalny. Mas há diferenças óbvias. Sobchak voou de classe executiva e chegou ao local em um Mercedes preto com chofer uma hora atrasada, depois de parar para fazer o cabelo. 

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Suas multidões pareciam mais esparsas e letárgicas do que as de Navalny, embora ela tenha sugado alguns dos apoiadores do candidato. "Navalny não vai conseguir se registrar, e eu quero fazer parte da eleição", explicou Andrei Sotskov, treinador de boxe de 53 anos. "Ouvi que dizem que ela está aí para estragar tudo, mas não há nenhuma prova dessa teoria."

Outros críticos à esquerda a condenam por focar no "sistema" em vez de mais diretamente em Putin e legitimar o que consideram uma farsa. 

"Qual é o objetivo de concorrer com um candidato que tem 100 por cento de chance de sucesso?", escreveu a jornalista russa Karina Orlova em um blog.

Quebra de tabus

Em seu favor, Sobchak abriu novos caminhos ao discutir abertamente tópicos políticos que antes eram vistos como tabu: os custos velados de anexar a Criméia, a influência negativa da Igreja Ortodoxa Russa em questões legislativas, os prisioneiros políticos, a poluição secreta, os juízes corruptos, o monopólio do governo sobre a televisão e a razão por trás das guerras da Síria e da Ucrânia. 

Em um movimento que sugere que o Kremlin quer pelo menos algo parecido com um debate, ela e outras poucas figuras da oposição puderam recentemente aparecer nos canais estatais de televisão. Sobchak já esteve duas vezes no ar desde outubro, em uma delas participou de um talk-show noturno em que foi a única convidada. No programa, acabou em uma acirrada discussão com o anfitrião famoso sobre quem era o pior lacaio do governo. 

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Algumas pessoas desqualificam sua candidatura por ela ser mulher. Em uma pesquisa da firma independente Levada Center, 53 por cento dos entrevistados disseram que não acham que uma mulher pode dirigir o país, e 32 por cento afirmaram que não havia nenhuma mulher na política atual qualificada para tanto. A pesquisa foi feita em setembro com 1,6 mil entrevistados.

Algumas pessoas suspeitam que a candidatura seja, na verdade, uma maneira de Sobchak construir sua marca, principalmente por que ela concorda com frequência que não tem como ganhar. Costuma dizer que está apenas sendo honesta e que planeja permanecer na política. A não ser que Putin mexa com o tempo de mandato novamente, ele estará fora em 2024 e não existe nenhum sucessor em vista. 

"Claro que eu quero ser presidente, quero ganhar, mas também quero ser sincera. Em um sistema criado por Putin, só ele pode ganhar. Sou realista sobre quem vai ser o presidente", afirmou ela. 

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