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A China está usando métodos de controle de natalidade forçados e até abortos para diminuir a população uigur na província de Xinjiang, revelaram um estudo do pesquisador alemão Adrian Zenz com dados do governo chinês e uma reportagem da Associated Press com dezenas de entrevistados uigures, ambos publicados nesta segunda-feira (29).
A perseguição do Partido Comunista da China contra a minoria muçulmana uigur na China já é bastante conhecida, especialmente depois da publicação de documentos e reportagens no ano passado sobre os campos de reeducação em Xinjiang, onde milhares de uigures são detidos e forçados a abandonar suas crenças e a seguir a cartilha do governo comunista, sob alegação oficial de que mostraram “sinais de extremismo religioso”. Mas até agora não se sabia da extensão do programa de controle de natalidade que a China impõe sobre as mulheres uigures. Alguns especialistas afirmam que trata-se de um “genocídio demográfico”.
A China permite que as mulheres tenham entre dois ou três filhos, dependendo da região, mas as uigures são alvo de uma massacrante campanha de controle de natalidade que não é observada entre a etnia Han, que representa 92% da população chinesa. Para impedir que as mulheres uigures ultrapassarem essa cota, as autoridades chinesas as coagem para que se submetam a cirurgias de esterilização e ameaçam interná-las em campos de reeducação se não quiserem abortar. Até mesmo as mulheres que têm menos de dois filhos são forçadas a inserir um DIU (Dispositivo Intrauterino) para não ficarem grávidas. Algumas, depois de sair da China, descobrem que estão estéreis.
O estudo de Zenz trouxe o relato de algumas mulheres que estiveram nos campos de reeducação e foram obrigadas a tomar injeções que as fizeram parar de menstruar ou que causaram sangramentos incomuns, consistentes com efeitos de drogas anticoncepcionais. A pesquisa também apontou, com base em documentos do governo chinês, que em áreas rurais mulheres uigures são obrigadas pelas autoridades de saúde locais a realizar exames ginecológicos e a cada dois meses precisam fazer teste de gravidez.
Ordens de oficiais locais dão a entender que, se constatada a gravidez, o aborto deve ser realizado, embora a palavra não seja citada. Mas relatos de ex-detentas dos campos de reeducação confirmam a prática. Gulzia Mogdin contou à AP que durante uma visita à China em 2017 ela foi levada a um hospital depois que oficiais descobriram que ela tinha o aplicativo Whatsapp instalado no celular. Mogdin morava no Cazaquistão, mas era chinesa. Após um exame, as autoridades descobriram que ela estava grávida de dois meses e exigiram que abortasse, ameaçando prender o irmão dela caso se recusasse. Ela disse à AP que durante o aborto, os médicos inseriram um aspirador elétrico no útero e sugaram o feto para fora do corpo. Seria o primeiro filho que ela teria com o novo marido.
Tursunay Ziyawudun, outra mulher que esteve em um dos campos de reeducação de minorias, contou à AP que uma das “professoras” do lugar dizia às mulheres que elas teriam que abortar se as autoridades de saúde descobrissem que estavam grávidas. Ela contou também que uma das colegas que estava grávida desapareceu do campo e que duas primas resolveram abortar por conta própria, com medo de serem detidas.
Alguns condados fizeram investigações para identificar e expulsar pais que tiveram muitos filhos, mesmo décadas atrás. De acordo com reportagem da AP, funcionários e policiais armados começaram a bater de porta em porta procurando crianças e mulheres grávidas, enquanto oficiais de governo locais anunciavam recompensas para aqueles que denunciassem “nascimentos ilegais”.
Um homem que teve sete filhos foi condenado a sete anos de prisão em 2017, contaram os parentes dele à AP. Documentos vazados em fevereiro de 2020 mostraram que em um condado de Xinjiang, dos 484 uigures presos em campos de “reeducação”, 149 estavam lá porque tiveram muitos filhos. Prender pais que têm filhos além do limite permitido é uma prática autorizada em pelo menos três condados, segundo informou Zenz.
Natalidade em queda
Com todas essas ações coercitivas em andamento, Zenz constatou que, entre 2017 e 2018, o crescimento populacional nos municípios onde os uigures são maioria ficou abaixo do crescimento médio observado nos municípios onde a etnia Han é predominante entre 2017 e 2018, um ano após a taxa de esterilizações na região ultrapassar drasticamente a taxa nacional. No ano passado, a taxa de natalidade na China caiu 4,2%, mas em Xinjiang ela foi 24% menor em relação ao ano anterior.
“Esse tipo de queda é sem precedentes... existe uma crueldade", disse Zenz, que é especialista em policiamento das regiões minoritárias da China. "Isso faz parte de uma campanha de controle mais ampla para subjugar os uigures".
Outro dado que mostra a extensão desta campanha do governo de Xi Jinping é o número de DIU’s inseridos em mulheres de Xinjinag. Em 2014 eram cerca de 200 mil e em 2018, 330 mil - um aumento de 60%, enquanto que em outras regiões da China esse número tem diminuído.
A China justifica essas medidas genocidas dizendo que grandes famílias uigures são a raiz do terrorismo islâmico em Xinjiang. Autoridades regionais ainda estimulam o casamento entre etnias para diluir a identidade cultural dos uigures e promover a assimilação de uma “raça nacional chinesa”, segundo Zenz.
"Essas descobertas levantam sérias preocupações sobre se as políticas de Pequim em Xinjiang representam, em aspectos fundamentais, o que pode ser caracterizado como uma campanha demográfica de genocídio", segundo as definições da ONU, disse Zenz no relatório.
Nesta segunda-feira, após a publicação da pesquisa e da reportagem da AP, a Aliança Interparlamentar da China (IPAC, na sigla em inglês), um recém-criado grupo de parlamentares norte-americanos, europeus e australianos de vários partidos políticos, disse que vai pressionar por uma investigação sobre crimes contra a humanidade em Xinjiang.
Resposta da China
Em resposta ao relatório de Zenz e à matéria da AP, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, disse que as histórias reveladas são falsas e inventadas e que o governo chinês trata todas as etnias igualmente.
Por décadas as autoridades chinesas permitiam apenas um filho por casal para os membros da etnia Han e histórias de contracepção forçada também eram comuns. Mas a partir de 2016, o presidente Xi Jinping implementou políticas iguais de planejamento familiar para todas as etnias e oss chineses Han puderam ter dois filhos, ou três se moram em áreas rurais, assim como as minorias.