Autoridades do Afeganistão começaram a liberar quase 2 mil prisioneiros do Talibã, cumprindo a sua parte do processo de paz entre o governo afegão e o grupo militante, que parecia estar perto do colapso após um aumento de ataques violentos. O país do sul da Ásia começou com a liberação de 900 desses prisioneiros na terça-feira (26), em resposta a um cessar-fogo de três dias anunciado pelo Talibã.
"Existe a decisão de libertar 900 hoje", disse o porta-voz do Conselho de Segurança Javid Faisal à agência de notícias AFP na terça-feira, esclarecendo que procedimentos legais poderiam alterar o número final.
Mas apesar das perspectivas de seguir em frente com o acordo de paz e encerrar as hostilidades, após o raro cessar-fogo oferecido pelo grupo armado - apenas o segundo nos 19 anos de conflito - existe a preocupação de que a soltura em massa de prisioneiros do Talibã possa dar uma vantagem ao grupo e prejudicar negociações futuras.
"O governo está dando um salto de fé, apesar dos significativos riscos militares e políticos", disse Javid Ahmad membro do think tank Atlantic Council, de Washington, ao RadioLiberty. "Muitos dos combatentes do Talibã que estão sendo soltos podem pegar em armas novamente", alertou.
O Talibã ofereceu um cessar-fogo de três dias durante o feriado muçulmano do Eid al-Fitr, com início no domingo (24) e fim na meia-noite de terça-feira.
A pausa de três dias nas agressões foi saudada por líderes pelo mundo. O secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, aprovou o anúncio de cessar-fogo, dizendo que essa era uma "oportunidade tremenda" para que os afegãos superassem seus obstáculos e seguissem para negociações internas para "encerrar a guerra".
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram um aumento das mortes de civis no Afeganistão causadas em operações conduzidas tanto pelo Talibã quanto pelas Forças Nacionais de Defesa e Segurança do Afeganistão. As mortes atribuídas ao Talibã tiveram aumento de 25% em abril em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as baixas causadas pelas forças do Afeganistão cresceram 38% neste período, relatou a Foreign Policy.
Acordo de paz com o Talibã
Os Estados Unidos e o Talibã assinaram um acordo de paz, em 29 de fevereiro, no Qatar, após negociações que começaram em julho de 2018. Na ocasião, os EUA ofereceram reduzir o número de militares no Afeganistão de 13.000 para 8.600. Caso o Talibã cumprisse sua parte do compromisso em 14 meses, todas as tropas dos EUA e de países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) seriam retiradas.
O documento também estipulava que o governo afegão, que não é signatário do acordo, teria que liberar até 5 mil prisioneiros do Talibã. Em troca, o Talibã se comprometeu a liberar até mil autoridades e agentes de segurança afegãos que estão detidos. Em seguida, as negociações internas deveriam começar no país, originalmente previstas para 10 de março. Essas negociações são vistas como essenciais para encerrar o prolongado conflito.
A troca de prisioneiros atrasou porque o governo em Cabul se negou a liberar os 5 mil prisioneiros todos de uma vez. Até esta terça-feira, o governo afegão havia liberado cerca de mil detentos do Talibã, que por sua vez soltou por volta de 300 forças de segurança afegãs, segundo a Al Jazeera.
Retirada das tropas americanas
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reafirmou nesta quarta-feira (27) a sua vontade de retirar completamente as tropas americanas do Afeganistão, embora não tenha estabelecido um prazo. "Estamos lá há 19 anos e acho que é o bastante. Sempre podemos voltar se quisermos", disse Trump em entrevista coletiva na Casa Branca.
"Estamos agindo como uma força policial, e não como a força de combate que somos, no Afeganistão", tuitou Trump nesta quarta-feira. "Após 19 anos, é hora de eles policiarem o próprio país", completou, indicando o plano de trazer os soldados americanos de volta, mas continuar "olhando de perto" o que está acontecendo, e "atacar como um relâmpago nunca visto" caso necessário.
O Pentágono se prepara para a retirada das tropas americanas antes das eleições presidenciais americanas, já que Trump pretende cumprir a sua promessa de encerrar as guerras americanas. Líderes militares recomendaram que pelo menos uma força antiterrorismo americana permaneça no Afeganistão, relatou o Washington Post.
Governo compartilhado
O Afeganistão assistiu a um grande impasse político, quando ambos o presidente Ashraf Ghani e seu rival Abdullah Abdullah reivindicaram a vitórias nas eleições presidenciais de setembro de 2019. Em 17 de maio, os dois assinaram um acordo de compartilhamento de poder.
O impasse entre os dois líderes também contribuiu para o atraso nas negociações de paz entre o governo afegão e o Talibã.
Também neste mês, um brutal ataque contra uma maternidade chocou o país. Homens armados invadiram um hospital na capital e mataram pelo menos 16 pessoas, incluindo dois bebês recém-nascidos, mães e enfermeiras. No mesmo dia, um atentado a bomba matou 24 pessoas em um funeral. Após esses ataques, Ghani ordenou a retomada das operações ofensivas contra o Talibã e outros grupos. O Talibã negou envolvimento nos ataques, e o Estado Islâmico assumiu a autoria do ataque contra o funeral.
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