O rei da Espanha Juan Carlos (76) decidiu abdicar ao cargo. O anúncio foi feito na manhã de ontem pelo primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy. "Sua majestade o rei Juan Carlos acaba de comunicar-me sua decisão de abdicar", disse Rajoy em um pronunciamento no Palácio da Moncloa ao adiantar que o título será transmitido para o filho, o príncipe Felipe.
Durante o pronunciamento, o líder do governo espanhol disse que o processo será feito "em um contexto de estabilidade institucional e como prova da maturidade da nossa democracia". Já que a troca do título de rei acorrerá após uma abdicação, o governo espanhol terá de aprovar nova lei orgânica para a transmissão da coroa, disse Rajoy. "Espero que em um prazo muito curto as cortes espanholas possam proceder a nomeação como Rei do atual Príncipe de Astúrias", disse.
Em um breve comunicado transmitido ontem pela televisão, o rei disse que seu filho Felipe, o príncipe das Astúrias "encarna a estabilidade" que marca a instituição monárquica. "O príncipe das Astúrias tem a maturidade, a preparação e o sentido de responsabilidade necessários para assumir com plenas garantias a chefia do Estado e abrir uma nova etapa de esperança combinando a experiência adquirida e o impulso de uma nova geração"", afirmou.
Protestos
Ainda ontem, milhares de pessoas se reuniram na Praça Puerta del Sol , em Madri, a favor de um sistema republicano e para pedir a realização de um referendo sobre a continuidade ou não da monarquia na Espanha. Pelo menos 1.500 pessoas participaram do início da manifestação, segundo a polícia, que indicou que o número de manifestantes aumentou ao longo do dia. Os participantes, convocados por movimentos sociais sob o lema "Xeque à Monarquia. Processos Constituintes". As autoridades consideraram o protesto ilegal por ter não sido solicitada autorização.
Não houve confronto entre os manifestantes, que agitavam bandeiras republicanas, diziam palavras de ordem como "Vá embora, Felipe", "Borbon, sem pensão" e "Espanha amanhã será republicana".
Cinco deputados do partido Esquerda Unida, liderados pelo coordenador geral, Cayo Lara, e membros de partido ecologista Equo, liderados por Juan López de Uralde também participaram do protesto.
Felipe vem com a expectativa de se bem preparado
O futuro rei da Espanha atrai expectativa de renovação não apenas por assumir o lugar do pai, mas por ser considerado o monarca mais bem preparado. O príncipe Felipe de Borbon estudou direito, administração e fez mestrado em relações internacionais na Universidade de Georgetown, nos EUA. Fala, além do espanhol, catalão, inglês e francês.
Amante e praticante de esportes, Felipe foi o porta-bandeira da delegação de seu país nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, quando concorreu com a equipe de vela e ficou em sexto lugar. Se envolveu, ainda, na defesa da candidatura dos Jogos Olímpicos de Madri 2020, mas não teve sucesso na empreitada. Ele também é piloto de helicóptero e jogador de futebol amador.
Há anos, ele representa a Espanha nas posses de presidentes latino-americanos. Em 2004, casou-se com a jornalista Letizia Ortiz, rompendo uma longa tradição de casamentos entre famílias de sangue azul. Eles têm duas filhas.
Repercussão - Decisão de Juan Carlos foi destaque em jornais de todo o mundo
A abdicação do rei Juan Carlos 1º teve ampla repercussão em todo o mundo.
O francês Le Figaro publicou que "na Espanha, a história se acelera" e também colocou uma foto: "Felipe e Letizia, os salvadores da monarquia espanhola".
No Reino Unido, a rede BBC interrompeu sua programação para anunciar o fato. O também britânico The Guardian informou que a decisão acontece após 39 anos de reinado e lembrou que "o monarca que supervisionou a transição de seu país da ditadura à democracia teve problemas de saúde nos últimos anos".
"O fim de uma era na Espanha", estampa por sua vez o diário alemão Bild, o mais lido no país.
Na Itália, o Il Sole 24 Ore observou: "No dia em que a rainha Elizabeth da Inglaterra completa seu sexagésimo segundo ano de reinado e Itália celebra a festa da República, a Espanha diz adeus a seu rei doente".
Nos Estados Unidos, o The New York Times publicou:"A abdicação do rei acontece após problemas de saúde mas também em meio a uma queda em sua popularidade".
Discurso precisa estar de acordo com a realidade
Eduardo Saldanha, doutor em Direito e coordenador do curso de Direito da FAE
O discurso em que Juan Carlos I anuncia a abdicação à coroa espanhola soa como o discurso que gerou a crise do Safari, uma tentativa de persuasão midiática de um rei que construiu uma imagem positiva de reformador e democrata e que um dia afirmou que "reis não abdicam, morrem na cama".
A retórica discursiva de Juan Carlos ficou muito clara quando em 2012 durante uma grave crise de desemprego e cercada de desesperança, afirmou publicamente estar muito preocupado com o desemprego e a falta de oportunidade para os jovens espanhóis. Este posicionamento louvável de um Rei que certa vez, com a autoridade e popularidade de um monarca que foi conduzido ao trono e efetivou a transição para a democracia seria considerado como expressão de um sentimento verdadeiro não fosse pela posterior viagem para um safari em Botswana para caçar elefantes.
Da mesma forma, as razões de abdicação apresentadas devem ser consideradas burocráticas e pouco próximas à realidade. Quando Juan Carlos afirma que a transição se dá devido à necessidade de mudança de comando para uma nova geração que reclama o protagonismo, ele não mente, mas não diz tudo.
A monarquia passa por uma crise de credibilidade devido à conduta pessoal de membros da família real, episódios como as investigações envolvendo a princesa Cristina, os burburinhos sobre as amantes de Juan Carlos, os gastos excessivos e o aparente desdém com o sofrimento da população que tem que presenciar condutas e gastos incoerentes com o discurso.
O novo Rei terá que ter um perfil austero, quase franciscano, uma conduta condizente com os cortes de salários, desemprego e que promova a Espanha e defenda seus interesses comerciais pelo mundo em uma luta que restaure a imagem reformadora que o seu pai construiu após o franquismo.
A luta de Felipe IV não deverá ser contra elefantes, mas sim contra a crise. Para isso deverá começar com discursos mais verdadeiros, menos burocráticos, que partam da percepção de que suas ações devem ser mais próximas às suas palavras, na busca por construir uma autoridade moral que o permita mandar calar ditadores e liderar a Espanha!