A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, anunciou nesta terça-feira (24) a abertura de um inquérito formal de impeachment contra o presidente Donald Trump, uma dramática reviravolta da líder democrata que estabelece um confronto constitucional e político que coloca o Congresso contra o presidente do país.
"As ações da presidência de Trump revelaram o fato desonroso da traição do presidente ao seu juramento, traição à nossa segurança nacional e traição à integridade de nossas eleições", disse Pelosi. "Portanto, hoje estou anunciando que a Câmara dos Representantes está avançando com um inquérito oficial de impeachment".
O impeachment é um passo raro e extraordinário que anularia a decisão dos eleitores dos EUA de eleger Trump em 2016. A decisão de Pelosi deve provocar uma reação dos aliados de Trump com repercussões para a corrida presidencial de 2020.
"Um dia tão importante na Organização das Nações Unidas, tanto trabalho e tanto sucesso, e os democratas propositalmente tiveram que arruiná-lo e diminuí-lo com mais notícias de um lixo de Caça às Bruxas. Tão ruim para o nosso país!" ele escreveu.
Alegação de pressão para ganhos pessoais
A mudança de opinião de Pelosi ocorre após dias de consulta a aliados e segue relatos de que Trump pode ter pressionado um líder estrangeiro a investigar o ex-vice-presidente e potencial rival de sua campanha à reeleição em 2020, Joe Biden e sua família.
"Use a metáfora que quiser: 'atravessar o Rubicão', 'alea jacta est', 'um novo território', 'um novo dia raiou'", declarou Pelosi, evocando a frase em latim normalmente traduzida por "a sorte está lançada", que teria sido proferida por Júlio César em 49 a.C.
Nos últimos sete dias, as alegações contra Trump criaram uma onda de apoio ao impeachment entre os democratas, com moderados de distritos que são decisivos nas urnas juntando-se a progressivos na reivindicação de uma investigação.
Enquanto isso, Trump disse que autorizou a divulgação da transcrição completa de seu telefonema com o presidente ucraniano, no qual Trump teria mencionado a investigação a Biden e seu filho.
"Estou no momento na ONU representando nosso país, mas autorizei a divulgação amanhã da transcrição completa, totalmente não confidencial e sem cortes da minha conversa telefônica com o presidente Zelensky, da Ucrânia", tuitou Trump na tarde de terça-feira.
"Vocês verão que foi uma ligação muito amigável e totalmente apropriada. Sem pressão e, ao contrário de Joe Biden e seu filho, sem quid pro quo (toma-lá-dá-cá)! Isso não passa de uma continuação da Maior e Mais Destrutiva Caça às Bruxas de Todos os Tempos!"
Trump admitiu publicamente que pediu ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para investigar o filho de Biden, que tem conexões com um negócio que estava sob investigação. Mas ele disse não houve nenhuma pressão. No entanto, o Washington Post informou que Trump pediu a sua equipe que congelasse recursos de assistência militar à Ucrânia pelo menos uma semana antes de fazer o pedido a Zelensky.
Na terça-feira, Biden pediu ao Congresso que inicie o impeachment de Trump se a Casa Branca continuar impedindo as investigações do Congresso, incluindo perguntas sobre os relatos de que Trump pediu ao presidente ucraniano que investigasse Biden e seu filho, Hunter.
"Eu aguento os ataques políticos. Eles vêm e vão, e em breve serão esquecidos. Mas se permitirmos que um presidente destrua a Constituição dos Estados Unidos impunemente, isso durará para sempre". Biden disse neta terça-feira.
A Câmara planeja votar na quarta-feira uma resolução que desaprova os esforços do governo Trump para bloquear a divulgação da denúncia e a necessidade de proteger o denunciante.
"Este não é um assunto partidário, trata-se da integridade de nossa democracia, do respeito pelo Estado de direito e da defesa de nossa Constituição", disse Pelosi e a líder da maioria na Câmara, o democrata Steny H. Hoyer, em comunicado.
Processos de impeachment na História
Apenas três vezes na história dos EUA a Câmara dos Representantes buscou formalmente o impeachment de um presidente. A absolvição do presidente Andrew Johnson pelo Senado em 1868, no tumulto pós-Guerra Civil, reformulou a relação entre o Congresso e a presidência.
A decisão do presidente Richard Nixon de renunciar em 1974, em vez de enfrentar o impeachment na Câmara, desencadeou anos de reforma do governo e a eleição do presidente democrata Jimmy Carter em 1976.
A reação negativa dos eleitores contra o impeachment do presidente Bill Clinton, que também não foi afastado do cargo pelo Senado, trouxe ganhos para os democratas na Câmara em 1998 e levou à renúncia do líder republicano Newt Gingrich.
Como em cada um desses casos, os democratas agora têm pouca esperança de que Trump seja removido do cargo pelo Senado, caso ele sofra impeachment na Câmara. Os republicanos controlam a câmara alta, que teria que condená-lo com uma margem de dois terços. Desde as divulgações sobre a Ucrânia, apenas um único republicano, o senador Mitt Romney, chegou ao ponto de considerar as ações do presidente potencialmente "preocupantes ao extremo".
O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, se recusou a dizer na terça-feira o que faria se a Câmara votasse pelo impeachment.
Na Câmara, uma parcela de democratas que já haviam se posicionado contra o impeachment vem se manifestando a favor do impeachment nas últimas 48 horas. Esse total agora já passa de 160, entre 235, de acordo com uma análise do Washington Post.
O deputado John Lewis, um membro influente da sua bancada, foi um dos democratas a apoiar o impeachment na terça-feira. O democrata da Geórgia, um forte crítico de Trump e aliado próximo de Pelosi, se recusou por meses a considerar o impeachment por respeito à líder da Câmara.
"Chega um momento em que você deve ser movido pelo espírito da história para tomar medidas para proteger e preservar a integridade de nossa nação. Acredito, acredito realmente, que chegou a hora de iniciar um processo de impeachment contra esse presidente", Lewis disse na Câmara. "Demorar mais ou agir de outra maneira trairia o fundamento de nossa democracia".
Pelosi estava considerando a criação de um comitê selecionado para conduzir o inquérito, mas decidiu o Comitê Judiciário da Câmara, que tem a autoridade necessária, ficará responsável pela investigação.
Pelosi havia relutado em apoiar o impeachment, resistindo à medida extraordinária por meses, apesar da pressão da base progressista do partido e de vários pré-candidatos do partido à presidência em 2020. Ela argumentava que nem o público e nem o Partido Republicano, que controla o Senado, apoiam o impeachment e que dar seguimento ao assunto poderia ter custos políticos para os democratas moderados que ajudaram a dar maioria à Câmara no ano passado.