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Timothy Cho foi convidado a palestrar no evento de 45 anos da organização Portas Abertas no Brasil.| Foto: Portas Abertas/Divulgação

Aos 17 anos, Timothy Cho não sabia ler ou escrever. Nunca havia ouvido falar de cristianismo, budismo, islã ou qualquer outra entidade que não fosse a família Kim. Quase adulto, Timothy Cho ainda achava que sua dolorida fome era a mesma que o resto do mundo devia sentir. "Quando cheguei à China e vi as pessoas comendo normalmente, entrei em choque", conta a todos os que querem ouvir como ele conseguiu escapar sozinho da ditadura norte-coreana e hoje é um dos poucos refugiados de lá que consegue mostrar o seu rosto publicamente.

No Brasil pela primeira vez, o agora cidadão britânico, que hoje está com 30 anos, ocupa seu tempo com a política do Reino Unido, mas também com o ativismo denunciando a tortura, perseguição e violação de direitos humanos que não apenas ele sofreu, mas seus compatriotas continuam sofrendo.

Também como porta-voz da ONG Portas Abertas, uma organização internacional que apoia cristãos perseguidos, Timothy percorre o mundo explicando como aproximadamente 60 mil fiéis norte-coreanos estão presos e submetidos a todo tipo de violência em campos de trabalho forçado, uma realidade que coloca o país asiático, por 20 anos seguidos, no topo da Lista Mundial da Perseguição — um ranking publicado anualmente pela Portas Abertas, que lista os 50 países onde os cristãos são mais punidos por sua fé.

Para celebrar os 45 anos da Portas Abertas no Brasil, o ativista visitou o país e ministrou palestras compartilhando sua história e visão de mundo. Sua jornada começou aos oito anos, quando seus pais precisaram deixá-lo para trás em uma fuga durante a Marcha Árdua na década de 1990, a pior fome na Coreia do Norte.

Desertores, seus pais foram considerados traidores do país, e a punição hereditária foi a privação de seus descendentes ao acesso à comida, educação e qualquer outro direito básico. A partir daí, Timothy conta que vagou pelas ruas até os 17 anos, quando tentou escapar da ditadura Kim pela primeira vez. Em um período de sete meses, foi preso quatro vezes, sendo três delas na China.

Durante esse tempo, foi submetido a torturas e violência até ser deportado para as Filipinas, graças à pressão da mídia internacional em seu caso. "Na prisão, ajoelhei pedindo por ajuda, e foi assim que encontrei a fé. A primeira vez que alguém me falou sobre Deus, eu achava que ele era um homem comum, um idoso, porque eu só sabia que sagrada era a família Kim. Então, eu orava achando que "Deus" seria capaz de quebrar a prisão ou me enviar um helicóptero".

Em entrevista à Gazeta do Povo, Timothy Cho explica sua missão de defesa da liberdade, principalmente religiosa, e como o Brasil é um importante aliado na defesa dos direitos dos cidadãos norte-coreanos. Confira:

Gazeta do Povo — Pode nos contar um pouco da sua experiência pessoal com a ditadura da Coreia do Norte?

Timothy Cho — Eu não sei exatamente o que aconteceu com meus pais, mas eles fugiram da perseguição política. Meu pai era professor de história no ensino médio, um trabalho muito importante, mas também muito perigoso em um país como a Coreia do Norte. Em algum momento, ele se opôs ao método de lavagem cerebral nas escolas, sabendo que não era a forma correta de ensinar crianças. Por isso, acabou na prisão e, quando finalmente conseguiu escapar, ele e minha mãe fugiram para a fronteira com a China. Mais tarde, ele me disse que foi a decisão mais difícil que já tomaram.

Encontrei-os brevemente anos depois na Coreia do Sul. Duas imagens que tenho da minha mãe são ela acenando para se despedir e, depois, em 2018, ela me telefonando do hospital, em seu leito de morte. Eu estava em um ônibus em Manchester [Reino Unido] quando um médico me ligou dizendo que ela queria saber se eu a perdoava. Todas as emoções vieram à tona porque, é claro, eu a perdoava. O país nos abandonou, não foram eles que me abandonaram.

E quanto ao período na prisão?

Quando chegou minha vez de escapar, na primeira tentativa fui pego e repatriado para a Coreia do Norte. Ali experimentei as piores circunstâncias. A cela era tão apertada que cada um tinha que se encostar nas costas do outro. Recebíamos uma pequena porção de sopa de macarrão a cada refeição. Era um processo de tortura, violência física e impossibilidade de dormir até que você revelasse tudo o que sabia e, em seguida, fosse enviado para um campo.

Depois de sair desses meses na prisão, tentei novamente cruzar a fronteira e, já na China, fui preso outras três vezes. Tive pesadelos sombrios nesse período e pensei algumas vezes em suicídio. Quando você está imerso na escuridão e no ódio, não consegue enxergar as coisas bonitas da vida, mas o amor é poderoso.

Minha história é difícil, mas há muitas histórias como esta de muitas pessoas no mundo, inclusive no Brasil. Muitas vêm de lugares difíceis da infância e sobrevivem com o coração. É sobre isso que vim falar no Brasil.

Qual mensagem você levou as cidades brasileiras nos últimos 10 dias?

Eu cheguei na sexta-feira (5) com a intenção de contar às pessoas o que está acontecendo e por que isso deveria importar para elas. A Coreia do Norte se identifica como um Estado socialista, mas eu diria que, mais do que isso, este é um país totalitário e alienado. Aqueles que fogem de lá não podem voltar para ver suas famílias, sequer por uma tela de celular. Eu defino a Coreia do Norte como uma sociedade-prisão, uma gaiola onde 25 milhões de pessoas estão presas e não fazem ideia do que é assistir a uma série na televisão, por exemplo. Então, quando falo da Coreia do Norte, não falo apenas da supressão religiosa e da fé, mas de todo tipo de restrição de liberdades. Se você não faz exatamente o que foi ordenado pelo regime, acaba em uma prisão.

Então, minha mensagem para o povo brasileiro nestes últimos dias foi sobre perseguição, mas não apenas onde eu nasci. Em 2018, havia 245 milhões de cristãos sendo perseguidos no mundo por sua fé. Hoje são 360 milhões. Isso significa que a perseguição está crescendo muito rapidamente e alguns países podem agir se afastando do problema, como se isso "não fosse relevante". Porém, quando um lado fica em silêncio sobre qualquer tipo de perseguição, acaba não percebendo o perigo chegando lentamente à sua própria porta.

Hoje sua missão é contar sua história no maior número de países possíveis?

Sim, eu já estive em cúpulas da ONU e em quase todos os países europeus, exceto a Rússia, para lembrá-los por que hoje ainda falamos sobre o Holocausto, mesmo após 78 anos: para que nunca aconteça novamente. Nunca mais! Hoje, na Coreia do Norte, estão executando pessoas em prisões. Utilizam presos políticos e cristãos para testar armas químicas e biológicas, como foi o caso de Kim Jong-nam [meio-irmão e rival do ditador Kim Jong-un, assassinado em 2017 em um aeroporto da Malásia com uma arma química em spray]. Essas armas são perigosas e um dos motivos pelos quais a comunidade internacional é cuidadosa em relação a qualquer conflito com a Coreia do Norte, além das armas nucleares.

Então, como agir em relação a países como esse? Do que precisamos? Meu papel é mobilizar orações internacionais. Se não falarmos sobre isso, também desapareceremos. Para mim, a perseguição é um tema do passado, presente e futuro. O silêncio nos leva à escuridão. As pessoas podem até dizer que isso nunca acontecerá no Brasil, mas já está ocorrendo em seus vizinhos: Nicarágua, Cuba e Venezuela, não é mesmo? Então, vim aqui não apenas para pedir orações pela Coreia, mas sim para aumentar a conscientização de todos sobre causas pelas quais vale a pena lutar.

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