Se o ditado popular diz que "frei exemplo é o melhor pregador", imagine se o frei chega a papa. É o caso de Francisco, cujos primeiros dias de pontificado estão carregados de atos de desprendimento que, ao lado de seu histórico como arcebispo de Buenos Aires, dão pistas sobre a contribuição que ele pode dar à Doutrina Social da Igreja, o corpo de ensinamentos católicos relativos a temas como distribuição de renda e sistemas econômicos e que começou a ser consolidado no fim do século 19.
Que o tema é caro ao papa ficou evidente no encontro com a presidente argentina, Cristina Kirchner. O pontífice presenteou sua compatriota justamente com um Compêndio da Doutrina Social da Igreja, publicação lançada em 2005. Tendo liderado os católicos portenhos durante momentos difíceis na economia do país, o então arcebispo Jorge Mario Bergoglio manifestou seu compromisso com a justiça social não apenas ao trabalhar preferencialmente em bairros de periferia, mas também adotando sinais de simplicidade, como morar em um apartamento pequeno em vez do palácio episcopal; utilizar o transporte público, recusando um carro de luxo com motorista; e cozinhar a própria comida, dispensando o trabalho de empregados.
Para a professora de Ética e Doutrina Social da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, a brasileira Maria Aparecida Ferrari, a salvação da pessoa envolve os aspectos espirituais e corporais, e por isso a história registra muitas iniciativas de caráter assistencial da Igreja Católica, como o atendimento a doentes, enfermos, pobres e peregrinos. Mas uma frase do papa na missa de encerramento do conclave indica o seu pensamento sobre a atividade caritativa da Igreja: "Se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG piedosa, mas não a Igreja, esposa do Senhor".
"A Igreja não é simplesmente uma obra de beneficência porque visa à salvação das almas, no primeiro plano, sem desprezar o segundo", analisa Maria Aparecida. "Assim como da Igreja e da ação dos cristãos nasceram os hospitais, no berço desta doutrina também foram desenvolvidas as escolas, que promovem a educação como alimento da alma."
>big>Pontífice despojado causa apreensão
Círculos autodenominados "tradicionalistas", característicos por seu apego à liturgias elaboradas e à missa tridentina, demonstraram certa apreensão pelo modo como se apresentou o papa Francisco, com algumas simplificações permitidas pelas regras litúrgicas, ressalte-se em relação ao modo como Bento XVI celebrava.
O monsenhor brasileiro José Aparecido Gonçalves de Almeida, que trabalha na Cúria Romana como canonista, não compartilha dessa preocupação, mas constata que o papa Francisco provavelmente celebrará suas missas despojando-se de alguns sinais exteriores como trombetas, arranjos musicais complexos e alguns tipos de paramentos excessivamente bordados ou com rendas, que para o pontífice atual podem parecer aparatosos.
"Mas isso não é liturgia, é gosto opinável de pessoas que estão trabalhando e creio que com sincero zelo para preparar as liturgias do Romano Pontífice", diz o monsenhor José Aparecido.
Fios
"Quem consegue imaginar Bento XVI preocupado com fios dourados e dando indicações sobre as rendas das túnicas ou sobre os clarins que ressoam na Basílica para anunciar que o sumo pontífice está entrando?", questiona o canonista, ressaltando que o pensamento litúrgico do agora papa emérito era muito mais profundo, e que os detalhes exteriores são apenas reflexo do modo como Bento XVI entende o culto litúrgico.
Homilia
"Sinceramente só consigo imaginá-lo [Bento XVI] preocupado em preparar-se para a missa na oração, em preparar uma homilia de altíssima teologia, profunda doutrina e linguagem simples que minha mãe consegue entender, mesmo ouvindo-a em italiano. Assim como o papa atual, a quem eu vejo rezando, celebrando como Bento XVI e embora sem cantar entrando no mistério de Cristo, pregando com amor uma palavra de vida", completa o sacerdote.
Viagem
Dom Geraldo Majella vai a Florença para trabalhar em projeto assistencialista
O arcebispo emérito de Salvador, dom Geraldo Majella Agnelo, viajou a Florença após a celebração da missa do início do pontificado do papa Francisco. "Eu não vou para passear, mas para trabalhar em uma entidade italiana que adotou 10 mil crianças na Bahia", esclareceu o cardeal à Gazeta do Povo, quando se preparava para viajar.
Trata-se do Projeto Ágata Esmeralda, uma associação de adoção à distância, fundada em 1992 pelo florentino Mauro Barsi, por meio de um convênio firmado entre as arquidioceses de Florença e Salvador. Nascido em 1946, Barsi foi professor de Letras em uma escola média de ensino superior e colaborador do cardeal Lucas Moreira Neves, à época arcebispo de Salvador e, depois, prefeito da Congregação para os Bispos, no Vaticano. O nome da instituição é uma homenagem a Ágata Esmeralda, a primeira menina, de pais desconhecidos, acolhida no Hospital dos Inocentes, em Florença, em 1445.
Há cerca de 20 anos o projeto Ágata Esmeralda atua em Salvador e região metropolitana, sendo responsável pela adoção de mais de 10 mil crianças por italianos e por projetos de educação em bairros carentes. Entre as várias frentes de trabalho está o Centro Afro de Promoção e Defesa da Vida Ezequiel Ramin, que oferece educação infantil, reforço escolar e aulas de capoeira e percussão para crianças e jovens, em Lauro de Freitas.