Enquanto faz pesquisas nas ruas de Istambul, megacidade em constante crescimento, Mustafa Erdik, o diretor de um instituto de engenharia de terremotos local, diz que às vezes se sente como um médico atendendo uma ala lotada de hospital.
Não se trata tanto do lado moderno da cidade, onde as duas brilhantes Torres Trump e um imenso aeroporto foram construídos para suportar um forte terremoto, algo considerado inevitável nas próximas poucas décadas.
A maior preocupação de Erdik é com as dezenas de milhares de prédios por toda a cidade, erguidos com uma pressa que não permitiu que fossem inspecionados, visto que a população passou de 1 milhão para desesperadores 10 milhões em apenas 50 anos, o que alguns sismólogos chamam de "escombros à espera". "Os terremotos sempre encontram o ponto mais fraco", diz Erdik, professor da Universidade de Bogazici.
Istambul é uma das várias cidades ameaçadas por terremotos no mundo em desenvolvimento onde as populações cresceram mais rápido do que a capacidade de construir casas para abrigá-las, o que as deixou muito vulneráveis. Nessas cidades, há possibilidade de um desastre ser mais desolador que o terremoto do mês passado no Haiti.
Roger Bilham, um sismologista da Universidade do Colorado que passou décadas estudando grandes terremotos ao redor do mundo, incluindo o recente acontecido do Haiti, afirma que cada vez mais a população urbana do planeta, projetada para crescer em mais 2 bilhões de pessoas até meados do século, exigindo 1 bilhão de moradias, enfrenta "uma arma de destruição em massa não reconhecida: as próprias casas".
O cientista acredita que sem grandes esforços para mudar as práticas de construção e educar as pessoas, de prefeitos a pedreiros, sobre formas simples de reforçar as estruturas, a tragédia do Haiti será quase certamente superada em algum momento deste século, quando um grande terremoto afetar Karachi, no Paquistão; Katmandu, no Nepal; Lima, no Peru; ou qualquer uma de uma longa lista de grandes cidades pobres que fatalmente enfrentarão grandes terremotos.
Em Teerã, a capital do Irã, Bilham calculou que 1 milhão de pessoas poderiam morrer em um terremoto previsto com intensidade semelhante ao do Haiti, que, de acordo com o governo haitiano, matou 230 mil pessoas.
Sobre Istambul, um estudo conduzido por Erdik mapeou uma situação em que um terremoto poderia matar de 30 mil a 40 mil pessoas e ferir gravemente outras 120 mil. A cidade está repleta de prédios com falhas evidentes, como andares térreos com paredes ou colunas removidas para abrir espaço para vitrines de lojas, ou uma sucessão de novos andares construídos ilegalmente a cada período eleitoral, aproveitando-se da não fiscalização.
Uma cidade que se prepara
Apesar da fragilidade de suas construções, Istambul se destaca entre as cidades ameaçadas nos países em desenvolvimento por estar tentando se antecipar ao risco. Um primeiro passo foi a elaboração de um plano mestre para terremoto para a cidade e para o governo federal, de autoria da equipe de Erdik e de pesquisadores de três outras universidades turcas em 2006. Esse plano é uma raridade fora de cidades mais abastadas como Tóquio e Los Angeles.
A execução de sua longa lista de recomendações provou ser mais do que um desafio, uma vez que a maior fonte de pressão política em Istambul, assim como na maioria das grandes cidades, não é um terremoto iminente, mas o trânsito, criminalidade, empregos e outros problemas que necessitam de atenção imediata.
Com a urgência amplificada pelas lições da devastação no Haiti, Istambul está fazendo o que pode para se preparar para seu próprio desastre.
O esforço de preparação está vindo do alto, com códigos de construção mais rígidos, seguro obrigatório contra terremoto e empréstimos de bancos internacionais de desenvolvimento para reforço ou substituição de escolas e outros prédios públicos vulneráveis.
Há também esforços vindos de baixo, à medida que grupos sem fins lucrativos, reconhecendo as limitações de um planejamento centralizado, treinam dezenas de equipes de voluntários em bairros pobres e lhes fornecem equipamentos como rádios, pés de cabra e kits de primeiros socorros, para que possam remover os escombros quando seus bairros forem atingidos.
Com cerca da metade das quase 700 escolas avaliadas como sendo de alta prioridade para adequação ou substituição até o momento, o progresso está lento demais de acordo com muitos engenheiros e geólogos turcos que monitoram a ameaça.
Nos bairros pobres de operários de Istambul estão sendo feitos esforços para treinar e equipar milhares de voluntários para que estejam prontos para reagir quando, e não apenas se, o pior acontecer.