A violência está em queda na Colômbia. O país não é mais aquele retratado em séries como Narcos ou El Patron del Mal. Dados do Ministério Público mostram que no ano passado 11,7 mil pessoas foram assassinadas. É o menor número em 42 anos. Só para comparar, em 1990, em plena guerra contra o narcotráfico, foram mortas mais de 7 mil pessoas só em Medellin, a sede do cartel liderado por Pablo Escobar.
Mas a situação é preocupante no interior do país. Segundo o WOLA (Washington Office for Latin America), uma entidade que defende os direitos humanos na região, a violência vem aumentando nas áreas consideradas prioritárias pelo acordo entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que pôs fim em 2016 a uma guerra civil que durava havia mais de 50 anos. Nestas regiões, os homicídios aumentaram 32% nos quatro primeiros meses do ano, comparativamente a igual período de 2017.
Um dos retratos desta situação é Ituango, uma cidade de 25 mil habitantes no Centro-Norte da Colômbia. Ela tornou-se um dos lugares mais perigosos do mundo. Do início do ano até agora foram 43 mortes, sendo que em todo o ano de 2016 foram oito homicídios. Isto faz o lugar, onde está sendo construída uma hidrelétrica de US$ 4 bilhões, ser quatro vezes mais violento do que El Salvador, o país com a maior taxa de homicídios do mundo.
A cidade tem o azar de ser um local estratégico para o tráfico da cocaína. Perto dali, os Andes dão lugar à planície costeira que conduz ao Caribe, de onde é mandada para a América Central e México. Remanescentes das FARC, os cartéis da droga e os paramilitares extorquem os fazendeiros e os comerciantes da região. Quem mais sofre é a população.
Alvos preferenciais
Um dos alvos preferenciais da violência no interior da Colômbia são líderes comunitários. Desde 2016, já foram mortos 346, segundo um levantamento feito por Datasketch, um site colombiano de jornalismo investigativo.
Há um perfil comum nessas mortes, diz Fabio Andres Diaz, pesquisador associado do Departamento de Estudos Internacionais e Políticos da Universidade Rhodes (África do Sul) e do Instituto Internacional de Estudos Sociais (Holanda): “Muitos dos líderes comunitários mortos pertenciam a três grupos: camponeses, população indígena e afro-colombianos. Estas populações enfrentam uma persistente discriminação econômica e social”.
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E muitas dessas lideranças também se chocam com outros interesses, ressalta Sebastian Eskaurtiatza, da Faculdade de Direito da Universidade de Birmingham (Reino Unido). Muitos se opõem à mineração ilegal do ouro ou denunciam a estrutura fundiária colombiana, que é altamente concentrada.
“Há uma motivação política nos crimes”, diz Diaz. Eles se concentram em áreas rurais remotas no Sudoeste e no Centro-Norte do país. “São regiões em que, historicamente, o governo esteve ausente ou teve uma atuação muito fraca.” Isto abriu espaço para que as guerrilhas e os cartéis do narcotráfico tivessem uma atuação relevante nessas regiões no final do século 20.
O fenômeno é decorrente da saída das FARC da luta armada. Milhares de guerrilheiros se desmobilizaram a partir de 2016 e entregaram as suas armas. “As áreas que o grupo guerrilheiro controlava hoje são contestadas por ‘novos’ grupos ilegais armados. Estas áreas estão ‘abertas’ para serem exploradas (coca e mineradoras)”, diz Eskaurtiatza.
O que prevê o acordo de paz
O acordo de paz assinado com as FARC estabelece, principalmente para estas regiões, medidas que garantam a propriedade de terra aos camponeses e ajudem aqueles que cultivam a folha da coca a se dedicar à plantação de cacau e café.
O que está havendo, conforme Diaz, é uma disputa entre o governo e os grupos armados por essas regiões. Esta situação despertou a atenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que, no final de março, insistiu para que a Colômbia adote medidas urgentes para proteger os líderes comunitários e defensores dos direitos humanos.
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“Supõe-se que estas iniciativas de desenvolvimento econômico rural irão atrair os cidadãos mais marginalizados de Colômbia. Ao fazer isto, (o governo) ameaça os diversos cartéis da droga e paramilitares que se converteram em ricos processadores e traficantes de coca. Estes grupos agora estão lutando contra as lideranças comunitárias”.
O pesquisador destaca que é improvável que o desestímulo ao plantio da coca consiga erradicá-la completamente. Mas os planos do governo afetam os narcotraficantes, que teriam menos oferta de coca, o que contribuiria para aumentar os custos.
Reação fraca por parte do governo
A resposta do governo colombiano a essa violência tem sido fraca. Um dos motivos, de acordo com Diaz, é que esse fenômeno é extremamente pulverizado. Outro, é a conexão entre setores das forças armadas, grupos políticos e de narcotraficantes, o que acaba dificultando a repressão.
A lentidão da justiça e o fato dela não estar totalmente livre da corrupção também inibe o combate à violência.
“Pode haver falta de provas. Também pode haver uma manipulação de testemunhas. Deve ser lembrado que o Estado não tem uma presença muito forte nos lugares onde esses assassinatos estão ocorrendo. Finalmente, as vítimas são algumas das mais desfavorecidas e pobres, pode ser que as autoridades não considerem esta situação como sendo uma prioridade”, diz Eskaurtiatza, da Universidade de Birmingham.
O assunto não esteve entre os principais temas da campanha presidencial. E o ministro da Defesa, Luís Carlos Villegas, disse, no final do ano passado, em entrevista a uma rádio, que muitos desses crimes são passionais.
A tendência é de que os problemas no interior da Colômbia continuem, na presidência de Ivan Duque, que tomou posse nesta terça. Por várias vezes, na campanha eleitoral, ele manifestou-se contrário ao acordo de paz com as FARC. E, inclusive, admitiu revê-lo quando chegasse ao Palácio de Nariño, sede do governo colombiano.
Segundo Diaz, a expectativa é de que o novo presidente atue de forma mais institucional, denunciando os homicídios e deslegitimando politicamente os assassinos.
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