Curitiba Há uma onda de presidentes latino-americanos sonhando em se perpetuar no cargo. Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, cogita concorrer a um terceiro mandato. Hugo Chávez, na Venezuela, aguarda a aprovação por referendo popular de uma mudança na Constituição do país que acaba com o limite de reeleição. Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador, indicam que podem seguir os passos do venezuelano em ambos os países as Assembléias Constituintes já estão trabalhando numa nova Carta Magna.
Para evitar o interesse pessoal ou partidário de quem está no poder em detrimento do bem comum (fisiologismo), um dos princípios da democracia (atual) é a alternância de governantes. Portanto, os exemplos citados acima nunca são bem vistos pelos defensores deste tipo de regime. E se os casos não podem ser analisados juntamente porque cada um tem suas peculiaridades e diferenças, todos eles apresentam um mesmo ponto em comum: o desejo dos políticos de não perder o poder. O próprio caso argentino a dinastia Kirchner: o casal se alternando na Presidência não deixa de ser uma tentativa indireta de permanência no poder.
"O que os assemelha é o fato de serem políticos, contudo não seria sensato dizer que são iguais apenas porque vislumbram a re-releicao. Nos extremos estariam o radical Chávez com um modelo de revolução e do outro Uribe com um modelo de restauração. Assim sendo, não estão todos no mesmo saco. Contudo, todo político quer fazer história e isto significa fazer algo novo, ou seja, refundar, revolucionar, restaurar. Considerando que o difícil é chegar ao poder e que é um cenário novo na história político-democrática moderna latino americana, todos querem permanecer e ninguém quer sai, conforme a velha lógica de quem está fora quer entrar mas quem está dentro não quer sair", diz Izabela Pereira, consultora internacional da Inter Patris Consultoria e especialista no assunto.
Nem a esquerdização da América Latina poderia explicar o fenômeno, visto que Uribe é tido como um representante de centro-direita. A Colômbia é reconhecidamente a maior aliada dos Estados Unidos na região. A questão diz mais a respeito das instituições democráticas de cada um dos países, que não estão totalmente fortalecidas.
O norte-americano Norman Gall, diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, com sede em São Paulo, e especialista em América Latina há mais de 45 anos, é um otimista e acha que essa é uma "crise" passageira. "Acho que a tendência na América Latina é da consolidação da democracia. Veja o próprio caso do Chávez. Ele está enfrentando muito protesto. A popularidade dele flutua muito. Nunca será zero, mas também não vai voltar a patamares recentes. Há um movimento muito forte na Venezuela contra a reforma constitucional", afirma Gall.
Dos quatro candidatos a prolongar o tempo de permanência à frente dos seus respectivos países, Chávez é o que possui maior influência sobre os três poderes, ou seja, é na Venezuela onde a democracia estaria mais ameaçada. Morales, por exemplo, ganhou fama como líder dos cocaleiros, grupo de apoio que tem maior resistência a adotar uma postura autoritária de seu governante ao contrário do companheiro venezuelano, que veio da rígida hierarquia militar. Na Bolívia ainda há uma oposição forte em alguns departamentos (estados) e a necessidade de se governar com alianças é maior. Colômbia e Equador tampouco concentram tanto poder nas mãos de um único homem apesar de que nos dois países os presidentes possuem alta taxa de popularidade.
Desilusão democrática
A consultora Izabela propõe uma divisão em termos políticos dos países da região que transcende o dualismo esquerda e direita e abrange outras variáveis institucionais: populismo (Venezuela, Bolívia e Equador), social democracia (Chile, Uruguai e Peru) e modelos híbridos de governança (Argentina, Brasil, Colômbia e Paraguai), além do desequilíbrio institucional entre os arcos Andino e Atlântico. Segundo ela, "o problema não é que na América Latina não se reconhece o valor da democracia e sim um reconhecimento de que ela não tem satisfeito as necessidades esperadas pelas populações. Por isso se fala de desilusão democrática apesar de que ninguém negue suas benesses. O primordial é entender que não é uma questão de democracia versus não-democracia ou de direita versus esquerda. E sim um problema de fortalecimento democrático."