Escondidos em navios de carga e incertos sobre aonde a perigosa viagem os levará, um número cada vez maior de imigrantes africanos chega à América Latina à medida que os países europeus intensificam o controle de suas fronteiras.
Alguns vão para o México e a Guatemala como um primeiro passo rumo aos Estados Unidos, outros aportam na Argentina e no Brasil. Embora muitos cheguem por acaso à América Latina, uma vez na região eles encontram governos muito mais receptivos do que na Europa.
"Uma noite fui para o porto. Pensei que estivesse indo para a Europa. Depois descobri que estava na Argentina", disse o imigrante de Serra Leoa Ibrahim Abdoul Rahman, ex-menino-soldado que disse ter escapado da guerra civil de seu país esgueirando-se num navio de carga para uma viagem de 35 dias.
No Brasil, os africanos são agora o maior grupo de refugiados, representando 65 por cento do total dos que pedem asilo, de acordo com o Comitê Nacional para Refugiados (Conare).
Há atualmente mais de 3 mil imigrantes africanos vivendo na Argentina, em comparação com apenas algumas dezenas há até oito anos. O número de pessoas que solicitam asilo a cada ano aumentou abruptamente, para cerca de mil por ano, e um terço deles é africano.
"Observamos um aumento pronunciado no número de africanos vindo ao país e pedindo asilo", disse Carolina Podesta, do escritório argentino do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
O montante ainda é baixo se comparado às dezenas de milhares de imigrantes que viajam para a Europa todos os anos, mas acredita-se que os africanos venham para a América Latina em números cada vez maiores.
"Há uma procura por novos destinos", afirmou Podesta, acrescentando que muitos foram pressionados pelas políticas de imigração e de segurança mais restritas da Europa estabelecidas após o 11 de Setembro.
"Observamos uma tendência estável e ela continua a crescer."
Para muitos, a viagem começa esquivando-se dos controles portuários da África e depois sobrevivendo à base de água e bolacha durante semanas.
"Vimos casos em que eles chegam escondidos dentro do leme de um navio", disse Fernando Manzanares, diretor de imigração da Argentina. "Imagine como é atravessar o Atlântico escondido num espaço tão pequeno, tentando evitar a tripulação."
Vistos e aulas
Milhões de europeus chegaram à América do Sul a bordo de navios no século 19 fugindo da pobreza e da guerra, enquanto os africanos vinham em navios negreiros para trabalhar como escravos nas extensas plantações de cana do Brasil.
Hoje em dia os africanos chegam em navios de carga ou aviões comerciais e depois pedem asilo ou vistos de turista prolongados. Na Argentina eles podem obter vistos de trabalho temporário pouco após a chegada e renová-los a cada três meses.
"As políticas de migração do país são muito favoráveis", afirmou Manzanares. "É um reflexo da história. O que aconteceu com os imigrantes europeus 100 anos atrás agora está acontecendo com os imigrantes africanos."
Os africanos na Argentina também podem obter serviços de saúde gratuitamente e ter aulas de espanhol em entidades assistenciais católicas.
Muitos acabam se estabelecendo, casando ou se tornam cidadãos argentinos. Alguns africanos que chegaram de forma legal conseguiram trabalhar como músicos e outros viraram jogadores de futebol profissionais nos times locais. A maioria, no entanto, ganha a vida vendendo bijuteria nas ruas de Buenos Aires.
Abdoul Rahman conheceu sua mulher argentina quando lhe vendeu um anel cinco anos atrás. Ele envia dinheiro à mãe e a sete irmãs na África e mantém-se próximo à religião muçulmana na mesquita Alberdi, em Buenos Aires.
Lá, Rahman encontra dezenas de outros africanos para as orações de sexta-feira. Embora alguns dos entrevistados tenham dito que enfrentam racismo na Argentina, eles concordam que isso é menor em comparação à xenofobia e às leis antiimigração enfrentadas pelos migrantes africanos na Europa.
A Itália baixou uma lei em julho que tornou crime ser imigrante ilegal ou ajudar algum.
Durante os anos de 1990, um grande número de angolanos fugiu da guerra civil e se estabeleceu em comunidades do Rio de Janeiro.
Agora, números cada vez maiores de imigrantes provenientes da República Democrática do Congo fogem da violência e da guerra civil e buscam asilo no Brasil, que pode ser um país de fácil adaptação para os imigrantes, uma vez que possui a maior população negra fora da África.
"O processo de adaptação é realmente bom no Brasil", disse Carolina Montenegro, do escritório da Acnur no Brasil. "Para os africanos, tende a ser mais fácil por causa desse patrimônio cultural."
Mais e mais imigrantes da Somália, Eritreia e Etiópia também estão indo para o México e a América Central em navios de carga, na esperança de algum dia chegarem aos EUA por terra.
Alguns imigrantes fazem viagens épicas por vários países para encontrar um novo lar. O motorista de caminhão somali Mohamed Ahmed Hassen, de 31 anos, vendeu sua terra para pagar a viagem. Ele passou pelo Quênia e pela Tanzânia antes de chegar a Moçambique, onde pagou 1.500 dólares para que um traficante o colocasse num navio para São Paulo.
"Não sabíamos se era dia ou noite", afirmou. "Não tínhamos relógio para ver a data. Sabíamos apenas que estávamos ali por um longo tempo."
Do Brasil ele foi para a Colômbia e depois, de barco, para o Panamá, seguiu por Costa Rica, Nicarágua até chegar à Guatemala, onde foi preso e agora busca asilo.
O imigrante da Libéria Emmanuel Danso, de 18 anos, foi para a Argentina em julho escondido em um navio de carga depois que seus pais morreram na guerra civil de seu país. Agora ele quer estudar para se tornar técnico de laboratório.
"No meu país eu sou um sem-teto; sou órfão", disse Danso, enquanto entrava na classe de espanhol de uma entidade filantrópica católica. "Mas neste país há grandes oportunidades para mim."
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura