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Como se a crise econômica que a Argentina enfrentou antes da pandemia não fosse suficiente, o país teve que encarar a Covid-19 com uma comorbidade: a política radical do presidente Alberto Fernández.
Antes da pandemia, já era um desafio para os argentinos manter negócios e superar as infindáveis regulamentações e obstáculos burocráticos que envolvem a vida cotidiana sob a pesada mão do governo no país. Ocorre que, desde março, o governo de Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner piorou as coisas ao impor uma das quarentenas mais longas do mundo.
“Diante do dilema de preservar a economia ou a vida... nós escolhemos a vida...”, disse o presidente, como um messias prometendo a salvação do povo. Podemos nos preocupar com a economia após a pandemia, argumentou Fernandez. Errado. Quando a economia fecha, como Fernandez ordenou, as pessoas não trabalham. Quando as pessoas não trabalham, o desemprego e a fome aumentam e, sim, vidas são perdidas. Pior, apesar da resposta draconiana do governo, a Argentina tem o sétimo maior número de infecções por Covid-19 do mundo.
O fracasso em conter a propagação da Covid-19 é o mais recente de uma série de fracassos do governo argentino – nenhum mais devastador do que a perene má gestão econômica. Em resumo:
- A economia argentina está em recessão desde 2018.
- A Argentina ocupa a 126.ª posição no índice Doing Business do Banco Mundial, entre o Paraguai e o Irã. Demora cerca de cinco meses para abrir uma empresa na Argentina.
- Para o ano de 2020, o Fundo Monetário Internacional (FMI) está prevendo uma queda no PIB de 11,3%, um pouco abaixo da contração de 12,3% estimada pelo Banco Mundial.
- A Argentina tem uma dívida pública próxima de 90% do PIB.
- A Argentina tem uma das taxas de inflação mais altas do mundo: 36,6% no ano passado. A cada mês, os salários diminuem continuamente, e a cada 10 ou 12 anos, como um relógio, o peso argentino quebra, diminuindo a poupança das famílias.
- Enquanto isso, o risco de calote implícito nas avaliações dos títulos da Argentina tem aumentado continuamente. Apenas algumas semanas atrás, a taxa de risco-país subiu para seu nível mais alto desde que J. P. Morgan reestruturou o índice após a troca da dívida da Argentina em setembro.
Em agosto, Alberto Fernandez celebrou uma renegociação bem-sucedida da dívida com os detentores de títulos privados do país (em US$ 300 bilhões, equivalente a 20% da dívida pública total da Argentina).
Longe do “triunfo” que o presidente Fernandez afirma, a reestruturação pouco fez para acalmar os investidores. A dívida argentina ainda é negociada com grande desconto, porque os investidores reconhecem, com razão, as perspectivas sombrias de um governo que limita a criação de riqueza por meio de tributação agressiva, controles de preços, regulamentação da moeda e níveis crescentes de gastos públicos.
A Argentina ainda não se deu conta do problema que nos prendeu em um ciclo de crises repetidas por décadas: o governo.
Histórico de dívidas
As “soluções” invocadas pelos peronistas de esquerda – descendentes do presidente populista do século 20, Juan Perón – sempre envolvem uma maior intervenção do Estado na economia. Até agora, o governo tem procurado controlar a escassez de moeda estrangeira, tornando mais difícil a aquisição de dólares e limitando a saída de moeda estrangeira pelos mercados de capitais. A polícia até começou a perseguir pessoas que compram dólares "ilegalmente".
Aí está o problema: o governo declara que é um crime os cidadãos dependerem de uma moeda diferente do peso. Mas os programas do governo e seu pesado controle de preços são responsáveis pela inflação em primeiro lugar. Os últimos 50 anos de política econômica argentina foram marcados por prodigalidade fiscal financiada pelo déficit. Enquanto Fernández continuar com esse duvidoso legado, nenhum controle de capital salvará o peso argentino.
O governo atual culpa o anterior por endividar a Argentina além de suas possibilidades. O governo anterior afirma que essa dívida era necessária para pagar os programas políticos dos governos de esquerda anteriores. A Argentina tem uma longa história de dívidas, desde 1824 – quando se chamava “Províncias Unidas do Rio de la Plata” — e o chefe de estado Bernardino Rivadavia fez empréstimos em moeda estrangeira.
Desde então, é a mesma história: em 1983, o país tinha uma dívida pendente de mais de US$ 44 bilhões. Isso aumentou na década de 1990 com Carlos Menem, o sucessor de Alfonsín – tanto que levou Menem a estabelecer uma paridade "um a um" entre o peso argentino e o dólar americano. A dívida logo triplicou e a bolha estourou com o sucessor de Menem: Fernándo de la Rúa, que durou meio mandato antes de ter de renunciar em meio a uma crise social.
Mas isso não impediu os políticos argentinos. Em 2003, os gastos do governo atingiram 22,7% do PIB. Treze anos depois, em 2016, após 12 anos de políticas socialistas sob os Kirchners, os gastos públicos atingiram um recorde de 41,5% do PIB. Cada aumento nos gastos do governo é acompanhado por um aumento nos déficits, depois pela impressão de dinheiro pelo banco central e, finalmente, por uma crise monetária que afeta a economia nacional.
Como sempre, a Argentina não pode resolver o problema de um grande governo com mais governo: o governo Fernández deve cortar gastos públicos. A pandemia não é desculpa para má gestão econômica.
Antonella Marty é diretora associada do Centro para a América Latina da Atlas Network e Diretora do Centro de Estudos Americanos da Fundación Libertad, Argentina.