A passagem dos furacões Gustav e Ike por Cuba, que deixou pelo menos sete mortos e bilhões de dólares em prejuízos, trouxe também sinais de mudança na relação entre o país comunista e os Estados Unidos. Declarando querer ajudar a reconstruir o país caribenho da destruição causada pelos fortes ventos, os Estados Unidos que têm comércio limitado e relações diplomáticas rompidas com Cuba desde o começo dos anos 60 vêm oferecendo um inédito auxílio financeiro.
A oferta chegou a US$ 5 milhões, segundo o Departamento de Estado norte-americano. Cuba, no entanto, rejeitou os auxílios financeiros mais de uma vez, e pediu liberação do comércio entre os dois países. Ontem, o governo cubano pediu a Washington que decrete suspensão do embargo comercial, e solicitou também a liberação de crédito em bancos norte-americanos para financiar a reconstrução de Cuba. "Se o governo dos Estados Unidos não o deseja fazer definitivamente, Cuba solicita que, ao menos, autorize (a suspensão do embargo) durante os próximos seis meses", diz uma nota oficial.
O secretário de Comércio dos EUA, Carlos Gutierrez, já descartou a suspensão temporária do embargo, segundo informações do jornal espanhol El País.
Mesmo com uma queda de braço diplomática se armando, especialistas em relações internacionais concordam que a semana passada resumiu um evento histórico na relação entre os países antagonistas, e que ambos estão cumprindo seus papéis, ainda que lentamente, na reaproximação diplomática.
"É verdade que Raúl (Castro) recusou a ajuda financeira", lembra o ex-embaixador brasileiro em Cuba, Tilden Santiago, "mas também é fato que o retorno das relações entre os dois países está em pauta há algum tempo. A oferta humanitária que os Estados Unidos fizeram ilustra esse tipo de diálogo que vêm mantendo desde o tempo de Fidel", afirmou.
Mesmo com a recusa da doação por parte de Cuba, Washington licenciou cerca de US$ 250 milhões em vendas agrícolas para a ilha, segundo o porta-voz do Departamento de Estado Sean McCormack. "Lamentamos que as autoridades cubanas não tenham aceitado o oferecimento de assistência humanitária para o povo", informou, ao reiterar a oferta humanitária de US$ 5 milhões.
Segundo o ex-cônsul brasileiro em Cuba, já existem escritórios de interesses mútuos entre setores produtivos dos dois países, e um trabalho consular ativo especialmente para atender a concentração de cubanos na costa da Flórida. "Mas é claro que qualquer mudança será muito gradativa afinal, nos últimos 50 anos o Tio Sam abusou um pouco de Cuba", afirmou, referindo-se ao embargo comercial e ao fim da União Soviética, que tiveram relação direta na queda de cerca de 35% do PIB cubano em oito ou nove anos.
Hoje, segundo Santiago, Cuba continua com seus objetivos estratégicos de inserir-se na economia global, intensificando a entrada de capital estrangeiro. Foi o investimento externo que fortaleceu a indústria turística na exótica ilha, e complementou a renda baseada na agricultura e no extrativismo mineral.
Futebol
Além da oferta humanitária, o professor de Relações Internacionais da Universidade de Santa Maria Ricardo Seitenfus destaca também como marcante o jogo de futebol entre Estados Unidos e Cuba, ocorrido na capital Havana em 06 de setembro passado. A partida da eliminatória da Copa de 2010 foi a primeira a receber uma equipe de futebol norte-americana desde que Fidel Castro tomou o poder, em janeiro de 1959. "São dois fatos novos, um exemplo esportivo do calendário da Fifa e uma oferta humanitária, que indicam não um aquecimento, mas uma clara diminuição do gelo na relação entre os dois países", declarou Seitenfus, que também é vice-presidente da comissão jurídica interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos deram esse passo, Cuba discretamente também tem agido nesse sentido, segundo a avaliação de Seitenfus. "Eles também passam por uma transição, ainda que gradativa, para passar de um Estado totalitário para um Estado total, digamos assim", declarou. Segundo ele, são marcos da nova gestão de Raúl Castro a diminuição do controle sobre as informações na internet, a permissão de manifestações artísticas variadas (ainda que não políticas), e a própria abertura do estádio em Havana para o jogo de futebol contra os norte-americanos.
Futuro
Apesar de sinais de transição diplomática serem sentidos, no âmbito político e legislativo as sanções e barreiras ainda continuam ativas e vão continuar assim, segundo os candidados à Casa Branca Barack Obama e John McCain. Ao rejeitar o auxílio norte-americano, o governo de Cuba destacou que, se Washington quer cooperar com o povo cubano, "a única ação ética" seria suspender o embargo e permitir o comércio de materiais de primeira necessidade. Em resposta, a secretária de Estado americano Condoleezza Rice afirmou que o fim do bloqueio "não seria sábio" enquanto Raúl Castro estiver no poder.
Os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos afirmam ter pontos comuns com a gestão George W. Bush em relação à Cuba: oficialmente ambos rejeitam qualquer concessão à ditadura Castro até que uma democracia seja restaurada, e também exigem a libertação dos prisioneiros políticos. Ricardo Seitenfus e Tilden Santiago concordam que um novo enlace diplomático entre Estados Unidos e Cuba depende de muitas transições, e por isso ainda está longe e só acontecerá de forma gradual. No entanto, Seintenfus arriscou dizer que acredita que a gestão democrata de Obama hoje pode agilizar essa relação, que os republicanos têm falhado em conquistar.