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A Apple assinou em 2016 um acordo de US$ 275 bilhões com a China para driblar regulamentações que prejudicariam seus lucros com venda de aparelhos e serviços no país. A informação foi publicada em reportagem da semana passada do site The Information, que teve acesso a documentos internos da big tech.
O acordo teria sido fechado quando Tim Cook, presidente-executivo da Apple, fez uma visita à China para tentar reverter uma série de ações regulatórias contra a empresa. Segundo a reportagem, a ditadura chinesa argumentou à época que a Apple não estava contribuindo o suficiente para a economia local.
O compromisso foi assinado com uma agência governamental chinesa. Em troca de isenções legais, a Apple se comprometeu a investir na construção de novas lojas, centros de pesquisa e desenvolvimento e projetos de energia renovável, além de usar mais componentes chineses nos seus dispositivos, assinar acordos com empresas de software chinesas, estabelecer parcerias com universidades do país e investir diretamente em empresas locais de tecnologia – no mesmo ano, a Apple anunciou um aporte de US$ 1 bilhão na Didi Chuxing, concorrente da Uber (curiosamente, este ano a ditadura chinesa mandou a big tech tirar o aplicativo da Didi da App Store local por suposta coleta ilegal de dados de usuários).
De acordo com informações do New York Times, a Apple obtém um quinto da sua receita total na China. Uma reportagem do jornal americano publicada em maio já havia demonstrado que a ligação entre Apple e regime chinês envolveria sérios dilemas éticos. Embora a empresa se posicione como a favor da liberdade de expressão e dos direitos civis, dois data centers em Guizhou e na Mongólia Interior armazenam dados pessoais de usuários em servidores de uma estatal chinesa.
Ainda segundo o New York Times, a Apple abriu mão da tecnologia de criptografia que utilizava em outros mercados depois que a China não permitiu seu uso no país. Além de possivelmente colocar em risco a privacidade e a segurança dos dados dos seus clientes chineses, a big tech também retira aplicativos da App Store que desagradam Pequim.
A Apple não se pronunciou sobre a matéria do The Information. À época da reportagem do The New York Times, a empresa alegou que nunca comprometeu a segurança “dos usuários ou de seus dados na China ou em qualquer lugar” onde opera e que usa no país sua tecnologia de criptografia mais avançada. A respeito da remoção de aplicativos, a Apple informou que o faz apenas para cumprir as leis chinesas.
Em análise publicada após as revelações do The Information, Pete Sweeney, colunista de economia da Reuters, ponderou que o investimento da Apple no acordo aparentemente não deu retorno em termos de receita. “A empresa gerou US$ 249 bilhões em vendas na Grande China nos últimos cinco anos, menos do que o valor prometido (no acordo de 2016)”, apontou Sweeney.
“A participação da Apple no mercado de smartphones chinês permaneceu praticamente a mesma desde 2016, embora tenha se beneficiado um pouco com as sanções da Casa Branca que expulsaram a Huawei, seu rival doméstico mais próximo, do mercado de smartphones (dos Estados Unidos)”, acrescentou o colunista, que apontou que Cook terá dificuldades para se explicar aos acionistas – fora a repercussão política nos Estados Unidos, com o “aumento da tensão” entre americanos e chineses.
Nicholas Bequelin, diretor para a Ásia da Anistia Internacional, disse que a “Apple se tornou uma engrenagem na máquina de censura” chinesa. “Quando você olha para o comportamento do governo chinês, não enxerga nenhuma resistência da Apple – nenhuma atitude de defender os princípios aos quais a Apple diz ser tão apegada”, afirmou ao New York Times.