Malik Abdul Hakim, que perdeu dois filhos no conflito afegão, ganhou a confiança do Taleban e de representantes do governo| Foto: Bryan Denton /The New York Times

Malik Abdul Hakim é o condutor das almas. Ele leva os corpos de soldados e policiais mortos em áreas dominadas pelo Taleban a seus locais de origem. Já em instalações governamentais, ele recolhe insurgentes mortos e também os devolve às suas famílias.

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Hakim, 66, nunca imaginou que levaria essa vida. Mas ele encontra sentido em seu trabalho ao levar um pouco de dignidade para famílias marcadas pela guerra.

Ainda assim, reza para que um dia fique desempregado. "Sempre que vejo um corpo, rezo para que não haja outro", disse. "Serei grato quando houver paz e estabilidade e eu não tiver mais trabalho."

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Até lá, disse, nada vai dissuadi-lo. Nem o cheiro dos cadáveres, nem o esforço de carregar os corpos, nem o impacto psicológico.

Nem mesmo a morte de dois de seus filhos pelas mãos de talebans.

"Em todos esses anos, fiz isso por Deus", disse. "Os dois lados da guerra são meus irmãos —são afegãos e muçulmanos. Não quero favores nem posição. Meu único objetivo é ajudar quem precisa."

Desde que começou, há sete anos, Hakim transportou 713 corpos, sendo 313 só no último ano.

"Ele é muito querido pelas pessoas que ajudou", disse Mohammad Masoom Khan Qadiri, chefe de polícia do distrito de Zhare, na província de Kandahar.

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Esmatullah, que teve dois irmãos entregues por Hakim, no ano passado, depois de eles terem sido executados pelo Taleban, disse que sua família o reverencia. "Minha mãe idosa não reza primeiro por seus filhos," disse Esmatullah, que usa apenas um nome. "Reza primeiro por ele."

O trabalho de Hakim começou por acaso, depois da morte de um comandante do Taleban em Zhare. Os insurgentes queriam que o corpo do líder fosse devolvido, e vizinhos sugeriram que eles pedissem a Hakim, que na época trabalhava como voluntário para o Crescente Vermelho Afegão .

Hakim decidiu tentar. Dirigiu até o centro do distrito e fez uma súplica. Enquanto esperava, o chefe de polícia do distrito fez uma pergunta a Hakim: por que ele nunca havia se oferecido para recolher os corpos de militares do governo? "Eu disse a eles que nunca havia me ocorrido fazer isso", disse. "Não tinha certeza se queria fazer isso para o Taleban."

O governo acabou por liberar o corpo, mas sob a condição de que o Taleban fizesse o mesmo.

"Não estava esperando que esta guerra durasse tanto ou que eu carregasse tantos corpos", afirmou Hakim.

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À medida que a guerra se intensificou, ele exigiu que ambos os lados lhe dessem documentos identificando-o como parte neutra, de modo que não fosse atacado por engano.

Há alguns anos, Hakim começou a receber assistência do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Suas áreas de atuação se expandiram para partes das províncias de Helmand, Zabul e Oruzgan. Um dia, em meados do ano passado, ele transportou 28 corpos de militantes do Taleban depois de um confronto em Zhare.

Há cinco anos, seu genro, Ismatullah, dirigia um caminhão-pipa na equipe de construção de uma rodovia. Numa manhã, levou consigo dois dos filhos de Hakim a Khakrez, distrito ao norte da cidade de Kandahar. Eles nunca mais voltaram.

Hakim conhecia a área. Havia entregado dois corpos de talebans para um comandante três meses antes, mas não conseguiu informações sobre seus filhos. Então dirigiu até Quetta, no Paquistão, onde um alto representante do Taleban lhe entregou uma carta instruindo um comandante local a levar Hakim até seus filhos.

Ele se encontrou com o comandante em Khakrez e, após uma hora de estrada, o comboio parou em uma planície desolada.

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"Disseram-nos que encontraríamos os corpos pelo cheiro", lembrou Hakim, chorando.

Depois de procurar por uma hora no calor escaldante, Hakim encontrou seus filhos enterrados em uma cova rasa. Ele cavou com as mãos por duas horas.

Ele poderia ter se recusado a continuar ajudando o Taleban e procurado outro emprego. Mas enterrou sua amargura com os filhos. "Se levei esse tempo para encontrar meus filhos, imagine o quanto pessoas comuns devem levar", disse.

"Devo prosseguir no que faço em nome dos impotentes."