A ameaça mais imediata para a preservação das ruínas da Babilônia, no Iraque moderno, é a água que encharca o solo e mina o que restou de uma grande cidade da época do rei Nabucodonosor II, que abrigou uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo.
A água também é uma das ameaças mais antigas. O próprio rei enfrentou problemas com ela 2.600 anos atrás. Negligência, reconstrução mal planejada e saques durante as guerras também causaram danos recentemente, mas arqueólogos e especialistas em preservação de relíquias culturais dizem que nada substancial deve ser feito até que o problema da água esteja sob controle.
Um recente estudo, conhecido como projeto Futuro da Babilônia, documenta os estragos feitos pelas águas, associadas principalmente ao Rio Eufrates e aos sistemas de irrigação próximos. Logo abaixo da superfície, o solo é saturado em locais como o do Portão de Ishtar e dos Jardins Suspensos, há muito desaparecidos e uma das sete maravilhas. Tijolos estão esfarelando, templos estão ruindo. A Torre de Babel, há séculos reduzida a escombros, está cercada de água.
Os líderes do projeto internacional, falando sobre suas descobertas em entrevistas e em um encontro neste mês em Nova Iorque, disseram que qualquer plano para resgatar a Babilônia como atração turística e local para pesquisa arqueológica deve incluir o controle da água como "a mais alta prioridade".
O estudo, destinado a desenvolver um plano mestre para a cidade antiga, foi iniciado no ano passado pelo Fundo Mundial para os Monumentos, e conta com o apoio da Junta do Patrimônio e Antiguidades do Iraque. Uma verba de US$ 700 mil destinada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos está financiando o estudo inicial de dois anos e o plano preliminar de gerência. Um funcionário do fundo para os monumentos disse que todo o esforço pode durar de cinco a seis anos.
"Este é, sem dúvida, o programa mais complexo que já tivemos de organizar", disse Bonnie Burnham, a presidente do fundo.
Demora
Alguns arqueólogos expressaram preocupação com o que alegaram ser um início lento do projeto. Os membros do projeto afirmam ter tido sérios problemas para persuadir peritos estrangeiros a ir para o Iraque e conseguir liberações para que trabalhassem lá com seus instrumentos.
Além do desgaste do tempo, que vitima todas as ruínas da Antiguidade, também é relevante as depredações que a Babilônia sofreu na história recente. Os arqueólogos alemães que realizaram o primeiro estudo cuidadoso do local, antes da Primeira Guerra Mundial, reconheceram os males causados pelas águas de irrigação provindas de um afluente do Rio Eufrates, a 80 quilômetros ao sul da moderna Bagdá.
McGuire Gibson, um especialista em arqueologia mesopotâmica da Universidade de Chicago que não está envolvido com o projeto, concordou que a água é o "maior problema" da Babilônia, que ele diz ter sido agravado nos últimos anos, quando um lago e um canal foram escavados como parte de uma campanha para atrair turistas. O próprio Nabucodonosor, notou Gibson, lidou com a invasão das águas erguendo novos prédios em locais cada vez mais elevados, sobre montes de velhas ruínas.
Os primeiros pesquisadores alemães, liderados por Robert Koldewey, informaram ter encontrado extensos danos causados pela água nas estruturas de tijolos de argila e pela intrusão de campos agrícolas e vilarejos dentro das fronteiras da cidade original. As pessoas já tinham carregado tijolos e pedras, deixando quase nada do Zigurate, conhecido pelo historiador Heródoto e pela Bíblia como a Torre de Babel. Os próprios alemães levaram consigo o elaborado Portão de Ishtar para um museu em Berlim.
Então, nos anos 70 e 80, Saddam Hussein, então presidente do Iraque, se considerou herdeiro da grandeza de Nabucodonosor e fez com que seu próprio palácio imponente fosse construído na Babilônia, seguindo as linhas da obra de seu antecessor real. Ele até mesmo adotou a prática do rei de gravar seu próprio nome nos tijolos de reconstrução. Os arqueólogos ficaram estupefatos. O novo palácio e algumas poucas restaurações, eles dizem, não são autênticos, mas dominam o sítio.
Intruso
O que fazer com o palácio de Saddam é outro problema, disse o codiretor do projeto, Jeff Allen. "Como equilibrar a integridade do sítio com seu uso como atração turística é o problema principal", explicou, notando que o Iraque conta com a Babilônia como futura fonte de receita através do turismo.
Allen, consultor americano em preservação cultural que vive no Cairo, disse que seriam gastos milhões de dólares para demolir o palácio ou convertê-lo em um centro de visitantes para os turistas. "Isto ainda precisa ser estudado por outros especialistas", disse Allen, brincando que uma sugestão é de que o palácio seria perfeito para a construção de um cassino.
"Eu deixaria o palácio em paz", disse Gibson, ressaltando que ele foi baseado em desenhos deixados pelos arqueólogos alemães.
"Desta forma, você caminharia ao redor de algo parecido com a arquitetura antiga. Caso contrário, você não teria nada para ver, exceto entulhos", disse.
Elizabeth C. Stone, uma arqueóloga da Universidade Stony Brook, em Nova Iorque, revelou apoiar os esforços para reabertura do local para turistas, especialmente para os próprios iraquianos. "Fica perto de Bagdá e é único lugar onde os iraquianos costumavam ir para ter um senso de seu passado", disse ela.
Outros danos foram causados durante a guerra no Iraque, iniciada em 2003. Ocorreram muitos saques no local assim como em outros sítios arqueológicos. O exército americano ocupou a Babilônia por vários anos, protegendo o local de saques, mas deixando outras cicatrizes.
Cerca de 1 quilômetro quadrado de solo da superfície, em parte com artefatos, "foi removido, de um jeito ou de outro", revelou Stone.
"Os militares certamente não fizeram nenhum bem ao local. Eles movimentaram muita terra, mas esse dano certamente pode ser revertido", disse Lisa Ackerman, vice-presidente executiva do fundo para os monumentos.
O local voltou ao controle iraquiano há mais de um ano. Ackerman e Allen disseram que o projeto já fez um levantamento das ruínas, construção por construção, e começou a restaurar dois museus. Apesar de o Iraque possuir um grande corpo de arqueólogos treinados, disseram os pesquisadores, há uma necessidade imediata de instruir outros na conservação das ruínas e trazer engenheiros estruturais e hidrólogos para lidar com o problema da água.