Por mais que os Estados Unidos tentem caracterizar como legítima a ação que levou à morte de Osama bin Laden no domingo passado, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo não concordam. Segundo eles, a pontual operação norte-americana de invasão do Paquistão e o assassinato sumário do líder terrorista da Al- Qaeda violaram, sim, regras do Direito Internacional e de direitos humanos.
Primeiro porque o Paquistão é um país soberano e, portanto, deveria ter sido ao menos consultado pelos EUA antes da operação em território paquistanês. Segundo porque Osama bin Laden não teve a chance de ser capturado e de passar por um julgamento justo, seguindo os trâmites do devido processo legal tão defendido pelo governo norte-americano.
"Ele foi morto em uma situação não caracterizada como combate, conflito armado ou mesmo como uma guerra propriamente dita", explica Chrystiane de Castro Benatto Paul, advogada especialista em Direitos Humanos. Ou seja, a julgar pelas informações contraditórias da Casa Branca, parece não ter havido justificativa para a execução de Bin Laden.
"Um país de forma unilateral usou da força invadindo um outro Estado, afrontado sua soberania e executando seu inimigo extrajudicialmente. E ainda há denúncias do uso da tortura para a obtenção de informações de seu paradeiro [de Bin Laden]. Não há dúvidas de que viola o direito internacional. Além disso, a prática da tortura é indefensável", explica a professora de Direito da PUCPR e doutora em Direitos Humanos, Flávia Piovesan.
A ação adequada nessa situação seria os EUA terem feito ao Paquistão um pedido de extradição do terrorista. "O Paquistão teria de prendê-lo e extraditá-lo para os EUA. Um país não pode entrar no outro e levar a pessoa embora", diz Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional pela USP e professora da UniBrasil e do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba).
Casos como esse, de "invasão" de um outro Estado para capturar criminosos, são mais comuns do que se imagina. Os próprios norte-americanos , em 1989, enviaram tropas ao Panamá para capturar o então presidente Manuel Noriega, que era narcotraficante. Eles o levaram para os EUA, onde foi julgado e cumpre pena até hoje. Obviamente, não houve pedido de permissão para a entrada no país. Já na América Latina, recentemente, em 2008, houve uma ação do Exército da Colômbia, realizada dentro do território equatoriano sem prévia autorização e que resultou na morte de Raúl Reyes, o número dois das Farc. "A justificativa colombiana para o ataque, respaldada pelos EUA, estava na legítima defesa contra as Farc. Vários países, incluindo o Brasil, argumentaram que essa justificativa não poderia proceder porque as Farc não são um Estado", diz Larissa Ramina.
"A OEA também condenou a incursão de tropas colombianas em território do Equador, qualificando-a como uma intervenção direta ou indireta em assuntos de outro país e lembrando que o território de uma nação é inviolável, e que este princípio é vital para a convivência entre as nações americanas", conta.
Além disso, a recente votação no Conselho de Segurança da ONU sobre como proceder em relação à Líbia mostra como o uso da força tem sido questionado. A decisão de intervenção militar no país governado pelo ditador Muamar Kadafi teve vários votos contrários, entre eles o do Brasil e o da Alemanha.
"O desafio do Direito Internacional é converter o direito da força na força do direito", explica a professora Flavia Piovesan.
Apesar disso, há quem defenda a ação ordenada por Obama.
"Os norte-americanos alegam que estão dentro de uma ação militar em um espaço de beligerância e que não teria havido nenhuma violação a nenhuma norma ou tratado internacional", diz Jorge Fontoura, professor titular do Instituto Rio Branco, e presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. "O único Estado que poderia reclamar alguma coisa é o Paquistão. E eles não estão reclamando."